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2 PENSANDO NO PROGRAMA DE TEMPO INTEGRAL A PARTIR DA ESCOLA

2.1.3 Educação em Tempo Integral e a necessidade de um currículo significativo

A amplitude e complexidade do conceito de educação integral permite-nos afirmar que “a educação integral incorpora, mas não se confunde apenas com o horário integral” (PADILHA, 2012, p.190), visto que, na opinião de Paulo Roberto Padilha (2012), há uma associação entre uma concepção de conhecimento e a formação humana, com vistas a garantir o acesso e a permanência da criança na escola buscando uma qualidade sociocultural e socioambiental.

Outro passo importante para a educação integral trata-se da “valorização das redes de aprendizagem, dos múltiplos espaços em que a educação acontece” (PADILHA, 2012, p. 191) – isso pode viabilizar a abertura da escola aos acontecimentos que ocorrem ao seu redor ou mesmo no mundo.

Tratar do atendimento à educação em tempo integral exige fundamentalmente que se coloque em prática um currículo capaz de atender as necessidades para uma formação integral. Contudo, é oportuno entendermos o conceito de currículo, que, na perspectiva de Regina Garcia e Antonio Flávio Moreira (2012), é definido como seleção de conhecimentos, valores e instrumentos da cultura produzidos em contextos e práticas sociais e culturais distintas, com vistas à formação do estudante.

Quanto a isso, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) apontam que o currículo da escola em tempo integral deve ser

concebido como um projeto educativo integrado, deve prever uma jornada escolar de, no mínimo, 7 (sete) horas. A ampliação da jornada poderá ser feita mediante o desenvolvimento de atividades como as de acompanhamento e apoio pedagógico, reforço e aprofundamento da aprendizagem, experimentação e pesquisa científica, cultura e artes, esporte e lazer, tecnologias da comunicação e informação, afirmação da cultura e dos direitos humanos, preservação do meio ambiente, promoção da saúde, entre outras, articuladas aos componentes curriculares e áreas de conhecimentos, bem como as vivências e práticas socioculturais (BRASIL, 2013, p. 125).

Dessa forma, pensar em projeto educativo integrado que vise à educação integral da criança e do adolescente, nas palavras de Padilha (2012, p. 192), “significa, portanto, educar para garantir direitos e contribuir para a formação de todas as formas de inclusão”. Exige-se, portanto, uma organização curricular que atenda a todas essas proposições da educação integral, na tentativa de unir o currículo escolar com a vida dos alunos.

A discussão acerca do currículo, geralmente, remete à complexidade dessa proposta, uma vez que, ao tratar de currículo, automaticamente, se ingressa no campo das decisões entre os conhecimentos que vão ser ou não ensinados, para isso os conhecimentos são selecionados. Os estudos sobre currículo apontam pelo menos três teorias de currículo, quais sejam: as teorias tradicionais, as teorias críticas e as teorias pós-críticas.

As teorias tradicionais de currículo baseiam-se nas concepções de cunho administrativo postuladas por Taylor, sendo que nessa perspectiva administrativa “o currículo transformou a criança no objeto de trabalho da engrenagem burocrática da escola” (FRANCO, 2006, p. 2). Por isso, as teorias tradicionais enfatizam os “seguintes elementos curriculares: ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia, didática, organização, planejamento, eficiência e objetivos” (PADILHA, 2012, p. 192).

Já as teorias críticas têm como precursor o estudioso Michael Apple, que considerava ser essencial questionar a quem se destinava esse conhecimento, fato que demonstrava “sua preocupação com o que deve ser ensinado não apenas como questão educacional, mas, sobretudo, como questão ideológica e política” (FRANCO, 2006, p. 5). Sob a ótica de Paulo Roberto Padilha (2012), essa teoria se caracteriza pela forte preocupação com a ideologia, reprodução cultural e social, poder, classe social, capitalismo, relações sociais de produção, conscientização, emancipação e libertação, currículo oculto e resistência.

Antonio Flávio Moreira (1989) destaca que os estudos de Michael Apple, na fase mais contemporânea de sua produção, possuem alguns pontos a serem observados:

a) a necessidade de se pensar currículo sempre em relação ao contexto social mais amplo; b) a importância de se buscar entender os significados subjacentes à prática curricular; c) a necessidade de se identificar (e eliminar) elementos repressivos porventura presentes nos currículos; d) a possibilidade de uma prática curricular

emancipatória; e) a necessidade de não se dissociar conteúdo de metodologia; f) a necessidade de se planejar o currículo a partir da cultura do aluno; e g) a conveniência de se estabelecer alianças com setores progressistas externos à escola (MOREIRA, 1989, p. 26).

Por fim, nas teorias pós-críticas, que mantêm a concepção de que não há neutralidade em nenhuma teoria, têm como características principais a ênfase de um currículo que leve em consideração “identidade, alteridade, diferença, subjetividade, significação e discurso, saber-poder, representação, cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade e multiculturalismo” (PADILHA, 2012, p. 192). Assim, um currículo pós- crítico deve considerar a identidade da escola, as questões relacionadas diretamente com a vida social e cotidiana das crianças, adolescentes e jovens.

Na perspectiva das teorias críticas e pós-críticas, a complexidade permeia o conceito de currículo, assim como os contextos sociais também apresentam problemas complexos. Logo, é de extrema importância que desafiemos o enfrentamento dos problemas que surgem no nosso cotidiano, pois isso se torna a “práxis de uma educação que se quer transformadora, radicalmente democrática e libertadora da pessoa” (PADILHA, 2012, p. 195).

É esse propósito de currículo que se pretende para a educação emancipadora, um currículo significativo que relacione contextos, complexidades e problemas de ordem prática e social. Para isso, deve-se instituir na escola o que Moll (2011) chama de currículo significativo, que deve fazer sentido e ter relevância para os estudantes, principalmente “porque causam impacto na vida em comunidade ou na vida de toda a cidade” (MOLL, 2011, p. 15).

Partindo dessa proposição de um currículo significativo a ser implementado na educação em tempo integral, é oportuno apresentar a perspectiva curricular intertranscultural apontada por Padilha (2012) como uma das possibilidades para se colocar em prática uma educação na concepção da formação integral. De acordo com Padilha (2012), o currículo intertranscultural

refere-se a processos educativos intencionais, escolares e não escolares, que pretendem contribuir para fundamentar e problematizar programas, projetos e ações que estimulem a realização, em diferentes espaços e tempos, de diálogos interativos e comunicativos entre as aprendizagens que acontecem em todas as modalidades e níveis de ensino (PADILHA, 2012, p. 200).

Na proposição de Padilha (2012, p. 201), um currículo dessa natureza busca superar as dicotomias resultantes “da desinformação, do fundamentalismo de todo tipo, das incertezas ou certezas absolutas no campo das ciências, das artes, da religião, da política”. Isso remete a um currículo para além do proposto, currículo esse pensado em favor de um processo educacional que vise à inclusão social e a formação humana emancipatória para sujeitos que atuam numa dada realidade social.

Esse autor destaca ainda que um currículo dessa natureza deve atender, pelo menos, a três características: (i) apresentar uma visão que se aproxima das ações propostas para o processo educativo, (ii) valorizar o trabalho interdisciplinar e (iii) ter como ponto de partida os coletivos humanos e as relações estabelecidas entre eles e com o mundo no qual vivem. Por partir da realidade dos sujeitos e de suas relações intra e extraescolares, o currículo intertranscultural é a prática curricular que se aproxima das proposições de uma educação integral.

Assim, a educação em tempo integral, visando a uma formação que contemple todas as dimensões humanas exige um projeto educativo atrelado a um currículo significativo capaz de possibilitar todas essas experiências necessárias que subsidiem uma formação para a cidadania e para o protagonismo.

Optamos por esses três eixos para orientarem nossa ida a campo, auxiliando, sobretudo, na definição das questões norteadoras com o intuito de compreender as dificuldades para a implementação da política de tempo integral em uma escola de Manaus. Por conta disso, tanto as observações quanto as entrevistas foram divididas de acordo com eles.

O primeiro eixo, “O direito social à educação e às políticas públicas”, nos traz algumas discussões acerca do direito subjetivo à educação e como a educação em tempo integral se insere nesse debate enquanto uma política pública capaz de garantir esse direito, sendo por isso um dos principais elementos de base para a política de educação em tempo integral. É válido ressaltar que a necessidade em detectarmos a partir desse eixo a percepção dos atores educacionais quanto ao processo para a implantação e implementação da política de tempo integral, analisando, portanto, a mudança educacional e a implementação da educação em tempo integral na escola objeto deste estudo.

Por sua vez, o segundo eixo, “Pensando a Educação Integral e a Educação em Tempo Integral”, nos possibilita perceber como a equipe pedagógica e docente

entende esses conceitos, bem como utilizam as variáveis tempo e espaço na proposição de atividades que auxiliem na formação plena dos alunos matriculados na instituição.

Por fim, o terceiro eixo, “Educação em Tempo Integral e a necessidade de um currículo significativo”, possibilita-nos refletir sobre qual a percepção da equipe em relação à dimensão curricular, visto que se trata de um dos principais elementos para a real aprendizagem dos alunos, auxiliando, portanto, na formação plena desses estudantes.

Desse modo, o percurso metodológico abordado na seção seguinte foi pensado e organizado a partir desses três eixos, estabelecendo preliminarmente os caminhos para a coleta de dados.