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CAPÍTULO 1 INSTITUCIONALIZAÇÃO DE JOVENS EM CENTROS

1.2. Do risco e da delinquência à institucionalização

Na atualidade, os jovens atravessam uma fase de vida marcada por uma grande instabilidade económica, política e social, que por vezes se associa a problemas sociais de natureza diversa. Enquanto conceito socialmente construído, a condição de jovem caracteriza-se como etapa de socialização, refletindo experiências com diversos agentes, entre os quais se salientam a família, os pares, a escola e outras instituições (Pais, 1999). Os problemas sociais que os jovens enfrentam, como por exemplo, problemas com os pais, na escola, com os pares, falta de participação social, influenciam as trajetórias de vida e tendem a colocar em evidência os jovens como agentes com comportamento de risco e de delinquência (Hirschi, 1969; Pais, 2003).

Segundo Manso e Fernandes (2012) os estudos sobre jovens em situação de risco e de delinquência “aparecem historicamente associados às condições socioeconómicas do século XIX e aos fenómenos da industrialização e urbanização das sociedades ocidentais” (p. 5). Na Europa, com os movimentos de emigração, estes comportamentos antissociais ganham relevo nas dinâmicas sociais, particularmente nas grandes cidades (Manso & Fernandes, 2012).

Em Portugal, a problemática dos comportamentos desviantes sob a forma de risco ou de delinquência, tem sido alvo de atenção em estudos sociológicos (e.g., Carvalho, 2005, 2012; Seabra, 2005; Santos et al., 2004, 2010), que referem que a temática da delinquência dos jovens ganhou visibilidade e mediatização na década de 90. Esta temática passou a ser vista como um problema social, no campo do debate da opinião pública, bem como no campo da decisão política e “os contornos da discussão espelham a complexidade e a multidimensionalidade do fenómeno cujo estudo constitui elemento importante na análise das mudanças e dinâmicas sociais num determinado contexto e época” (Carvalho, 2012, p. 23).

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As dinâmicas sociais que se vivenciam, influenciam a biografia e, consequentemente, as trajetórias de vida dos jovens (Delory-Momberger, 2009). Os processos de transição para vida adulta são cada vez mais variáveis, traduzem-se essencialmente no prolongamento da condição de jovens e jovens adultos, aos olhos da sociedade ocidental. Na opinião de Pais (2009), o prolongamento da fase de vida dos jovens caracteriza-se pela crescente reversibilidade dos percursos de vida (abandono/regresso à escola; emprego/desemprego) e inconstância das relações afetivas (casamento/divórcio). Alguns destes percursos são caracterizados por “ritos de impasse”, nos quais os jovens se sujeitam à condição de aceitar viver o presente “menosprezando o futuro; ora tacteando oportunidades, numa lógica dê para o que der e vier” (Pais, 2009, p. 380-381). A aposta em diferentes estratégias para encontrar oportunidades de escape a situações de imprevisibilidade e de impasse são, por vezes, geradoras de comportamentos de risco e tendem a caracterizar os atos de delinquência dos jovens, que, cada vez mais, se manifestam precoces em termos de práticas na criminalidade (Carvalho, 2012).

Perante as alterações nas dinâmicas socias e políticas, consequentemente da condição de ser jovem na sociedade atual, dos contextos em que os jovens se inserem e das dificuldades que enfrentam, a delinquência é um termo que assume um conceito amplo e complexo (Santos et al., 2010). A delinquência dos jovens pode assim ser entendida como variável no espaço e no tempo (Seabra, 2005). Na opinião de Silva e Machado (2012):

(…) a delinquência juvenil é um conceito socialmente construído por referência às normas, valores e representações vigentes na sociedade. Logo, a atribuição do rótulo de delinquente a um indivíduo por parte de outros atores sociais, depende da sociedade em que este se encontra, nomeadamente das representações daquilo que é tido como normativo e desviante. (p. 5)

Os comportamentos de risco ou de delinquência dos jovens são entendidos como um desvio social (Giddens, 2014) na trajetória de vida, na construção e no desenvolvimento da identidade, decorrentes do processo de socialização de transição entre a adolescência e a vida adulta (Dickes & Hausman, 1986, citado por Carvalho, 2003). A trajetória de vida do indivíduo enquanto ser social “é interrompida, a delinquência emerge, particularmente quando a família, a escola e a comunidade falham na sua função ou quando permitem que a pobreza, a ignorância ou o abandono se intrometam no dever de educar adequadamente as crianças” (Ferreira, 1997, p. 914).

21 São vários os fatores que podem levar os jovens a exibirem comportamentos de risco e de delinquência, essencialmente quando as instâncias de controlo social como a família e a escola, são insuficientes ou se demitem da sua atuação. Nas palavras de Ferreira (1997):

A delinquência é vista como uma falta de controlo, uma demissão do mundo adulto das suas responsabilidades em relação à geração mais nova. A falta de acompanhamento e de supervisão ao longo do desenvolvimento infantil e juvenil justifica o aparecimento de comportamentos que muito se afastam daqueles que aos nossos olhos exprimem o conceito ideal de infância e de juventude. O aparente fracasso das estruturas de socialização convencionais e a eclosão de comportamentos desviantes justificam a intervenção de outras instituições de controlo social no processo educativo dos adolescentes e jovens. (p. 913)

A ineficácia das primeiras instâncias de controlo social, como são a família e a escola, perante comportamentos desviantes que envolvem situações de risco ou de delinquência, ditaram a necessidade de (re)ajustar o sistema de justiça juvenil Português com a criação de instituições como os centros educativos.

Reforçando as diretrizes internacionais, surge em 2007 o comentário geral n.º 10 do Comité dos Direitos da Criança, que em matéria de justiça juvenil veio dar enfase ao papel de prevenção da delinquência juvenil, conferindo maior relevo nas medidas socializadoras de integração da criança ou jovem e na promoção do acesso à educação. Nomeadamente, através do apoio ao envolvimento parental na designação e cumprimento das suas responsabilidades enquanto agentes socializadores e educativos. Nesta linha regulamentar, o Parlamento Europeu através da produção da resolução de 21 de Junho de 2007, realça a necessidade de unificação de estratégias de prevenção da delinquência juvenil, quer a nível nacional como europeu, assente em três princípios: prevenção, medidas judiciais e extrajudiciais e inserção social de todos os jovens. Integrada nestes princípios destaca-se a necessidade urgente de dinamizar uma ação educativa integradora e eficaz quer nos planos escolares, sociais e familiares (Bolieiro, 2010).

Ainda no âmbito das diretrizes Europeias, umas das recomendações do Conselho da Europa, designadamente a Recomendação CM/Rec (2008)11 sobre as regras europeias para os jovens infratores sujeitos a sanções ou medidas tutelares, estabelecem que a privação de liberdade na forma da institucionalização em centros educativos, deve ser ponderada e só usada como último recurso. A recomendação refere, ainda, que caso seja

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necessária a medida de internamento em centro educativo, deve salvaguardar o apoio e o envolvimento dos pais ou familiares mais próximos do jovem no seu processo de (re)educação e (re)inserção social (Conselho da Europa, 2013).

De acordo com Manso e Almeida (2010), a delinquência juvenil é a “manifestação de condutas que se afastam e põem em causa a normatividade estabelecida” (p. 24), pelo que qualquer sociedade necessita de controlar e sancionar os comportamentos antissociais (Manso & Almeida, 2012). A institucionalização de jovens em situação de risco ou de delinquência apresenta-se, assim, como resposta jurídica. Em Portugal, sendo o quadro normativo da justiça juvenil delimitado pela LTE, importa de seguida abordá-la.

De acordo com a LTE (Lei nº 166/99 de 14 de Setembro), normativo que vigora e define o quadro legal relativo aos menores, com idades compreendidas entre os 12 e os 16 anos, que pratiquem atos qualificados pela lei como crime, define os centros educativos como estabelecimentos que se destinam à institucionalização de menores sob a execução de medidas tutelares de internamento em regime aberto, semiaberto e fechado (artigo 4º, LTE). As Medidas Tutelares Educativas (MTE), de internamento em centros educativos, designam-se às medidas cautelares de guarda, ao internamento para realização de perícia sobre a personalidade (quando assim é incumbido pela jurisdição de menores), ao cumprimento da detenção e ao internamento em fins de semana (artigo 17.º, 52.º e 54.º, LTE).

Com a entrada em vigor da LTE há a distinção legal entre menores em perigo e menores infratores ou delinquentes. Para os menores infratores ou mesmo delinquentes, que têm comportamentos considerados criminosos, a intervenção tutelar atua nos casos em que o Estado se encontra legitimado para (re)educar o menor, com ou sem aprovação de quem detém o poder paternal, como é o caso da institucionalização por internamento em centro educativo, o que constitui a medida tutelar mais gravosa. Assim, alguns dos pressupostos gerais da aplicação das MTE designadas na LTE são:

1-A prova e prática, por menor entre os 12 e os 16 anos, de um facto qualificado pela lei como crime (artigo 2.º, n.º 3);

2- A necessidade de educação do menor para o direito e a sua inserção de forma digna e responsável na vida em comunidade (artigo 2.º, n.º 1);

23 3- Não ter completado 18 anos até à data da decisão em primeira instância (artigo 28.º, n.º 2, alínea b);

4- Não ter sido aplicada pena de prisão efectiva, em processo penal, por crime praticado por menor com idade compreendida entre os 16 e os 18 anos (artigo 28.º, n.º 2, alínea a);

5- Não sofrer o menor de anomalia psíquica que o impeça de compreender o sentido da intervenção tutelar (artigo 49.º, nº 1).

A LTE tem um conjunto de diferentes MTE, que se dividem em medidas não institucionais e institucionais, sendo as primeiras:

(…) a admoestação; a privação do direito de conduzir ciclomotores ou de obter permissão para conduzir ciclomotores; a reparação ao ofendido; a realização de prestações económicas ou de tarefas a favor da comunidade; a imposição de regras de conduta; a imposição de obrigações; a frequência de programas formativos; o acompanhamento educativo. (artigo 49.º, nº 2)

A medida de internamento em centro educativo aplica-se segundo um dos seguintes regimes de execução: (a) regime aberto; (b) regime semiaberto; (c) regime fechado (artigo 4.º, n.º 3). Quando a MTE é a institucionalização do jovem através do internamento em regime fechado é feita uma perícia sobre a personalidade (artigo 69.º) e os restantes regimes, semiaberto e aberto, é feito um relatório social de avaliação psicológica (artigo 71.º, n.º 5) “que visa auxiliar o juiz no conhecimento da personalidade, da conduta, da inserção económica, educativa e familiar do menor” (Duarte-Fonseca, 2005, p. 397).

No que respeita às medidas institucionais, a LTE define os três tipos de regime de execução de internamento em regime aberto, semiaberto e fechado. Concretamente:

Nos centros educativos de regime aberto os menores residem e são educados no estabelecimento, mas frequentam no exterior, preferencialmente, as actividades escolares, educativas ou de formação, laborais, desportivas e de tempos livres previstas no seu projecto educativo pessoal. Os menores podem ser autorizados a sair sem acompanhamento e a passar períodos de férias ou de fim-de-semana com os pais, representante legal, pessoa que tenha a sua guarda de facto ou outras pessoas idóneas. No desenvolvimento da actividade educativa os centros educativos de regime aberto devem incentivar a colaboração do meio social envolvente, abrindo ao mesmo, tanto quanto possível, as suas próprias estruturas. (artigo 167.º, nº 1, 2 e 3)

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(…) frequentam actividades educativas e de tempos livres no estabelecimento, mas podem ser autorizados a frequentar no exterior actividades escolares, educativas ou de formação, laborais ou desportivas, na medida do que se revele necessário para a execução inicial ou faseada do seu projecto educativo pessoal. As saídas são normalmente acompanhadas por pessoal de intervenção educativa, mas os menores podem ser autorizados a sair sem acompanhamento para a frequência das actividades e a passar períodos de férias com os pais, representante legal, pessoa que tenha a sua guarda de facto ou outras pessoas idóneas. (artigo 168.º, nº 1 e 2)

No regime fechado, sendo este a tipologia de internamento mais restritiva, os menores: (…) residem, são educados e frequentam actividades formativas e de tempos livres exclusivamente dentro do estabelecimento, estando as saídas, sob acompanhamento, estritamente limitadas ao cumprimento de obrigações judiciais, à satisfação de necessidades de saúde ou a outros motivos igualmente ponderosos e excepcionais. (artigo 169.º, nº 1)

Face ao exposto, a LTE estabelece distintos tipos de restrição de liberdade e autonomia, agrupando três regimes de internamento em centros educativos, para jovens que tenham cometido factos qualificados como crime, com diferentes períodos de duração. Assim quanto à duração, para o regime aberto e semiaberto, esta pode oscilar entre os 3 meses e os 2 anos, para o regime fechado varia entre os 6 meses e os 2 anos (artigo 18.º, n.º 1, 2). A medida de internamento em regime fechado:

(…) tem a duração máxima de três anos, quando o menor tiver praticado facto qualificado como crime a que corresponda pena máxima, abstractamente aplicável, de prisão superior a oito anos, ou dois ou mais factos qualificados como crimes contra as pessoas a que corresponda a pena máxima, abstractamente aplicável, de prisão superior a cinco anos. (artigo 18.º, n.º 3).

Contudo, de acordo com a LTE a medida de internamento em regime fechado é aplicável quando se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos:

a) Ter o menor cometido facto qualificado como crime a que corresponda pena máxima, abstractamente aplicável, de prisão superior a cinco anos ou ter cometido dois ou mais factos contra as pessoas qualificados como crimes a que corresponda pena máxima, abstractamente aplicável, de prisão superior a três anos;

b) Ter o menor idade superior a 14 anos à data da aplicação da medida. (artigo17.º, n.º 4).

As finalidades específicas das MTE de internamento, estabelecidas pela LTE em centros educativos, que estabelecem maior ou menor grau de abertura ao meio sociocultural dos jovens têm o propósito de, em colaboração com as famílias e os

25 projetos educativos pessoais de cada jovem, proporcionar a interiorização de competências pessoais e sociais, que permitam ao jovem uma (re)inserção na comunidade de forma responsável (Furtado & Condeço, 2009). Com efeito, o jovem tem como direito, aquando o seu internamento em centro educativo, a: (a) o centro zele pela sua vida, integridade física e saúde; (b) a participação na realização de um Projeto Educativo Pessoal (PEP), o qual tenha em conta as particulares necessidades de formação, em matéria de educação cívica, escolaridade, preparação profissional e ocupação útil dos tempos livres; (c) a frequência da escolaridade obrigatória (artigo171.º, LTE).