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Uma divergência entre a proposta de Coetzee e a hipocorização – a questão da frequência questão da frequência

No documento Universidade Federal do Rio de Janeiro (páginas 50-58)

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3.2.2. Uma divergência entre a proposta de Coetzee e a hipocorização – a questão da frequência questão da frequência

Ao longo da subseção anterior, citamos, em vários momentos, a palavra frequência para justificar a construção de um ranking harmônico de candidatos

29 “All that the constraints below the cut-off do is to impose a harmonic rank-ordering on the candidates, thereby determining the relative frequency with which they will be observed as variant outputs”. (COETZEE, 2006:5)

51 a output. Para Coetzee (op.cit.), o ranqueamento ordenado configura-se mediante a avaliação da frequência relativa com que cada forma linguística aparece na gramática de uma língua. Segundo o autor, a fim de que se forme um ranking de candidatos, é necessário quantificar estruturas licenciadas pela gramática e determinar qual delas é mais frequente, estabelecendo, assim, uma escala de usos.

Para corroborar sua tese, Coetzee (2006) analisa a variação entre redução e apagamento de vogais no português faialense (utilizado na Ilha de Açores, Atlântico). Assim como ocorre no português brasileiro, no faialense, o quadro vocálico completo ocorre unicamente em posição tônica. Em posições átonas, há uma tendência linguística a reduzir o quadro vocálico de sete para quatro vogais, como se observa no esquema extraído de Coetzee (op.cit.), em (12)30:

(12)

O que se nota a partir do esquema em (12) é que, no português faialense, as vogais distinguem-se pela altura – altas [i, u], médias [e, ɛ, o, ɔ, ǝ]

e baixas [ɐ, a] –; e pelo grau de anterioridade-posterioridade – anteriores [i, e, ɛ], centrais [ǝ, ɐ, a] e posteriores [u, o, ɔ]. Além disso, as vogais distribuem-se

30 No esquema em (12), as setas representam a redução vocálica possível para o quadro vocálico.

52 numa escala de sonoridade. As vogais centrais [ǝ, ɐ] apresentam menor sonoridade e, nas demais [i, u , e, ɛ, o, ɔ, a], a sonoridade diminui conforme a altura aumenta, como bem observaram De Lacy (2002) e Parker (2002) em trabalhos-base para a proposta de Coetzee (op.cit.).

Em alguns casos, ao invés da redução vocálica, há apagamento da vogal. Coetzee, baseando-se em Silva (1997), afirma que a literatura relativa à fonologia do português faialense menciona casos de apagamento; no entanto, apenas Silva (op.cit.) propõe uma quantificação desses dados no VARBRUL (SANKOFF, 1988) a partir de três fatores condicionantes, atribuindo, assim, um padrão para a redução ou apagamento da vogal. São eles: (a) a qualidade da vogal; (b) a sua posição na palavra prosódica e (c) a acentuação da sílaba seguinte (este último é considerado um fator marginal para a avaliação dos dados).

Silva (op.cit.) codifica os dados tendo como base a posição que a vogal, ainda que apagada, ocuparia na palavra prosódica (sílaba final e não-final). Os resultados são os seguintes: (a) para a vogal [ɐ], é favorecida a redução em detrimento do apagamento, seja em posição final, seja em não-final; (b) para [ǝ] e [u], o apagamento é predominante em posição final; e (c) [i] não ocorre em final de palavra prosódica; em posição não-final, [i] comporta-se como [ǝ] e [u] – a redução é mais frequente.

Nesse caso, a frequência é quantificada a partir de condicionamentos fonológicos considerados relevantes fornecidos pelo VARBRUL. O programa calcula o que se denomina frequência relativa dos dados, ou seja, enquanto uma análise pautada na frequência absoluta calcula numericamente uso a uso, a frequência relativa nos revela a porcentagem em que aparece cada vogal sob

53 a perspectiva dos condicionamentos aplicados ao conjunto de dados, como se verifica na tabela abaixo, extraída de Coetzee (op.cit.):

(13)

Tendo, portanto, como base a frequência relativa acerca da variação entre redução e apagamento vocálico no português faialense em (13), Coetzee (op.cit.) propõe uma hierarquia de relevância através da qual possam emergir todas as formas possíveis de uso das vogais, atentando, entretanto, para os casos mais frequentes, que devem ocupar sempre o topo do ranqueamento ordenado harmônico de candidatos, conforme vimos na descrição do funcionamento no ROE31, nas seções anteriores.

Notam-se, a partir do objeto de estudo e da análise de Coetzee (op.cit.), algumas diferenças referentes à sua abordagem e o fenômeno da hipocorização no português brasileiro.

31 Neste trabalho, não se faz necessário detalhar a proposta de análise aplicada às vogais feita por Coetzee (2006), visto que, conforme será discutido mais adiante, há diferenças entre a abordagem do autor e o encaminhamento dado à hipocorização.

54 Em primeiro lugar, deve-se observar que o objeto de estudo de Coetzee (op.cit.) restringe-se à fonologia. Ao tratar do quadro vocálico do português faialense, o autor aborda dois temas atrelados à fonologia – a redução e o apagamento vocálico em posição átona. Nota-se, pois, que seu estudo não requer interação entre níveis da gramática, como é o caso da hipocorização.

Esta, como já mencionado no Capítulo 2, caracteriza-se como um típico fenômeno de interface fonologia-morfologia, posto que a perda de material fonológico da palavra-base é responsável por originar uma nova unidade linguística, na medida em que o hipocorístico veicula uma informação não-disponível no antropônimo – a afetividade. Assim, de ‘Francisco’ para ‘Chíco’, a perda de segmentos fônicos à esquerda da base atribui à forma encurtada um grau de expressividade não transmitido pelo antropônimo propriamente dito;

logo, o uso de hipocorísticos instancia o valor semântico de afetividade, diferentemente do prenome.

Em segundo lugar, na abordagem de Coetzee (op.cit.) sobre as vogais, há condicionamentos fonológicos aplicáveis a todo o conjunto de dados; desse modo, é bastante adequado determinar a frequência com que cada forma aparece e ranqueá-las com base nos resultados obtidos. Já no que se refere à hipocorização, para cada dado é possível ter um único output ótimo ou vários outputs que, por sua vez, podem variar de maneiras diferentes. Por exemplo, para o input ‘Marcelo’, há, em geral, uma única forma de saída – ‘Célo’; já para

‘Cleonice’, podem vir à tona os hipocorísticos ‘Cléo’ e ‘Níce’.

Na análise de Coetzee (op.cit.), uma vogal pode, grosso modo, ser reduzida ou apagada, o que gera, basicamente, duas variáveis possíveis; na hipocorização, um antropônimo pode ter de uma a três variáveis e estas

55 podem, por sua vez, corresponder a dois dos padrões de hipocorização, como em ‘Cristina’, ou até três, como é o caso de ‘Filomena’, que pode gerar as formas ‘Mêna’ (padrão A), ‘Filó’ (padrão B) e ‘Fifí’ e ‘Fí’ (padrão C, que já é, por si só, variável). Desse modo, por se tratar de um conjunto heterogêneo de dados, não há uma fórmula para se atingir a frequência relativa; o que há, na verdade, são observações oriundas de testes e contextos interacionais a partir dos quais podemos determinar uma escala que vai da forma ótima a menos ótima, sem, para tanto, ter de recorrer a valores percentuais exatos, como é o caso do cálculo da frequência relativa.

É claro que, na hipocorização, há várias generalizações que condicionam o processo, como, por exemplo, (a) a estrutura fonológica da palavra-base pode tornar mais suscetível o uso de um padrão em detrimento de outro; e (b) a não-formação de palavras homônimas é fundamental para não romper com a relação de identidade mínima entre input e output. Esses condicionamentos, contudo, vão refletir a construção da hierarquia de relevância para a análise das formas a partir do ROE; dessa maneira, possíveis condicionamentos que estariam vinculados à frequência podem ser transformados em restrições capazes de gerar formas possíveis para cada antropônimo analisado.

Em terceiro e último lugar, deve-se perceber que questões puramente fonológicas podem ser evidenciadas em corpora de língua oral estratificados.

No caso da hipocorização, fenômeno linguístico atrelado à afetividade, não são frequentes hipocorísticos em corpora estratificados, devido às amostras estarem vinculadas a entrevistas semi-ordenadas e ordenadas, o que inviabiliza o aparecimento de dados de fala espontânea, como é o caso da

56 hipocorização, e, portanto, trabalhar com esse tipo de corpus não demonstraria o real uso dos encurtamentos. Assim, as formas hipocorísticas decorrem de usos em contextos vinculados à fala familiar, o que não pode ser obtido em amostras ordenadas: esse tipo de estrutura não aparece no gênero denominado “entrevista sociolinguística”.

Além disso, cumpre salientar que, se fossem utilizadas ferramentas eletrônicas para quantificar ocorrências de tipos de hipocorização, como o Google, por exemplo, a coleta seria prejudicada porque nem sempre ocorrências como ‘Lê’ (para ‘Leandro’) seriam vinculadas a prenomes, o que prejudicaria a fidelidade deste trabalho no que se refere ao uso dos hipocorísticos.

Com base nas divergências existentes entre a proposta fundadora de Coetzee (op.cit.) e a análise da hipocorização, em que medida, então, torna-se pertinente a aplicação do ROE à análise de um fenômeno de interface fonologia-morfologia?

Estamos certos de que o modelo de Coetzee é aplicável ao fenômeno da hipocorização em português. Obviamente, em primeiro lugar, a frequência de uso, no caso da hipocorização, deve ser vista através de dados reais de interação e testes aplicados a falantes (e não através de amostras estratificadas e tratamento por meio de frequência relativa), o que, na verdade, caracteriza graus de aceitabilidade das formas em detrimento daquilo que Coetzee (op.cit.) denomina frequência. E, sendo assim, a preferência por certo padrão de hipocorização reflete a seleção das formas ótimas e, portanto, adotadas pelos falantes.

57 Dessa maneira, sem dúvida, a hipocorização reforça a ideia-base do ROE – há uma tolerância entre formas ótimas e sub-ótimas, de modo que a variação existe porque nem tudo que não é ótimo é descartável. Em outras palavras, a língua varia e, se um processo traz à tona dados de variação, esses devem ser contemplados conforme o uso real dos falantes; logo, há, de fato, formas mais e menos acessadas na língua – isso tanto no se refere à fonologia como aos demais níveis da gramática; basta, para tanto, que o conceito de frequência32 não esteja vinculado, apenas, à quantidade e à estratificação dos dados, mas ao comportamento mais geral das formas linguísticas que falantes utilizam para construir significados.

Assim, substituindo a frequência pelo conceito de aceitabilidade, para o tratamento da hipocorização, adotamos um ranking de aceitabilidade a partir de observações feitas acerca de dados coletados em momentos reais de interação linguística e também oriundos de testes aplicados a informantes.

Antes, entretanto, de tratarmos da metodologia utilizada na análise, detalhamos, a seguir, no Capítulo 4, as análises otimalistas já defendidas acerca da hipocorização para, então, no Capítulo 5, abordar a metodologia utilizada nesta Tese, que, por sua vez, apontará para a redefinição dos tipos de hipocorísticos do português brasileiro. Com isso, evidenciaremos, mais adiante, a aplicação da noção de aceitabilidade e grau de preferência das formas, conforme defendemos anteriormente.

32 É importante destacar que Coetzee (2006) apresenta dados estratificados e distribuídos conforme indicadores fonológicos. Sendo assim, muito embora o autor lance mão da terminologia frequência de uso, na realidade, o que é determinado em seu trabalho são as possibilidades fonológicas de realização das vogais no português falaiense através da quantificação dos dados com base no conceito matemático de frequência relativa, o que, grosso modo, nada mais é do que apresentar as estatísticas dos condicionamentos encontrados.No caso da hipocorização, substituimos a abordagem de Coetzee (op.cit.) pela noção de aceitabilidade das formas encurtadas.

58 4. REVISÃO DAS ABORDAGENS OTIMALISTAS PARA OS PADRÕES DE HIPOCORIZAÇÃO DO PORTUGUÊS

Este capítulo dedica-se a (i) tratar da descrição formal dos quatro padrões de hipocorização tendo como base os instrumentos da Morfologia Prosódica (McCARTHY & PRINCE, 1986) 33; e (ii) apresentar as abordagens de Gonçalves (2004a, 2009), Thami da Silva (2008, 2009) e Lima (2008, 2009) para o tratamento dos padrões de hipocorização a partir da Teoria da Otimalidade (PRINCE & SMOLENSKY, 1993). Para tanto, dividimos esta parte do trabalho em seis seções: primeiro, tornamos a fazer referência aos quatro tipos de hipocorísticos abordados neste trabalho; depois, apresentamos o padrão default de hipocorização, seguido pelos tipos B, C e D, respectivamente; por último, defendemos uma nova proposta de divisão dos hipocorísticos, justificando, assim, o uso do modelo de Coetzee (2006).

No documento Universidade Federal do Rio de Janeiro (páginas 50-58)