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3. NORMA GERAL ANTIELISIVA E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

3.1 Fundamentos da Norma Geral Antielisiva

3.1.2 Doutrina da fraude à lei

A teoria da fraude à lei tributária foi outra construção doutrinária criada com o intuito de fundamentar a exigência de tributo em situações não previstas em lei. É controversa a aplicação desse instituto no ordenamento tributário brasileiro, conforme se verá a seguir.

A fraude à lei é um vício que gera a nulidade do negócio jurídico dele resultante. Entende-se como um comportamento ilícito perante alguma regra jurídica, contrário às suas prescrições, embora aparentemente não o seja. No Direito Civil, esse vício está previsto no inciso VI do artigo 166 do Novo Código Civil, o qual prevê a nulidade do negócio jurídico que “tiver por objetivo fraudar lei imperativa”.

Em outras palavras, o ato em fraude à lei é uma violação indireta da norma, porém não quanto ao seu conteúdo literal, mas quanto à sua essência. O fraudador da lei age ilusoriamente, como se seguisse fielmente seus preceitos, mas na verdade a infringe, frustrando seu escopo jurídico-social.

Importante destacar as palavras de Ivo César Barreto de Carvalho sobre os efeitos e alcance do ato em fraude à lei:

O ato jurídico praticado em fraude à lei contém um defeito por não respeitar a vontade contratual, preocupando-se apenas com sua finalidade. A fraude é um vício que contamina o negócio, culminando com a ilegalidade do fim almejado e, consequentemente, com sua nulidade. O ato praticado com fraude à lei é, na verdade, um ato contra ela. 53

O negócio in fraudem legis infringe a lei indiretamente por meio de atos aparentemente lícitos. “Um comportamento que não contraria nenhum dispositivo expresso de

lei, tomado em sua expressão literal, mas contorna vedação expressa na lei e assim permite que seja alcançado um resultado proibido”.54 O exemplo clássico citado pela doutrina é do caso que, diante da proibição de doação entre cônjuges, estes se divorciam para que, realizada a doação, voltem a casar-se. Analisados separadamente, os atos de divórcio, doação e casamento são válidos, porém sua combinação visou burlar proibição legal, o que acarreta a nulidade do negócio jurídico.

Os reflexos do inciso IV do artigo 166 do Novo Código Civil foram brilhantemente resumidos por Aécio Pereira Júnior:

O agente que age em fraude à lei tributária tem por finalidade justamente dissimular a aplicação da norma tributária de regência (norma contornada), sob o manto da outra norma (norma de cobertura), com o único propósito de não pagar ou pagar a menos o tributo devido. (...)

No tocante a fraude à lei o dispositivo do novo Código Civil que mais traz novidades é o art. 166, inc. IV, que considera, explicitamente, que a fraude à lei também ocorre em se tratando de burla a lei de caráter imperativo, ou seja, aquela que se aplica independentemente da vontade das partes. De suma importância essa alteração, pois descarta a impossibilidade de que ocorra a fraude somente de preceitos proibitivos ou perceptivos. 55

No direito tributário, é possível que se considere como fraude à lei a mera escolha de conduta permitida pelo ordenamento, com o fim de evitar ou reduzir tributo, confundindo- se fraude à lei com a elisão fiscal. Entretanto, os dois institutos não se confundem. A fraude, também conhecida como elusão no campo tributário, é ação ilícita, pois o fraudador realiza seus negócios jurídicos violando regras normativas, pratica ato com intuito mediato de afastar a aplicação de norma proibitiva, pretendendo obter resultado econômico equivalente ao expressamente vedado na lei eludida.

Alfredo Augusto Becker clarifica a questão da fraude à lei:

A fraude, porém, é ilícita, porque o contribuinte ergueu a estrutura jurídica de seus negócios, violando regra jurídica ou desprezando a eficácia jurídica (efeitos) resultante da incidência de regra jurídica sobre sua hipótese de incidência.

Havendo fraude, o que o intérprete deverá observar é que, em virtude daquela violação de regra jurídica ou daquele desprezo de eficácia jurídica, a estrutura erguida pelo contribuinte resultou: ou inexistente ou nula ou anulável ou ineficaz. Portanto, a incidência da regra jurídica tributária (que o intérprete está a constatar) está condicionada ou à inexistência ou à nulidade ou à anulabilidade ou à ineficácia da estrutura fraudulenta. Em cada um destes casos, o intérprete não deverá, simples e

54 MACHADO, Hugo de Brito. Elisão e evasão de tributos. In YAMASHITA, Douglas (Coord.). op. cit., 2007,

p. 240-241.

55 PEREIRA JÚNIOR, Aécio apud PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário

empiricamente, abstrair a estrutura jurídica e se ficar na realidade econômica. Deve o intérprete verificar de que maneira influiu para a incidência ou a não incidência da regra jurídica tributária, aquela inexistência, ou nulidade ou anulabilidade ou ineficácia da estrutura (fato jurídico: atos, fatos ou estados de fatos). 56

A elisão, ao contrário, é perfeitamente lícita, pois sua prática não viola nenhuma norma jurídica: se o ato praticado pelo contribuinte para evitar o pagamento de um tributo foi realizado antes da ocorrência do fato gerador, a obrigação tributária ainda não tinha surgido e, por seu turno, o direito do Fisco de tributar não se concretizou. Logo, não há ilicitude alguma na ação do contribuinte, sendo condenável a pretensão da Administração em abstrair o ato lícito para cobrar tributo quanto aos efeitos econômicos desse ato.

Como visto, evitar a ocorrência de um fato gerador para o não pagamento de um tributo não constitui infração direta ou mesmo fraude a nenhum dispositivo legal da lei tributária, mesmo que a elisão seja fruto do emprego de formas jurídicas não usuais. A aplicação da teoria da fraude à lei no direito tributário exigiria o emprego da analogia para resultar na exigência de tributo não previsto em lei, o que é expressamente vedado pelo parágrafo primeiro do artigo 108 do Código Tributário Nacional.57 Tentar aplicar referida teoria na busca de dificultar os meios de evitar a tributação é ferir os princípios da legalidade e tipicidade e, consequentemente, da segurança jurídica.

A liberdade de escolha entre diferentes formas negociais existentes, ainda que não usuais, para evitar a incidência de tributos deve ser garantida, não podendo ser considerada uma conduta fraudulenta per si, sob pena de serem violados os princípios da legalidade e segurança jurídica, tão caros ao nosso ordenamento.

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