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3 MERCHANDISING SOCIAL EM TELENOVELAS: ENTRE O

3.4 A DIMENSÃO PEDAGÓGICA DA COMUNICAÇÃO

Não é difícil reconhecer uma dimensão pedagógica na comunicação. Em primeiro lugar, o conceito de ação pedagógica foi desenvolvido com vistas a instituições como a família e a escola, a quem caberia reproduzir valores e ensinamentos. Em segundo lugar, de acordo com Bourdieu (1975), a ação pedagógica representa uma forma de violência simbólica, uma vez que ―impõe uma cultura arbitrária de um grupo ou classe a outros grupos ou classes, por meio de um

poder que a leva a ser reconhecida como legítima, a partir de uma relação de comunicação pedagógica, isto é, de imposição e inculcação de um arbitrário cultural segundo um modo arbitrário de imposição e inculcação‖ (p.21). Logo, é possível perceber uma analogia intrínseca no que corresponde à essência tanto da comunicação quanto da educação.

Além disso, o fazer educativo somente se viabiliza a partir de processos comunicativos por meio dos quais um emissor transmite conteúdos a um ou mais receptores. Esse emissor, por seu turno, deve gozar de uma autoridade pedagógica que lhe permita ―definir suas informações e conhecimentos como necessários‖

(BOURDIEU, 1975, p.54), bem como impô-los à recepção. Já ao receptor ou receptores cabe reconhecer essa autoridade e interiorizar as mensagens. Aqui, mais uma vez, é possível vislumbrar uma relação de similitude entre o trabalho pedagógico e a mediação realizada pela comunicação enquanto prática social.

Diante disso, afirma Bourdieu que os bens simbólicos produzidos pela mídia carregam em si uma autoridade pedagógica informal, anônima e difusa. Afinal, os meios de comunicação

escolhem do cotidiano e pautam os temas (selecionam e combinam) frente aos quais tomamos posição, discutimos, avaliamos e damos sentido a nossa experiência do dia-a-dia. Podemos falar, portanto, de uma ação pedagógica difusa e involuntária dos meios de comunicação. Nessa operação de narração-edição, é difundido um saber sobre o mundo que se insere no cotidiano, gerando conversas, reavaliações da própria experiência, exercendo pressões políticas ou até provocando mudanças de comportamento (Baccega apud NICOLOSI, 2009, p. 59).

Por essa razão, é possível conceber a telenovela realista, como a consagrada pelo modelo formal brasileiro a partir da década de 1970, como uma ação pedagógica implícita, posto que reflete, no plano da narrativa, a vida social.

Dela, resulta uma função educativa involuntária e informal.

A pessoa cresce se nutrindo e se saciando de informações novelísticas, e tem a ilusão de poder participar de um sistema do qual ela se sente excluída. Diante de um universo cultural carente, a apropriação da telenovela ultrapassa a dimensão do lazer, impregna as rotinas de vida de tal maneira que o receptor já não a percebe como opção de divertimento.

Jovens e crianças sem acesso a outras formas de diversão e cultura podem deslocar o eixo de interesse e transformar a programação de telenovela em campo de domínio e conhecimento, até como afirmação pessoal diante do grupo (LOPES; BORELLI; RESENDE, 2002, p. 373).

Essa potencialidade pedagógica seria acentuada, ainda pela matriz melodramática própria do gênero telenovela. Conforme já abordado no capítulo 1 desta pesquisa, o melodrama contém um sentido de ordenamento social e propagação de valores éticos e morais. Contudo, segundo Nicolosi (2009), o potencial pedagógico da telenovela nacional maximiza-se com a adoção de um estilo narrativo naturalista, a partir da década de 1990. Com ele, o merchandising social viria a representar um aguçamento da pedagogia implícita da telenovela brasileira.

A partir da inserção intencional de temáticas sociais no enredo das histórias de ficção, os dramaturgos de televisão atuantes nessa época, impingiram à telenovela uma pedagogia explícita e deliberada, formalizada por discursos que refletem a práxis social em suas condições e, sobretudo, suas demandas.

Nas palavras de Motter,

Não tendo por função educar, cada vez mais se cobra dela um rigor e uma precisão no tratamento de detalhes pouco significativos do ponto de vista da ficção, mas que do ponto de vista da realidade podem disseminar modos de agir inadequados no tocante a técnicas e procedimentos científicos, por exemplo. Isso demonstra seu potencial educativo e atesta seu reconhecimento como criadora e propagadora de um saber sobre o mundo, ao mesmo tempo que se atribui a ela aquela função (MOTTER, 2003, p.35)

Apesar de apresentar as personagens de ficção como modelos exemplares, o merchandising social em telenovelas opera no nível da identificação e projeção quanto a práticas objetivas, propagandeadas por discursos especializados que, cada vez mais, povoam as telenovelas. Ademais, a televisão brasileira emergiu, depois do regime militar, ―como um mediador para a compreensão dos acontecimentos e, as telenovelas, em particular, são utilizadas para levantar ou mesmo ajudar a dar o tom dos debates públicos‖ (LOPES, 2003, p. 20). É com base nisso, portanto, que se entrevê uma dimensão socioeducativa nas abordagens de temáticas sociais por parte da telenovela brasileira.

A fim de aferir essa possibilidade pedagógica, apresenta-se, no capítulo 5, uma pesquisa empírica sobre a dimensão pedagógica da abordagem temática da violência na telenovela Mulheres Apaixonadas. Antes, porém, no capítulo 4, apresenta-se e se explicita a metodologia empregada na investigação.

4 TRAMAS DA PESQUISA EMPÍRICA

Assim como a telenovela, a pesquisa científica é uma ―obra aberta‖, pois está sujeita a toda sorte de eventos, possibilidades e limitações que se impõem durante o processo produtivo. No entanto, se tal estatuto aproxima ambos os trabalhos, a diferença na natureza dos capitais a atingir representa a principal ruptura entre a obra de ficção e a investigação científica. Regida por uma lógica industrial, a primeira tem sua produção regulada pelo mercado e está condicionada a fatores de ordem material e concorrencial. Já a segunda, encontra-se comprometida com o rigor científico, que deve nortear a escolha do método de investigação, tanto no sentido tipológico quanto operacional. Por isso, o seu processo produtivo obedece aos imperativos do campo da metodologia.

A respeito desta, afirma Pedro Demo (1995, p.21) que ―o espírito inventivo aprende metodologia mais para saber rejeitar do que seguir‖. Santaella (2001) completa o pensamento do autor ao ponderar que:

Metodologias não são e nem podem ser receituários ou instrumentações que se oferecem para serem aplicados a todos os campos, todos os assuntos e a todos os problemas de pesquisa (SANTAELLA, p. 131).

Diante disso, o presente capítulo descreve e justifica as orientações e procedimentos metodológicos desta pesquisa, na qual se optou por adotar a metodologia de Análise de Conteúdo sob um viés predominantemente qualitativo.

Nesses termos, em conformidade com os autores citados, ressalta-se que as escolhas ora apresentadas ou são frutos da deliberação consciente do autor ou oriundas de impossibilidades e limitações que fogem do seu alcance.

Além disso, os pressupostos básicos da Análise de Conteúdo são empregados na forma e na medida em que ajudam a elucidar a questão a ser investigada. A opção tem como base as contribuições de Santaella (2001), que lembra que o primeiro sustentáculo de uma pesquisa científica é o problema a ser investigado. Segundo a autora, partir dele, formulam-se as hipóteses a serem verificadas. É para que seja possível proceder a essa verificação que se escolhe o método usado na investigação. Evidencia-se, portanto, que, para compreender a pertinência dos procedimentos metodológicos utilizados em uma pesquisa científica, é necessário, antes, atentar para uma série de aspectos envolvidos no estudo.