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CAPÍTULO 1: A CONSTRUÇÃO DO ESTUDO DE CASO

2.6 EJA – Educação de Jovens e Adultos

Conforme já informado, a modalidade EJA – Educação de Jovens e Adultos não está entre os temas da pesquisa, mas foi considerada como uma modalidade educativa que nos permite acessar um universo muito rico de relações e interações intergeracionais e também um ótimo lugar para aproximar-se de estudantes de diferentes idades e gerações, entrevistá-los e colher suas visões sobre o ser jovem e sobre suas vivências juvenis. Com isso, uma escola de EJA foi escolhida como ponto inicial da cartografia juvenil que nos propusemos construir neste estudo.

Porém, uma vez decidido o lugar de observação e seleção dos sujeitos da pesquisa, algumas breves considerações sobre essa modalidade fazem-se necessárias para situar o contexto e os sujeitos da pesquisa, bem como as implicações dessa escolha para a construção do estudo de caso e nos resultados obtidos por essa escolha.

Desse modo, dois aspectos precisaram ser destacados. O primeiro diz respeito à origem e organização dessa modalidade e seus objetivos. Por esse esclarecimento pretende-se mostrar como o cenário inicial da pesquisa foi construído e em que bases ocorrem as relações e interações entre jovens, adultos e idosos, na modalidade EJA.

O segundo aspecto é relativo aos sujeitos jovens, adultos e idosos que estudam na modalidade EJA. Quem são? Por que estudam nessa modalidade e não nas escolas “regulares” de ensino médio? E, principalmente, que características desses sujeitos dizem respeito aos propósitos de uma cartografia juvenil que se propôs a mapear mudanças e permanências nos modos e territórios juvenis em diferentes gerações?

Com relação ao primeiro aspecto, dialogando com Di Pierro (2005), Vera Masagão Ribeiro (1997) e Oliveira (1999)podemos situar a educação de jovens adultos no fluxo dos acontecimentos vividos pela sociedade brasileira nas décadas de 30 e 40 do século XX com a consolidação do sistema de educação pública elementar e a implementação das primeiras políticas públicas nacionais de educação escolar para adultos, que disseminaram campanhas de alfabetização em massa pelo território brasileiro.

Por esses estudos, compreende-se que em seu contexto inicial o jovem não era “alvo” ou preocupação da ação educativa, mas sim o “adulto analfabeto”, posto que o analfabetismo era visto como entrave ao desenvolvimento econômico e sociocultural da nação e não como seu resultado. A função da educação dos adultos era preponderantemente erradicar o analfabetismo para superar esta condição de sociedade atrasada.

As leituras realizadas indicam que as primeiras críticas a essas campanhas de alfabetização em massa, surgem ainda no final da década de 1950. Baseando-se no pensamento do Educador Paulo Freire, ocorrem pelo país vários movimentos de educação e cultura popular ligados a organizações sociais, à Igreja Católica e a governos que levam. Neste contexto desenvolvem-se diferentes experiências de alfabetização de adultos com objetivos mais amplos como “ conscientizar os participantes de seus direitos, analisar criticamente a realidade e nela intervir para transformar as estruturas sociais compreendidas como “ injustas”. (DI PIERRO 2005,p.1).

Estes movimentos imprimem uma nova visão sobre a relação entre o analfabetismo e a questão social. Neste, o analfabetismo deixa de ser visto como o culpado pelo atraso da nação, e passa a ser considerado como um efeito da situação de pobreza gerada por uma estrutura social não igualitária. Neste contexto, a visão sobre a função da educação de adultos muda de perspectiva, passando a ser concebida como uma forma de intervenção na estrutura social que produzia o analfabetismo.

Nessa perspectiva propunha-se que as relações pedagógicas desenvolvidas na educação de adultos fossem permeadas por um forte componente ético e por um profundo comprometimento do educador com os educandos, compreendidos como homens e mulheres produtivos, portadores e produtores de cultura. Pela concepção Freiriana do educando como “sujeito de sua aprendizagem”, propunha-se uma ação educativa que não negasse a sua cultura, mas, ao contrário que a fosse transformando através do diálogo. Deste modo, defendia-se que os processos pedagógicos desenvolvidos na alfabetização de adultos o fossem a partir de um exame crítico da realidade existencial dos educandos e que as ações educativas partissem da identificação da origem dos problemas concretos das vivências dos educandos e da busca por caminhos e possibilidades de superação dos mesmos.

Com o golpe militar de 1964, tem-se um novo cenário. Os programas de alfabetização e educação popular passam a ser vistos como uma grande ameaça à ordem e a seus promotores são duramente perseguidos. Na década de 70, o governo militar estabelece uma reforma educacional que atribui ao sistema educacional o papel de atender as demandas de recursos humanos de um modelo concentrador de riqueza. Por esta regulamentação estabelece-se a modalidade intitulada “ensino supletivo” como a responsável pela “reposição” da escolaridade aos que não a puderam cursar na época considerada correta (infância e na adolescência).

Por meio da Lei 5.692 de 1971 institui-se a Educação básica para jovens e adultos e implanta-se o MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização. Essa nova modalidade de ensino, de acordo com Ribeiro (1997) , apropriou-se de algumas metodologias e ideias da educação popular, mas esvaziando do sentido crítico. Para Di Pierro (2005) essa modalidade atendeu ao apelo modernizador da educação à distância, aderindo aos preceitos tecnicistas da individualização da aprendizagem e da instrução programada, fundamentos da difusão de educação não presencial em centros de estudos e telecursos. Tendo estes últimos se somados aos cursos presenciais configurando um subsistema de ensino supletivo em expansão.

Nos anos 1980 um novo cenário: Considerando-se os estudo de V.M.M. Ribeiro (1997) “o movimento de educação popular” não desaparece sob a ditadura. Alguns grupos ligados à educação popular continuaram a realizar experiências pequenas e isoladas de alfabetização de adultos com uma visão mais crítica, vinculados aos postulados de Paulo Freire, paralelamente ao movimento oficial. Deste modo, com a emergência dos movimentos sociais, o fim da ditadura na década de 1980, e a extinção

do MOBRAL em 1985, a Fundação Educar – nova instituição responsável pela educação de adultos - passa a apoiar financeira e tecnicamente os programas desenvolvidos por governos, entidades civis e empresas conveniadas. Neste contexto, estas pequenas experiências vão se ampliando, construindo canais de trocas de experiências, reflexão e articulação.

V.M.M. Ribeiro (1997) avalia que da década de 1980 para os tempos atuais houve um avanço na educação de adultos, considerando-se alguns indicadores: Como principal critério avalia como positiva a visão dos novos programas de alfabetização que entendem que este processo exige um certo grau de acompanhamento e continuidade, prevendo assim um tempo maior para esta modalidade de ensino; E, depois: a maior preocupação com a educação matemática; a incorporação da cultura e da realidade vivencial como conteúdos ou ponto de partida da prática educativa; o caráter crítico, problematizador e criativo que se deseja imprimir à educação de jovens e adultos; e por último: as novas perspectivas na aprendizagem da leitura e na escrita.

A autora argumenta ainda que a Constituição Federal de 1988 estendeu o direito ao ensino fundamental aos cidadãos de todas as faixas etárias, o que teria estabelecido para os que se ocupam da educação de adultos o imperativo de ampliar as oportunidades educacionais para aqueles que já ultrapassaram a idade de escolarização regular. Além da extensão, ela defende que a qualificação pedagógica de programas de educação de jovens e adultos tornou-se uma exigência de justiça social, para que a ampliação das oportunidades educacionais não seja reduzida a uma ilusão e a escolarização tardia de milhares de cidadãos não se configure como mais uma experiência de fracasso e exclusão. (RIBEIRO, 1997,P.14)

O cenário atual: Di Pietro (2005) considera que o final do regime militar e a retomada das eleições diretas nas capitais em meados dos anos de 1980 propiciaram uma ruptura dos sistemas de ensino público com o paradigma compensatório do ensino supletivo e em diálogo com os movimentos de educação popular, desenvolvessem experiências inovadoras de alfabetização e escolarização de jovens e adultos.

Mas em sua avaliação todo o movimento de renovação pedagógica repercutiu pouco nas redes estaduais de ensino que se mantiveram presos ao paradigma compensatório. Para ela, o paradigma compensatório ainda impregna a cultura escolar brasileira, mesmo passado mais de três décadas e mesmo considerando a promulgação em 1996 da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB.

Este paradigma, em sua concepção teria enclausurado a escola para jovens e adultos “em rígidas referências curriculares e metodológicas do tempo e espaço da escola de crianças e adolescentes”, e obstacularizado a “flexibilização da organização escolar necessária ao atendimento das especificidades desse grupo sociocultural”. E, ainda hoje, direcionaria o olhar dos educadores e gestores “para a falta de experiência e conhecimento escolar dos jovens e adultos”, nutriria “visões preconceituosas que os levariam a subestimar os educandos” e ainda, “dificultaria uma valorização da cultura popular e o reconhecimento dos conhecimentos adquiridos pelos educandos no convívio social e no trabalho”. (DI PIERRO, 2005,p.2)

Como caminho para retirar a Educação de jovens e adultos do peso da cultura da política compensatória Di Pierro retoma a V Conferência Internacional de Educação de Jovens e Adultos, realizada em Hamburgo no ano de 1997. Nesta conferencia estruturou-se uma visão mais contemporânea da função social desta modalidade educativa ao proclamar o direito de todos à educação continuada ao longo da vida. Para Di Pierro esta perspectiva da EJA como educação continuada, traz a possibilidade de retirá-la e também e principalmente os sujeitos que nela se inserem, de uma perspectiva de política compensatória para uma política de direito à educação “regular”, geralmente atribuídas somente às crianças e adolescentes. Neste sentido, os educandos da EJA passam a ser compreendidos não mais pela falta de uma educação realizada no tempo certo, mas na condição de sujeitos que em todo e qualquer momento/ciclo de sua vida têm o direito e estão aptos a aprender.

Concluindo, a modalidade EJA foi organizada, estruturada como uma política compensatória para alfabetizar e posteriormente possibilitar a conclusão da escolaridade de sujeitos que, por diferentes causas, mas via de regra pelas condições sociais e econômicas, não puderam realizar a escolarização básica e média na época da infância e juventude, épocas consideradas próprias para tal.

Em segundo lugar, a escola de EJA foi primeiramente uma escola estruturada para o público adulto. A entrada dos jovens foi bem posterior e trouxe sérias questões para sua organização e funcionamento. Atualmente, uma das maiores queixas na formação de educadores com que trabalho, que estão na modalidade EJA, recaem sobre a heterogeneidade do público atual de EJA e as “complicações advindas da entrada em números crescentes de uma população adolescente (considerando os primeiros anos da juventude – 15 a 18 anos) e de jovens”.

Agora o segundo aspecto: Quem são os estudantes, jovens, adultos e idosos, da modalidade EJA?

Considerando-se os estudos de Oliveira (1999), o tema da educação de jovens e adultos não diz respeito apenas à questão etária, mas, trata-se sobretudo, de uma “especificidade cultural”, uma vez que se trata de “um território” de jovens e adultos, mas não de jovens ou adultos quaisquer. Primeiramente, conforme a autora (e pode ser observado quando se adentra uma escola de EJA), o adulto para a educação de jovens e adultos é geralmente “o migrante que chega às grandes metrópoles proveniente de áreas rurais empobrecidas, filho de trabalhadores rurais não qualificados e com baixo nível de instrução escolar”. Em relação ao adulto “tradicional” na EJA é aquele que apresenta uma experiência escolar mais curta, geralmente com histórico de atividades urbanas não qualificadas ou ainda, com histórico de trabalho rural na infância e/ou adolescência. Quanto ao perfil do jovem que recentemente tem lugar na EJA, não é, geralmente, “aquele com história de escolaridade regular, o vestibulando ou aluno de cursos extracurriculares, em busca de enriquecimento cultural”, mas como o adulto descrito acima, “é também um excluído da escola, porém, em cursos supletivos em fases mais adiantadas da escolaridade”. É alguém mais “ligado ao mundo urbano, envolvido em atividades de trabalho ou lazer mais relacionadas com a sociedade letrada, escolarizada e urbanizada” (OLIVEIRA, 1999, p. 1). A pesquisa ora realizada evidenciou um público de EJA mais plural e complexo do que o apresentado acima por Oliveira, talvez por concentrar-se no nível do ensino médio. No universo desta pesquisa identificamos, estudando junto com os estudantes com os perfis acima citados, outros, já com história de percursos escolares mais amplos, vivências mais urbanas e mesmo oriundos de camadas médias da sociedade. Evidenciou-se um grande número de estudantes jovens oriundos de escolas públicas e particulares que vinham apenas completar os estudos, devido a alguma reprovação, estudantes jovens que apresentavam uma trajetória escolar pontuada por entradas e saídas, mas com grande vivência e escolarização, convivendo com estudantes cujo perfil é o mesmo descrito por Oliveira (1999).

Outro aspecto que esta pesquisa evidenciou sobre os estudantes de EJA é que muitos deles relacionam a pouca escolaridade, além da migração e do trabalho desde a infância, a trajetórias individuais e familiares marcadas por perdas, relatos de traumas, sofrimentos e mesmo violência doméstica nas fases da infância e da adolescência.

Todos esses elementos juntos trouxeram grande especificidade à cartografia juvenil que apresentamos neste estudo.

Essa especificidade talvez tenha sido, de um lado, sua maior fraqueza, tendo em vista a falta de estudos no campo da juventude que tratassem do universo sociocultural desse público-alvo em outras temporalidades, já que havia poucos autores com quem dialogar e comparar os achados do campo, o que tornou mais densas as análises. Mas, por outro, talvez esteja aí sua maior riqueza, pelo fato de apresentar vivências e experiências juvenis que não são, geralmente, encontradas nos estudos sobre esse segmento.

CAPÍTULO 3: RELAÇÕES INTERGERACIONAIS NO ENSINO

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