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EFEITOS BIOLÓGICOS DAS RADIAÇÕES IONIZANTES DURANTE A GESTAÇÃO

No documento Odontologia: temas relevantes (páginas 69-74)

Pacientes gestantes versus radiologia odontológica:

2 EFEITOS BIOLÓGICOS DAS RADIAÇÕES IONIZANTES DURANTE A GESTAÇÃO

Os efeitos biológicos das radiações ionizantes ocorrem em decor- rência de processos físicos e químicos desencadeados imediatamente após a passagem de radiação através da matéria viva. Esses processos envolvem sucessivas mudanças nos níveis molecular, celular, tecidual e em todo o organismo.10

Efeitos biológicos das radiações ionizantes podem ser medidos pela quebra biomolecular de laços de DNA celular. Em células somáticas (cé- lulas não-germinativas), danos ao DNA podem levar à iniciação ou à pro- moção de formação tumoral, pela destruição de mecanismos regulatórios importantes, codificados no DNA. Em células germinativas, as alterações no DNA podem provocar crescimento e desenvolvimento de defeitos transmitidos aos descendentes.11

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Sendo assim, as radiações ionizantes têm a capacidade de alterar as carac- terísticas físico-químicas das moléculas de um determinado tecido biológico.5

A dose absorvida é o montante de energia que a radiação ionizante transfere para os tecidos por unidade de massa da substância irradiada, independentemente do tipo de radiação ionizante. A unidade de dose absorvida utilizada é o rad, sendo que, no Sistema Internacional, a dose absorvida é medida em Gray (Gy), que equivale a 100 rad.5, 10

Os efeitos biológicos não dependem apenas da dose de radiação absorvida, mas também das características das radiações ionizantes e da sua capacidade de produzir íons e dissipar energia em sua trajetória no meio ou tecido.5

É cientificamente aceito que radiações ionizantes geradas por apare- lhos médicos de raios X para diagnóstico induzem neoplasias através de danos e alterações no DNA celular.11, 12

Apenas uma pequena fração de fótons de raios X conduzirá a mu- danças de DNA, e apenas uma fração dessas mudanças irá levar à forma- ção do câncer. O tempo entre o evento de alteração do DNA e a progres- são para a formação do câncer pode exigir períodos tão longos, como 10 a 20, anos na maioria dos casos.11

No entanto, não há evidências, nem em humanos nem em animais, que exposição à radiação para diagnóstico, com doses menores que 0,5 Gy, estejam associadas a aumento da incidência de malformações congênitas.10

As células com alta taxa de proliferação são mais sensíveis à radia- ção ionizante e estão presentes em tecidos de alta atividade mitótica, ou tecidos denominados de resposta rápida. A radiossensibilidade é inversa- mente proporcional ao grau de diferenciação celular e diretamente pro- porcional ao número de divisões celulares necessárias para que a célula alcance a sua forma madura.5

Diversos estudos epidemiológicos têm demonstrado que a exposi- ção a níveis elevados de radiação ionizante, na gravidez, provoca anomali- as congênitas, tais como retardo do crescimento de órgãos ou retardo mental com ou sem microcefalia10. Alguns estudos epidemiológicos têm

demonstrado que os riscos de danos induzidos pela radiação no feto são superiores aos riscos de danos no adulto.2, 13

A sensibilidade do feto à radiação ionizante depende, principalmente, da dose de radiação absorvida e da idade gestacional. Geralmente, baixas

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doses de radiação absorvida podem provocar dano celular transitório e passível de ser reparado pelo próprio organismo. Por outro lado, altas doses de radiação podem interromper o desenvolvimento e a maturação celular, provocando a morte fetal ou malformações.5, 10, 11

2.1 EFEITOS DETERMINÍSTICOS E ESTOCÁSTICOS

Os efeitos biológicos deletérios da radiação ionizante durante a ges- tação podem ser classificados de acordo a dose de exposição. Há efeitos determinísticos (teratogênicos), que podem ocorrer por exposição à radi- ação nas primeiras 12 semanas de gestação, quando o embrião está na fase de organogênese, sendo esses efeitos relacionados à exposição a altas doses de radiação, como, por exemplo, retardos mental e de crescimento, mor- te ou malformação. E há os efeitos estocásticos (mutagênicos e carcinogênicos), que podem ser induzidos algum tempo após a exposi- ção, quando o embrião é exposto a qualquer dose de radiação, consistin- do de dano ao material nuclear da célula que, induzida pela radiação, pode causar câncer ou mutações que podem ser transmitidas para os des- cendentes de indivíduos expostos.10, 14, 15, 16, 17

Ao contrário dos efeitos determinísticos, há uma dificuldade de se esta- belecer com segurança a relação causal entre o efeito estocástico e a exposição à radiação ionizante, devido à presença de inúmeras variáveis e o longo tempo de latência ao aparecimento do câncer de origem radiogênica.5, 14, 17

O limiar de dose dos efeitos determinísticos é relativamente alto, geralmente acima de 1 Gy. Doses abaixo desse limiar não produzem efei- tos teratogênicos.10

A periodicidade da dose e o período gestacional, no entanto, devem sempre ser considerados, a fim de se avaliar o risco da exposição à radiação.10

2.2 IDADE GESTACIONAL

O desenvolvimento pré-natal pode ser dividido em três fases princi- pais: período de implantação do embrião, organogênese e fetogênese. A sen- sibilidade do feto à radiação ionizante dependerá da idade gestacional.14, 18, 19, 20

O período de implantação do embrião, que ocorre em aproxima- damente duas semanas, iniciado a partir da fertilização até a implantação

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do embrião na parede uterina, caracteriza-se pela fase de intensa multipli- cação celular e corresponde ao período de maior sensibilidade às radiações ionizantes, que podem ocasionar efeitos letais5, 14, 21, 22. No entanto, a ocor-

rência de efeitos teratogênicos e retardos de crescimento é muito impro- vável ou rara14, 23. Quando o número de células do embrião é pequeno,

isto é, na primeira semana após a concepção, o dano a essas células prova- velmente irá resultar em falha de implantação ou morte. Considera-se risco de morte fetal, nesse período, quando a exposição fetal for superior a 10 rad (100 mGy).5

A organogênese, período que se caracteriza pela diferenciação, cres- cimento e formação dos órgãos, estende-se do início da implantação do embrião até o final da oitava semana de gestação. Nessa fase, as radiações ionizantes podem ocasionar retardo do crescimento e efeitos teratogênicos5, 14, 21. A exposição à radiação pode causar malformações, especialmente

nos órgãos em desenvolvimento no momento da exposição.23

No período da organogênese, o embrião é extremamente sensível ao efeito teratogênico das radiações ionizantes, particularmente seu siste- ma nervoso central (SNC), podendo ocorrer, por exemplo, hidrocefalia e microcefalia, embora o período principal de formação do SNC seja entre a 8ª e a 15ª semana de gestação, um período que é muito mais radiossensível. Da 16ª à 25ª semana, há uma redução da radiossensibilidade do SNC e muitos outros órgãos. Após a 25ª semana, o SNC torna-se relativamente radioresistente, sendo altamente improvável a ocorrência de grandes malformações fetais e anomalias funcionais.10

Com relação ao período da fetogênese, que se estende da nona se- mana até o nascimento, ocorre o crescimento e o desenvolvimento dos órgãos e sistemas. Nesse período, permanecem os riscos de retardo men- tal, inibição do crescimento do feto e microcefalia, visto que, após a 32ª semana de gestação, não há riscos significativos ao feto, a não ser um possível aumento do risco de desenvolver uma neoplasia durante a infân- cia ou na maturidade.5, 14, 21

O termo embrião refere-se a fases de crescimento e desenvolvimen- to até a idade em que a maioria dos órgãos do corpo é formada. A Comis- são Internacional de Proteção Radiológica (ICRP) considera que esse pe- ríodo vai até o final da oitava semana posterior à concepção. O período subsequente do desenvolvimento fetal compreende principalmente o cres-

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cimento e a maturação dos órgãos e continua a partir do início da nona semana até o nascimento, na 38ª semana após a concepção.19

Em estudo realizado por Mohammed e Artoli24, pôde-se concluir

que, mesmo com doses baixas de radiação, há evidências de mudanças ultraestruturais permanentes, durante todo o período gestacional.

A frequência de câncer agressivo (que pode levar à morte), induzi- do pela radiação, não parece estar relacionada a nenhum período gestacional, sendo proporcional à média da dose recebida pelo feto no útero.2

O período de máxima vulnerabilidade a retardo mental severo in- duzido pela radiação ionizante é, aproximadamente, da 8ª à 15ª semana após a concepção. Menor vulnerabilidade ocorre da 16ª à 25ª semana após a concepção. Retardo mental severo associado à radiação ionizante, no período antes da 8ª semana e após a 25ª semana após a concepção, é considerado improvável de ocorrer.14

2.3 DOSES DE RADIAÇÃO

Doses de radiação para todos os tecidos, durante o período embri- onário, são equivalentes à incidente nas paredes do útero no qual o em- brião está inserido.19

Exposição à radiação ionizante durante a organogênese pode causar malformações, em um limiar de 0,1 Gy. Microcefalia induzida por radi- ação pode ocorrer em um limiar de 0,5 Gy.4

Na radiologia para diagnóstico, as doses normalmente destinadas ao feto são muito inferiores ao limiar para efeitos determinísticos, como a morte fetal, malformações congênitas graves e dificuldade de aprendiza- gem. Efeitos estocásticos, como a carcinogênese e mudanças genéticas, não têm dose-limite e são julgados em relação à sua incidência natural. Evidências mínimas existem de mudanças genéticas induzidas pela radia- ção nas doses normalmente utilizadas na radiologia para diagnóstico (<0,02 Gy), mas os riscos mais significativos são de indução ao câncer e leucemia. Exposição à radiação pode provocar mudanças genéticas que podem afe- tar negativamente o crescimento celular, a proliferação e a diferenciação.2

A dose de 0,05 Gy é considerada como o limite, abaixo do qual não há danos de efeitos determinísticos, e o risco de efeitos estocásticos é menor que 1%25. No entanto, segundo Geleijns, Broerse e Brugmans17, doses de

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radiação tão baixas quanto 0,01 Gy, recebidas pelo feto no útero, produ- zem um aumento no risco de câncer infantil em 6% por unidade de Gy.

Malformações podem ocorrer acima de um limiar de dose de 0,1 a 0,2 Gy, durante a 8ª e 25ª semana após a concepção. Irradiação pré-natal por volta de 1 Gy, durante a 8ª a 15ª semana de gestação humana, está associada ao aumento da incidência de muitos retardos mentais, assim como redução da inteligência e do nível de desempenho escolar.26

Nas semanas de 8 a15 após a concepção, uma dose fetal de 0,1 Gy pode resultar em uma diminuição significativa do coeficiente de inteli- gência (QI). Exposição durante esse período pode reduzir o QI em cerca de 21 pontos a cada 1 Gy. Durante o mesmo período, doses fetais de cerca de 1 Gy resultam em uma alta probabilidade de retardos mentais severos. Nas semanas de 16 a 25 após a concepção, uma diminuição do QI é detectável em cerca de 13 pontos por 1 Gy. Os efeitos de todas as doses são menos marcantes a partir da 25ª semana após a concepção. A dose limiar de retardo mental para um feto de 8 a 15 semanas é de cerca de 0,06 Gy, e para um feto de 16 a 25 semanas é de cerca de 0,25 Gy.23

Exposição pré-natal à radiação ionizante pode induzir disfunção do sistema neuronal colinérgico, especialmente no hipocampo, resultando em mudanças deletérias na memória e no comportamento.26

O cérebro imaturo, no sistema nervoso central, é sensível à radia- ção ionizante e desenvolve, em um estágio adulto posterior, desordens que incluem retardo mental, deficiência na atenção ou hiperatividade e disfunção cognitiva.27

Segundo estudo de Naumburg e colaboradores28, não há uma as-

sociação significativa entre exposição do feto à radiação e leucemia. A fração de crianças que desenvolve leucemia, cuja possível atribuição é dada a exames diagnósticos por uso de raios X, é pequena, nos dias atuais.28

3 EXAMES RADIOGRÁFICOS NA ODONTOLOGIA

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