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A Maria apresentou-se à consulta com sintomatologia de vómito e anorexia. As análises hematológicas e bioquímicas da Maria não revelaram alterações significativas. Relativamente ao perfil hematológico, a única alteração observada diz respeito às plaquetas. Em situações de stress agudo pode ocorrer pseudotrombocitopenia que consiste na ativação de plaquetas com formação de agregados e consequente erro na contagem. A espécie felina é de difícil manipulação, ocorrendo este fenómeno rapidamente aquando da colheita de sangue (115). Desta forma, esta alteração

hematológica não foi tida em conta.

Tabela 27 – Tratamento administrado à Maria durante o período de acompanhamento do caso clínico.

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Nas análises bioquímicas não se observaram alterações. O valor da concentração de glucose sanguínea encontra-se no limite superior do valor de referência, causa atribuída a stress.

O vómito é um dos sinais mais comuns na clínica felina e ocorre associado a diversas doenças. Deve ser distinguido de regurgitação. É importante determinar a severidade do vómito e distinguir casos que possam ser tratados sintomaticamente de casos que necessitem investigação adicional. Estes últimos incluem situações tais como vómito agudo frequente, presença de sangue no vómito, melena, dor abdominal, distensão abdominal, pirexia, desidratação severa, sinais de choque, historial de vómito superior a duas semanas e persistência de vómito independentemente do tratamento sintomático instaurado. Fatores como a idade, raça e sexo do paciente apresentam maior predisposição para determinadas afeções, portanto devem também ser tidos em conta (116).

O vómito causa desconforto no paciente e pode conduzir a complicações tais como anorexia, perda de peso, aversão à comida e distúrbios no equilíbrio ácido-base e eletrolítico. Em situações mais graves pode causar pneumonia por aspiração (116).

A Maria apresentava episódios de vómito recorrente, o que sugere uma doença crónica do trato alimentar. A situação de hematémese é sugestiva de adenocarcinoma gástrico, ulceração gástrica, pólipos gastrointestinais, bem como infeção por Physaloptera praeputialis (parasita do estômago de cães e gatos) (116, 117).

Em situações de desidratação, choque ou hipotermia é prioritária a administração de fluidoterapia e realização de análises hematológicas, perfil bioquímico e urinálise. Em felinos com mais de seis anos de idade deve-se considerar a medição da concentração de T4 total devido à possibilidade de hipertiroidismo (116). Não se efetuou a medição da concentração de T4 da Maria uma

vez que apresentou melhorias do estado clínico com o tratamento sintomático. No entanto, aconselha-se a realização desta análise, tal como indicado anteriormente.

A palpação abdominal e cervical deve ser realizada aquando de um exame de estado geral. Em situações de vómito permitem identificar certas lesões, tais como nódulos pancreáticos e hepatomegalia. No caso da Maria não se verificou qualquer massa aquando da palpação abdominal nem dor ou desconforto. A dor abdominal nem sempre está presente em situações de pancreatite em gatos, sendo mais comum em situações de colecistite/colangite, peritonite séptica e ulceração gastroduodenal. Relativamente à palpação cervical, é importante em gatos geriátricos no diagnóstico de hipertiroidismo (116). No caso da Maria, também não se verificou qualquer anomalia à palpação

cervical.

Como foi referido na anamnese, a Maria foi diagnosticada com rim poliquístico em 2015 e aquando das ecografias realizadas observaram-se os quistos característicos desta patologia. A doença renal poliquística é uma situação hereditária comum em gatos da raça Persa. Os animais

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acometidos podem ser assintomáticos ou apresentarem sinais clínicos compatíveis com insuficiência renal tais como poliúria, polidipsia, desidratação, sensibilidade à palpação, anorexia e perda de peso. O exame de diagnóstico mais indicado é a ecografia abdominal (118). Os sinais clínicos e valores do

perfil hematológico e bioquímico da Maria realizados a 20 de dezembro, nomeadamente a creatinina e ureia – que se encontravam dentro dos valores de referência – excluíram a doença renal poliquística como causa da sintomatologia apresentada. Na exclusão do diagnóstico de DRC aconselha-se a medição da concentração sanguínea de SDMA, avaliação da proteinúria e pressão arterial sistémica (49, 52).

A ecografia é o método de diagnóstico imagiológico mais apropriado na maioria dos casos de doenças associadas a vómito. No caso da Maria, optou-se por realizar ecografia abdominal no dia 20 de dezembro. Os achados ecográficos – linfonodos mesentéricos e cólicos reativos; pâncreas ligeiramente hiperecogénico com dilatação do ducto pancreático; espessamento da parede do intestino delgado com sinais de inflamação; espessamento da parede do estômago; fígado, baço e bexiga normais; e rim poliquístico – direcionaram o diagnóstico para pancreatite. Isto pois, achados ecográficos tais como espessamento da parede gástrica e/ou duodenal, com ou sem perda de camadas, dilatação do ducto pancreático, linfonodos regionais reativos e parênquima pancreático hiperecogénico são frequentemente relatados em situações de pancreatite (119).

Desta forma, decidiu-se medir a concentração de fPLI. Este exame é realizado em laboratório externo ao HVB, demorando, portanto, alguns dias a chegar o resultado. Optou-se por internar a Maria no dia 20 de dezembro de forma a estabilizar-se o seu estado clínico e investigar o diagnóstico. O resultado da concentração de fPLI foi recebido no dia 22 de dezembro e considerado dentro dos valores de referência. Tal como referido anteriormente, este é o exame com maior sensibilidade na deteção de doença e inflamação focal pancreática (81). Assim sendo, excluiu-se o

diagnóstico de pancreatite.

Aquando do período de internamento – de 20 a 26 de dezembro – a medicação administrada consistiu em metronidazol (10 mg/kg IV BID), omeprazol (1 mg/Kg IV SID) e maropitant (1 mg/kg SC SID). O tratamento escolhido na fase inicial baseou-se principalmente na sintomatologia do paciente – vómito. Forneceu-se dieta hipoalergénica à Maria.

As dietas hipoalergénicas com uma única fonte de proteína e de carbohidratos desempenham um papel importante do tratamento da IBD felina. Aconselham-se proteínas de elevada digestibilidade e reduzido teor de resíduos, de forma a diminuir a carga de alergénios no lúmen intestinal e reduzir a estimulação imunitária (113).

O metronidazol é um derivado nitroimidazol com atividade antibacteriana e antiprotozoária. Possui efeitos no sistema imunitário através de efeitos moduladores na imunidade celular. Possui

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elevada absorção a nível gastrointestinal. É o fármaco de primeira escolha em doenças GI em animais de companhia revelando elevada utilidade no tratamento de agentes patogénicos não identificados e na diminuição de antigénios bacterianos que provoquem inflamação intestinal (113).

Optou-se pela administração de 15 mg/kg por uma questão de facilidade no doseamento dos comprimidos de metrobactim 250 mg.

O omeprazol é um inibidor da bomba de protões que inibe a secreção de ácido gástrico. Está indicado no tratamento de úlceras gástricas e duodenais, esofagite e situações de hipersecreção secundárias a gastrinoma. A dose indicada em gatos é de 0,75 – 1 mg/kg PO cada 24 horas num período máximo de oito semanas (120). Desta forma, o omeprazol é um protetor gástrico útil em

situações de vómito.

O maropitant é um antagonista dos receptores NK-1 do centro medular do vómito. É bem tolerado pela espécie felina e possui atividade antiemética potente. Em gatos a dose indicada é de 1 mg/kg SC cada 24 horas ou 2 mg/kg PO cada 24 horas. Em casos de vómito frequente recomenda- se administração por injeção. Está contraindicado em situações de obstrução ou perfuração GI ou por um período superior a 48 horas sem diagnóstico definitivo (120).

Durante o internamento não se efetuaram análises às fezes do paciente porque a desparasitação havia sido realizada segundo o protocolo de desparasitação recomendado.

O estado clínico da Maria melhorou após o internamento de dia 20 a 26 de dezembro, com desaparecimento do vómito e ingestão voluntária de comida. Foi no dia 26 que recebeu autorização de alta, como referido anteriormente.

Aquando da segunda consulta da Maria optou-se por realizar endoscopia com colheita de amostras de biópsia devido à hematémese abundante, tendo-se suspeitado de gastroenterite crónica. Do diagnóstico definitivo obtido a partir da análise histopatológica resultou doença inflamatória intestinal.

A prednisolona é um fármaco com efeitos anti-inflamatório, imunossupressor e antifibrótico. Tal como referido anteriormente é utilizado no tratamento de afeções alérgicas/inflamatórias crónicas, estando indicado em situações de inflamação intestinal crónica. Em animais com IBD recomenda-se 5 mg/gato ou 2 mg/kg por via oral, uma vez por dia durante pelo menos duas semanas, após o qual a dose é reduzida até se utilizar a dose mínima de corticosteroides que controle os sinais clínicos (113, 114, 120).

A prednisolona é contraindicada em animais com doenças renais. Desta forma, aquando da decisão da terapêutica a instaurar, embora o diagnóstico definitivo fosse IBD, numa fase inicial evitou-se a administração de prednisolona. Nesta fase o tratamento permaneceu sintomático, com

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continuação de dieta hipoalergénica. No entanto, não se tendo verificado melhoria do estado clínico da Maria e valores de creatinina no intervalo de referência, optou-se pela adição deste fármaco.

A concentração sérica de cobalamina deve ser avaliada em gatos com suspeita de IBD e administrada em caso de diminuição, uma vez que a deficiência desta vitamina tem consequências metabólicas sistémicas (99). O tratamento da Maria incluiu suplementação em cobalamina na dose

recomendada (250 mg por via SC, durante seis semanas), realizado posteriormente ao período de estágio da autora.

O estado clínico da Maria apresentou melhorias, tendo-se cessado a medicação. No entanto, tal como referido, manteve-se a dieta hipoalergénica pretendendo-se evitar a futura recidiva.

No documento Clínica e cirurgia de pequenos animais (páginas 90-94)

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