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Discurso moral, prático geral e jurídico

No documento Alexy, Robert - Teoria Discursiva Do Direito (páginas 130-134)

A tese do caso especial*

3.2. A TESE DO CASO ESPECIAL

3.3.2. Discurso moral, prático geral e jurídico

3.3.2.1. O discurso moral e a argumentação jurídica

Se a tese do caso especial é correta ou não depende essencialmente daquilo que se entende por “discurso prático geral”. Esse problema poderia ser denominado problema do genus proximum. Se se interpreta a expressão “discurso prático geral” de modo que ela signifique discursos morais, do modo definido por Habermas, pode-se mostrar facilmente que a tese do caso especial é incorreta. Discursos morais, no sentido de Habermas, dizem respeito à universalização e somente à universalização.9Uma questão mor-

al está em jogo quando alguém se pergunta quais normas

podem ser justificadas se e somente se iguais considerações são atribuídas aos interesses de todos aqueles que estão possivelmente envolvidos [...]. Com questões morais, a humanidade ou uma república pressuposta de cidadãos do mundo constitui o sistema de referência para se justificar regulamentações que se apoiam no interesse comum de todos.10

É bem óbvio que a argumentação jurídica está aberta não só a razões morais definidas nesse sentido mas também a razões ético-políticas e prag- máticas, no sentido da definição de Habermas.11As primeiras dizem re-

speito ao nosso autoentendimento coletivo incorporado em nossas tradições e nas nossas avaliações fortes.12As segundas dizem respeito à adequabilid-

ade de fins para a realização de certos objetivos assim como à ponderação de interesses e compromissos.13

Além de ser um fato, é sistematicamente necessário que razões éticas assim como pragmáticas desempenhem um papel indispensável na argu- mentação jurídica. Um dos pontos mais importantes da argumentação jurídica são as leis que resultam do processo democrático. Na tomada de decisão democrática todos os três tipos de razões são razões legítimas.14Se

a argumentação jurídica deve ser conectada àquilo que foi decidido no pro- cesso democrático ela tem que considerar todos os três tipos de razões pressupostas por seus resultados ou com eles conectadas.

3.3.2.2. O conceito de discurso prático geral

Portanto, a tese de Habermas de que o discurso jurídico não deveria ser concebido como um subconjunto da argumentação moral, do modo como ele a compreende,15 é evidentemente verdadeira. Mas isso não

derrota a tese do caso especial. De acordo com ela, o genus proximum do discurso jurídico não é o discurso moral do modo definido por Habermas, mas sim o discurso prático geral. O discurso prático geral não é a mesma coisa que o discurso moral no sentido de Habermas. Ele é um discurso no qual questões e razões morais, éticas e pragmáticas estão conectadas.16Dis-

cursos práticos gerais são diferentes de discursos jurídicos por não depend- erem de razões institucionais. Para a argumentação jurídica, razões institu- cionais como a lei e o precedente são constitutivas; para a argumentação prática geral eles não são.

A formação de um conceito de discurso prático que compreenda argu- mentos morais, éticos e pragmáticos é tanto razoável quanto necessária. É razoável porque frequentemente uma argumentação puramente moral, ou seja, uma argumentação que considera somente aquilo que é “igualmente

bom para todos os seres humanos”,17não é suficiente para dar uma resposta

a uma questão prática, ou seja, uma questão que diz respeito àquilo que de- ve ser feito ou omitido. Em muitos casos argumentos éticos e pragmáticos devem complementar argumentos morais a fim de que se possa alcançar uma resposta para uma questão prática. A dimensão pragmática com- preende, de acordo com Habermas, a questão sobre quais meios são ad- equados para a realização de certos objetivos, levando, se conflitos entre objetivos ocorrerem, ao problema da atribuição de pesos.18Todos os prob-

lemas práticos que possuem uma certa complexidade exigem a consider- ação da relação entre meios e fins, bem como a relação entre objetivos. A conveniência é portanto um elemento necessário do discurso prático ra- cional.19Deve-se novamente enfatizar que frequentemente a justiça, com-

preendida como ser bom para todos, e a conveniência, mesmo se tomadas em conjunto, não são suficientes para se decidir uma questão prática. Con- flitos entre objetivos que não podem ser solucionados somente através do critério igualmente-bom-para-todos constituem exemplos disso. É preciso então entrar na dimensão ética a fim de se realizar uma atribuição racional de pesos aos objetivos conflitantes, “à luz de preferências de valor aceitas”.20

O discurso prático geral é, em suma, um discurso que combina os pontos de vista da conveniência ou utilidade, do valor ou identidade e da moralidade ou justiça. Essa combinação não constitui porém uma mera adição. Existe tanto uma ordem de precedência quanto uma relação de per- meação entre o conveniente, o bom e o justo.

3.3.2.3. Relações de precedência entre os elementos do discurso prático geral

A precedência do bom sobre o conveniente resulta do fato de que até mesmo o mais alto grau de conveniência de um meio em relação a um fim não significa nada se o fim não tem valor algum. A conveniência é atraente somente se os fins ou objetivos são, de algum modo, atraentes. A precedên- cia do justo sobre o bom é uma matéria muito mais difícil. O bem, como objeto de discursos éticos, expressa valores individuais e coletivos não-

universais. Algo pode ser bom ou ter valor para algumas pessoas e não ser bom ou não ter valor para todas as pessoas. O justo representa o ponto de vista moral universal. Sua precedência só pode ser justificada quando se mostra que o ponto de vista moral é necessário para todos. Isso pode ser feito reconstruindo-se pressuposições necessárias implícitas em atos ele- mentares de fala como afirmar, perguntar e discutir, que são inevitáveis ou indispensáveis para todas as pessoas. Aqui deve-se pressupor que tal justi- ficação da validade universal do ponto de vista moral é possível.21Se essa

pressuposição estiver correta, a validade universal implicaria uma pre- cedência do justo sobre o bom.

3.3.2.4. O discurso prático geral e a unidade da razão prática

A precedência é uma matéria simples quando as coisas que são comandadas são separadas clara e nitidamente umas das outras. Esse porém não é o caso do bom e do justo. O justo é permeado pelo bom. Isso se torna claro se não se reduz o âmbito do justo aos direitos humanos elementares como o direito à vida, o direito de não ser submetido a tortura e o direito de não ser mantido na condição de escravidão. Esses direitos parecem perten- cer àquilo que é igualmente bom para todos, independentemente de con- cepções particulares sobre o bem. Mas quando se concebe a justiça abrangendo todas as questões referentes a distribuição e retribuição, prob- lemas como o do estado social e o da punição precisam ser tratados como problemas de justiça. As respostas a essas questões dependem de várias razões. Entre elas desempenham um papel essencial os argumentos sobre como alguém deve compreender a si mesmo e a comunidade em que vive. Com isso, o justo depende do bom. Quando alguém muda sua auto-com- preensão ou a interpretação da tradição na qual ele foi criado,22sua con-

cepção de justiça pode mudar. Tudo isso mostra que o discurso prático ger- al não é uma mistura ou combinação simples, mas uma conexão sistemat- icamente necessária que expressa a unidade substancial da razão prática. Essa é a base da tese do caso especial.

No documento Alexy, Robert - Teoria Discursiva Do Direito (páginas 130-134)