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2.4 AS AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL

2.4.1 A diversidade de regimes jurídicos

Não é difícil de perceber o perfil bastante assemelhado que detém a totalidade das agências reguladoras criadas, entre nós, nos últimos quinze anos. Afinal, até mesmo por terem se originado do mesmo projeto de reforma do Estado brasileiro35, refletem, todas elas, idêntica concepção teórica, almejando, ao mesmo tempo, finalidades bem aproximadas36.

35 Faz-se referência, com essa expressão, ao conjunto de reformas econômicas brasileiras que, ao longo da

década de noventa, acarretaram três grandes transformações estruturais, a saber: primeiro, instituiu-se, com a edição da Lei nº 8.031/1990, o Programa Nacional de Privatização, que foi alterado, posteriomente, pela Lei nº 9.491/1997; segundo, extinguiram-se determinadas restrições ao capital estrangeiro (Para tanto, a Emenda Constitucional nº 06, de 15.08.1995, suprimiu o art. 171 e modificou a redação do art. 176; e a Emenda Constitucional nº 07, de 15.08.1995, modificou o art. 178); e terceiro, flexibilizou-se sensivelmente os monopólios estatais (Para tanto, a Emenda Constitucional nº 5, de 15.08.1995, alterou a redação do §2º do art. 25; a Emenda Constitucional nº 8, de 15.08.1995, modificou o texto dos incisos XI e XII do art. 21; e a Emenda Constitucional nº 9, de 09.11.1995, promoveu alterações nos parágrafos do art. 177). O que à época se preconizava, pelo então Governo, para justificar essas transformações, era o de que o modelo de Estado das últimas décadas, devido à forte intervenção que empreendia na economia e aos consideráveis gastos sociais que assumia, seria o agente responsável pela emergência da então crise mundial.

36 Gustavo Binenbojm refere-se às agências reguladoras como legado institucional deixado por essa reforma do

Estado: “A chamada Reforma do Estado, implementada no Brasil a partir de meados da última década do século passado, deixou como legado institucional para o país uma miríade de novas autoridades administrativas dotadas

Nada obstante, é de se reconhecer que tem o estudo comparativo entre elas revelado que inexiste, na verdade, mínima homogeneidade na configuração de seus respectivos regimes jurídicos, fato este decorrente, sobretudo, da variação observada nas diferentes leis específicas, bem como da falta, sempre sentida, de uma legislação geral unificadora. Enfim, é a partir da combinação daquela discrepância com esta lacuna que se tem dado a formação de agências com estruturas, procedimentos e organizações internas completamente distintas.

Essa pluralidade de regimes jurídicos verificada junto às agências, no entanto, faz- se importante mencionar, não constitui uma particularidade brasileira. O mesmo fenômeno, conforme aponta a doutrina37, vem sendo percebido no Direito positivo de diversos outros países, de modo que não há, no mundo, uma disciplina única para esses organismos.

Desta forma, inevitavelmente irá cada agência apresentar, aqui ou alhures, uma configuração própria e inconfundível, cujo conteúdo sempre dependerá do regramento específico que sobre si incidir. No Brasil, somente com acesso à lei responsável por sua criação, enfatize-se, é que se conhecerá, em detalhes, a exata conformação jurídica que veio a mesma a receber.

2.4.2 O caráter autárquico

Afirmar a diversidade de regimes jurídicos, contudo, não significa, jamais, que não se possa apontar a existência de características afins entre as diferentes agências reguladoras introduzidas recentemente entre nós, pois, embora seja verdadeiro que não

de elevado grau de autonomia em relação ao Poder Executivo, denominadas, à moda anglo-saxônica, agências reguladoras independentes” (BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo. Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 42).

37 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p.

adotem todas uma fórmula padrão, afigura-se possível, sim, identificar certa uniformidade no núcleo das funções que lhes compete desempenhar. É isto que observa Carlos Ari Sundfeld ao ponderar que:

As várias agências nem seguiram um modelo comum, nem têm competências sempre comparáveis. Mesmo assim há semelhanças. São entidades com tarefas tipicamente de Estado: editam normas, fiscalizam, aplicam sanções, resolvem disputas entre as empresas, decidem sobre reclamação de consumidores. Gozam de autonomia em relação ao Executivo: seus dirigentes têm mandato e, por isso, não podem ser demitidos livremente pelo Presidente ou Governador; suas decisões não podem ser alteradas pela Administração Central, e assim por diante. Sua tarefa? Ordenar setores básicos da infra-estrutura econômica38.

Um ponto em comum que não pode ser desprezado diz respeito à natureza autárquica de que invariavelmente se revestem as agências reguladoras nacionais. Com efeito, até mesmo porque não poderia ter sido de modo diverso39, constituíram-se todas elas, sem exceção, sob a exclusiva forma de autarquias40, atribuindo-lhes a lei, de diferente, apenas um tratamento que considera “especial” em relação àquele que é normalmente aplicável à generalidade dos entes dessa espécie. Desta forma, resta inequívoco que a todos os variados regimes jurídicos instituídos, nada obstante as peculiaridades que estes assumam, devem ser obrigatoriamente aplicados os princípios e normas – tipicamente de Direito Público - que decorram da conformação das agências como autarquias, o que seguramente também tem o condão de fornecer a seus regimes certo grau de identidade.

38 SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às Agências reguladoras. In: Direito Administrativo Econômico. 1ª ed.

3ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 19.

39 Conforme explica Alexandre Mazza, “as agências possuem natureza jurídica de autarquias, menos porque o

legislador as tenha assim definido, mais em razão de desenvolverem atividades que são próprias do Estado. (...) O conjunto de funções exercidas pelas agências reguladoras pode ser reduzido a três principais: o poder de polícia, o fomento e as atribuições do poder concedente. Justamente por serem próprios do Estado, esses cometimentos estão sujeitos à incidência obrigatória de princípios e normas do Direito Público, de um lado, para munir quem os desempenha de mecanismos específicos viabilizadores da sua boa execução e, de outro, a fim de impor controles adequados à proteção dos indivíduos atingidos por tais ações. Não há hipótese, assim, de desenvolvimento das sobreditas atividades sob regime de Direito Privado” (MAZZA, Alexandre. Agências

Reguladoras. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 83).

De toda sorte, porém, não se mostram essas ponderações suficientes para elidir o que antes se afirmou, de modo que ainda prevalece entre as agências, diante da ausência de uma lei geral sobre sua disciplina legal, uma considerável disparidade no tocante aos seus respectivos regimes jurídicos, cujos contornos têm sido delineados, individual e separadamente, por cada legislação específica41.