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O direito de acesso à justiça

CAPÍTULO 1 – RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS (RAL)

1.5. O direito de acesso à justiça

Norberto Bobbio (2004, p. 24) destaca que a difusão das doutrinas jusnaturalistas, a inclusão das Declarações de Direitos Humanos nas Constituições dos Estados liberais bem como o nascimento, desenvolvimento e reconhecimento do Estado de direito pelo mundo marcaram o reconhecimento dos direitos do homem, o que alcançou nível mundial após a segunda grande guerra. Mas o autor ressalta que a “facilidade” em declarar esses direitos não significa sua efetivação, o que representa um dos maiores desafios dos Estados democráticos: a garantia da igualdade de todos perante o direito e a justiça.

Capelletti (1988, p. 10) ressalta que tais direitos, inicialmente de caráter individual e fundamentados na igualdade, garantiam um acesso meramente formal à Justiça, porém, à medida que a sociedade francesa liberal cresceu em tamanho e complexidade, da mesma forma ganhou força um movimento tendente ao reconhecimento de direitos e deveres sociais pelos governos que deveriam assumir uma atuação positiva para sua efetivação. Dentre tais direitos “o acesso ao direito e à justiça” consistia em pressuposto para o exercício de todos os demais.

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Para o autor, o direito de acesso à justiça se trata de aspecto fundamental do Estado social de direito que os alemães chamam sozialerrechstaat, também denominado pelos anglófonos de welfarestate, típico das sociedades modernas49. O reconhecimento e positivação desses direitos são associados ao aumento vertiginoso da demanda processual que ocasionou a crise da Justiça.

João António Fernandes Pedroso (2011, p. 3) informa que hodiernamente o direito de acesso efetivo ao direito e à justiça é considerado um direito humano, fundamental e social com previsão em vários documentos jurídicos importantes como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 194850, a Declaração Europeia dos Direitos do Homem (DEDH) de 195051, o Tratado de Amsterdam (arts. 61.º a 67.º) e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000 (art. 47.º). Mas Pedroso (2011, p. 180) adverte que apesar do reconhecimento universal do direito de acesso à justiça como direito humano não existe uma instituição global que o garanta a todo e qualquer indivíduo52.

Ronnie Preuss Duarte (2007, p. 23) ensina que o art. 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ao estabelecer “o direito à ação e a um tribunal imparcial” pretendia reforçar e dar maior visibilidade às garantias processuais, mesmo sem efeito vinculativo e sem apresentar inovações além daquelas já previstas na DEDH e na Constituição da República Portuguesa (CRP). Mesmo assim, para Smith (2007) citado em Pedroso (2011, p. 196) o dispositivo representou a disposição legal mais abrangente até então existente em matéria de acesso à justiça. No entanto Pedroso ressalta que foi a partir do Tratado de Lisboa de 13 de dezembro de 2007 que a Carta, antes um compromisso político,

49 Cappelletti (1998, p. 12) explica que o conceito de direitos humanos sofreu uma mudança radical com o

liberalismo refletida nas Declarações de direitos típicas dos séculos XVIII e XIX, as quais reconheciam direitos e deveres sociais dos governos. Tais direitos, ao serem reproduzidos pelas Constituições, exigiam uma atuação positiva estatal e não apenas o mero reconhecimento como direito natural pré-existente. Assim o direito ao acesso efetivo à justiça mereceu destaque enquanto mecanismo de efetivação de todos os demais direitos sociais e passou a ser considerado o mais básico dos direitos humanos de um sistema jurídico moderno que não se resume em proclamar, mas, sobretudo, garantir os direitos de forma igualitária para todos.

50 A DUDH é apontada como o primeiro diploma do sistema internacional de proteção dos direitos humanos que

serviu de inspiração para os posteriores, como por exemplo, a Declaração Europeia dos Direitos Humanos (DEDH) ou Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) de 1950, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) de 1966, dentre outros.

51 Duarte (2007, p. 15) afirma que o documento europeu baseou-se na DUDH e que em caso de previsão

constitucional de interpretação conforme os diplomas internacionais, as normas previstas subjacentes à dignidade da pessoa humana vinculam os Estados.

52 Situação diferente se verifica ao considerar os Tratados e Convenções Internacionais que na sua maior parte

possuem mecanismos próprios de acesso à justiça em casos de violação de direitos humanos, como por exemplo, o PIDCP e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH).

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ganhou força obrigatória pelo art. 6º53, o qual consagrou a adesão da UE à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). Somente a partir disso se pode dizer que existe um direito efetivo de acesso ao direito e à justiça na União Europeia54.

Apesar de previsto em diversos documentos internacionais Pedroso (2011, p. 189) ressalta que o acesso à justiça não consta como prioridade da agenda política do Conselho da Europa e sim dentro de um plano mais vasto de reformulação dos Sistemas Judiciais, cujas estratégias têm como problemáticas principais a independência dos juízes e do Judiciário e a Justiça no que tange à qualidade, eficiência e eficácia, a fim de combater a morosidade e garantir um acesso efetivo ao sistema. A par disso o autor destaca a importância das Resoluções e Recomendações do Conselho publicadas desde a década de 1970 para a disseminação da necessidade de consagração de acesso ao direito e à justiça pelos Estados- membros. No direito interno a previsão vem no artigo 20º da CRP55.

Para Gutierrez e Cunha (2015, p. 123) o conceito contemporâneo de acesso à justiça não pode mais ser generalizado ou mesmo banalizado por meio de posicionamentos que levem a um claro desvirtuamento da ideia de facilitação desse acesso. Para os autores adotar tal visão é inaceitável nos dias de hoje, pois revela uma atitude irrealista e ufanista geradora de graves consequências negativas que vão desde a busca da solução persuasiva dos conflitos (que representa um desserviço à verdadeira cidadania) passa pelo estímulo à contenciosidade social e acaba por inflacionar ainda mais a demanda por justiça. Em outras palavras o direito de acesso à justiça não se restringe em facilitar o ingresso em juízo ou reforçar o incentivo da litigiosidade, mas sim privilegiar os meios auto e heterocompositivos de solução dos conflitos.

53 Do artigo 6º que representa um dos mais extensos do diploma destaca-se: “1- Qualquer pessoa tem direito a

que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial (...)”. Disponível em: https://www.echr.coe.int/Documents/Convention_POR.pdf.

54 Para Pedroso (2011, p. 3) garantir o acesso ao direito e à justiça é assegurar aos cidadãos ciência sobre seus

direitos, e nos casos de lesões possíveis ou concretas dar-lhes condições de ultrapassar custos e barreiras para alcançar os meios adequados e legítimos para a resolução dos litígios, sejam judiciais ou não.

55 Artigo 20.º: 1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e

interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”. Disponível em: https://www.parlamento.p t/legislacao/paginas/constituicaorepublicaportuguesa.aspx.

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1.6. Desenvolvimento dos meios alternativos como garantia do direito de acesso à justiça