PARTE II Revisão Bibliográfica
3.6. Debates sobre Avaliação
3.6.4. Enfim como se dá o modelo CAPES de avaliação?
Bosi (2007, pp. 1515-1516) descreve como a intensificação do trabalho docente é traduzido em números que estruturam as diversas avaliações ditas institucionais. A produção docente tem sido mensurada, tipificada e classificada por critérios quantitativos. Os programas e cursos de pós-graduação em funcionamento têm sido classificados em conceitos de 3 a 7. Os artigos científicos são valorizados de acordo com o periódico que o veicula, isto é, caso esteja indexado pelo “Qualis/CAPES” (indexador nacional oficial que classifica os periódicos em oito níveis). O próprio docente é “valorizado” se está inserido na pós-graduação, pelo número de orientações, artigos e livros publicados e, principalmente, pela “bolsa produtividade em pesquisa” que consegue “por méritos próprios”. De fato, esse sistema opera uma diferenciação entre os docentes (levando-os à competição entre si) de maneira a estimular a formação de uma “elite” definida como tal pelo desempenho conseguido nos editais de pesquisa e nas bolsas recebidas, nos artigos publicados, enfim, pela pontuação atingida no escore da produtividade acadêmica. “O modelo CAPES de avaliação (...) não considera o processo, as aulas, a orientação, e muito mais o resultado final” (EVS6, 2015).
Importante abrir um parêntesis e recordar o fato de que a competitividade se dá em face também da crescente competição por publicação em periódicos de alto nível (onde não há espaço para os textos de todos os professores) e por financiamento, este sempre abaixo da demanda (SGUISSARD, 2009, p. 43).
É habitual que se nomeie de “produção” a quantidade de artigos que os professores escrevem e submetem para avaliação. Segundo Schmidt (2011, p. 318), dizer produtos ou produções para designar o que se faz é um potente indicador do espaço exíguo, dentro deste sistema de avaliação, de se utilizar outra linguagem que não a da quantificação.
76 Tourinho e Palha (2014, p. 278) também julgam a avaliação da CAPES como quantitativa. O tecnicismo do atual modelo de avaliação da CAPES e do MEC é parte de uma burocracia. Ademais, o procedimento tem se revelado mais classificatório que avaliativo, mais competitivo que cooperativo e, nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), tem sido um critério para a distribuição de bolsas por parte da CAPES e do CNPq. Outra consideração pertinente é o fato de o modelo não levar em consideração o impacto social dos programas, a inserção social e a relevância do Curso não mereceram mais do que pífios 10% atribuídos ao fator no conjunto dos valores, sendo ainda medido por meio do primado da subjetividade com expressões do tipo “satisfatoriamente”, “plenamente”, de “modo regular” (importante ainda reforçar que o motivo de tal valoração é por vezes não explicada), ao contrário dos demais fatores, todos mensurados quantitativamente. Os autores alegam ainda que a CAPES acaba por interferir na autonomia dos Programas, como, por exemplo, decidindo o tempo médio para conclusão dos cursos. Por exemplo, segundo Bianchettie Valle (2014, p. 91), os cursos, os pesquisadores-docentes e a própria qualidade da produção do conhecimento tem sido afetados através de mudanças ocorridas na redução do tempo para conclusão das dissertações e teses (de quatro e seis anos para dois e quatro anos, respectivamente).
O ideário produtivista é indissociável da racionalidade e consequentemente gera a “coisificação” do trabalho acadêmico e de seus atores (SCHMIDT, 2011, p. 327). Schmidt (IBID., p. 319) reconhece que a ancoragem da avaliação CAPES é hoje quantitativa: “O paradigma objetivo e matemático, que serviu e serve ao progresso das ciências e tecnologias instrumentais, é o mesmo que sustenta o modelo de avaliação” (IBID., p. 327). Ela conclui que a quantificação enseja problemas, pois acarreta um espírito de avaliação mais vigilante do que crítico (IBID., p. 319).
Este modelo produtivista é típico das empresas capitalistas: “É um processo o qual eu diria que a pontuação é típica de grandes organizações” (EFB1, 2015).
Para Sguissardi (2006, p. 68), a CAPES estrutura os cursos, delimita seus tempos de duração, uniformiza os programas. O problema é que “se a moldura é única, cedo ou tarde haverá um único modelo ou formato de programa. E isto parece estar na contramão da diversidade e da própria concepção de universidade, que deriva de universal e não de
único”. Um dos entrevistados também corrobora o autor:
O modelo CAPES de avaliação é uniformizante. Não é só homogeneizador. Ele está uniformizando todos os programas de pós-graduação. Contrariando o espírito e os princípios que orientam o parecer do Conselho Federal de Educação
77 que instituiu a pós-graduação no Brasil em 1965. Neste parecer se diz claramente que a pós-graduação deveria ser muito flexível na organização dos programas. Os programas não tinham que ser todos iguais. Deveria haver uma criatividade, uma flexibilidade na pós-graduação muito maior, indiferentemente do que ocorre na graduação que tem currículos mínimos, que tem currículos mais ou menos relacionais, enfim. Cada universidade, cada centro de pós-graduação, deveria ter certa autonomia para criar seu roteiro próprio. Com o modelo CAPES de avaliação, a tendência é se criar um único padrão de programa em que se valorizam as mesmas coisas, os mesmos quesitos, de 7 a 8 quesitos - todos são os mesmos para todas as áreas. Isso vai produzir necessariamente a uniformização dos programas. O programa de ciências, de física, ou de engenharia, ou de medicina tem um padrão por onde tem que passar a produção, o processo todo, idêntico. Isto eu acho lamentável... que a gente, depois de um processo de abertura, agora nos últimos anos, desde 97-98, tenha se criado um modelo que vai conduzindo a uniformização da pós-graduação (EVS6, 2015).
Um docente de História ao responder o questionário corrobora o autor dizendo que a avaliação hoje homogeneíza o ambiente de construção de conhecimento de modo que não favorece a inovação, e completa: “os padrões afirmam um perfil estandartizado, homogêneo. A diversidade de propósitos e perfis deveria ser valorizada”.
Segundo a Schmidt (2011, p. 328), há ainda um problema ético, pois esse sistema permite, por exemplo, ao parecerista de uma agência de fomento (que pode ser de qualquer área de pesquisa), concluir que a produção de um colega não é adequada ou suficiente para obter o auxílio pleiteado, sem que esse parecerista tenha lido sequer uma linha das publicações do professor-pesquisador em julgamento. Ele decide isto apenas se baseando no quanto e onde ele publicou e comparando com a média da área.
Kastrup (2010, p. 172) apud Schmidt (2011, p. 329) considera ainda o dilema gerado no mundo intelectual por pesquisas sem qualidade. Conforme a autora, revisores e pareceristas de periódicos recebem, cada vez mais, um grande número de artigos que parecem inacabados, com conclusões pouco amadurecidas e resultados desmembrados em mais de um texto (com o objetivo mesmo de que seja mais de um texto, visando aparentar- se “produtivo”). Recebem também muitos artigos sem relevância e sem qualquer contribuição inovadora. “Publica-se por publicar, porque é preciso bater uma meta, porque é imperativo, mesmo que não se tenha nada de relevante a dizer”(IBIDEM).
O produtivismo está intimamente relacionado com o processo avaliatório da CAPES como um todo (PATRUS et al., 2015, p. 13). Isto posto, verifica-se dentre tantos dilemas, “a necessidade de se rever a lógica do modelo CAPES de avaliação e a pretensa objetividade que ele quer garantir, particularmente, no que se refere ao processo de avaliação da produção acadêmica” (IBIDEM). “Resta pensar alternativas para o problema do produtivismo e sua relação com o modelo de avaliação” (IBID., p. 14).
78