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3. CONTEÚDO, FUNDAMENTALIDADE, EFICÁCIA E APLICABILIDADE DA

3.3. Direito à moradia: um direito fundamental

O caminho da aplicação do Direito à hipótese investigada é trilhado a partir da certeza de que direitos sociais são direitos fundamentais, na acepção jurídica do termo, sendo previstos em normas jurídicas dotadas de aptidão para a produção de efeitos.

Neste ponto, cumpre retomar a ideia segundo a qual o significado destacado das normas de direitos fundamentais para um determinado ordenamento jurídico decorre da soma de dois fatores: a fundamentalidade formal e a fundamentalidade substancial ou material.221 Ambas estas fundamentalidades (formal e substancial), no que toca aos direitos sociais, estão evidentes no ordenamento jurídico brasileiro.

O extenso rol de direitos organizados na Constituição Federal sob o título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” caracteriza, indubitavelmente, a referida fundamentalidade formal, haja vista ser um catálogo dotado de eficácia, não taxativo e protegido contra alterações legais tendentes à sua abolição222, a teor, respectivamente, dos §§ 1.º e 2.º do art. 5.º e do § 4.º do art. 60 da Constituição Federal.

221Cf. Capítulo 1, 1.2.

222Para os direitos fundamentais sociais, previstos nos artigos 7.º a 11 da Constituição Federal, como cláusulas pétreas, cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A problemática dos fundamentais sociais como limites materiais ao poder de reforma da Constituição. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Direitos fundamentais sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 333-394; e CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Os direitos sociais enquanto direitos fundamentais. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 99, p. 309-313, 2004.

Esse mesmo aspecto formal auxilia na confirmação da fundamentalidade

substancial das normas de direitos sociais, no contexto do ordenamento jurídico brasileiro,

de modo a comprometer Estado e sociedade à observância e à difusão dos valores que subjazem a esses direitos, todos eles direcionados à salvaguarda da dignidade da pessoa humana. Este ponto de vista material-substancial encontra-se expressamente admitido no preâmbulo da Constituição Federal, na definição dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1.º), na declaração dos seus objetivos fundamentais (artigo 3.º) e no apontamento dos princípios que regem suas relações internacionais (art. 4.º, II), registros normativos esses que buscam concretude com a enunciação extensa e aberta de direitos fundamentais e a partir dela, vinculando à sua consideração tudo o que diga respeito aos destinos jurídicos do Estado e da nação.

A toda esta conclusão deve, necessariamente, submeter-se o direito à moradia, formal e materialmente albergado no rol de direitos fundamentais sociais constitucionalmente previstos.

No que tange ao aspecto formal, tem-se a menção à moradia no art. 6.º da Constituição Federal, fato que, mesmo acontecido em momento posterior, por força de emenda constitucional, não retira do direito em tela a sua fundamentalidade, até porque o texto original da Constituição Federal já antes explicitava a moradia como direito elementar de sobrevivência, ao arrolá-la, no inciso IV do art. 7.º (pertencente ao Título II), entre as “necessidades vitais básicas do trabalhador”, a serem subsidiadas pelo salário mínimo, e ao fixar, no inciso IX do art. 23, a competência comum da União, dos Estados e dos Municípios para “promover programas de construção de moradia e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”.

Demais disso, por força do § 2.º do art. 5.º da Constituição Federal, os tratados internacionais de direitos humanos, adotados pelo Brasil e que tutelam a moradia, inserem este bem jurídico dentre aqueles contemplados como direitos fundamentais protegidos constitucionalmente.223

O Recurso Extraordinário n.º 407.688-8/SP, julgado pelo STF em fevereiro de 2006, é referência importante da adoção unânime pelo Excelso Pretório da concepção de

223Adota-se, aqui, a tese da integração dos tratados internacionais de direitos humanos como normas de natureza constitucional, que assim se mantém mesmo com a inserção do § 3.º do artigo 5.º da Constituição, na linha dos argumentos apresentados em PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e direito constitucional internacional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 54-59 e 71-79; e SARLET, Ingo Wolfgang. Notas a respeito do direito fundamental à moradia na jurisprudência do STF, cit., p. 690-691.

direito à moradia como direito fundamental. A despeito da dissidência quanto à solução final do caso, que versava sobre a constitucionalidade da penhora de imóvel do fiador de contrato de locação, os votos convergiram quanto a este tratamento distintivo do direito à moradia, além de reconhecer que são incontáveis as possibilidades de manifestação de efeitos deste direito, na prática, com o que, ainda que implicitamente, corroboram a coerência da distinção entre os conceitos de eficácia e aplicabilidade (adiante abordada):

A regra constitucional enuncia direito social, que, não obstante suscetível de qualificar-se como direito subjetivo, enquanto compõe o espaço existencial da pessoa humana, “independentemente da sua justiciabilidade e exequibilidade imediatas”, sua dimensão objetiva supõe provisão legal de prestações aos cidadãos, donde entrar na classe dos chamados “direitos a prestações, dependentes da atividade mediadora dos poderes públicos”.

Isto significa que, em teoria, são varias, senão ilimitadas, as modalidades ou formas pelas quais o Estado pode, definindo-lhe o objeto ou o conteúdo das prestações possíveis, concretizar as condições materiais de exercício do direito social à moradia.224

No que concerne à substância, a adequação da moradia, como parâmetro do conteúdo do direito a ela, reafirma a fundamentalidade material desse direito. A compreensão da moradia como necessidade da pessoa, além de ressaltar seu aspecto imaterial, qualifica a que seja adequada como condição de preservação da dignidade humana, além de elegê-la como fator de promoção do bem de todos e da redução das desigualdades sociais, indo, pois, ao encontro dos fundamentos e objetivos do Estado e da sociedade brasileiros, consignados nos arts. 1.º e 3.º da Constituição Federal.

Em conclusão, juridicamente, no Brasil, o direito à moradia, em termos formais e materiais, é direito fundamental social que se experimenta pela fruição de moradia adequada.