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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 Os principais enfoques teóricos sobre gestão de pessoas

2.2.2 O enfoque estratégico

O enfoque estratégico surgiu na literatura específica no início dos anos 80 do século XX, à medida que se difundiam as formulações teóricas das chamadas escolas do pensamento estratégico e se consolidavam os conceitos de estratégia8 e de administração e/ou gestão estratégica (MINTZBERG, 2004; PORTER, 1985 e 1986; STEINER, 1979; ANSOFF, 1977; CHANDLER, 1976; ACKOFF, 1975).

A gestão estratégica, segundo Hyden (1986), implica a formulação e monitoramento de estratégias e objetivos que assegurem vantagem competitiva, tomando-se por base a análise do ambiente e a identificação das ameaças e oportunidades. Todas as funções organizacionais devem se envolver tanto na formulação quanto na implementação e monitoramento do processo estratégico, para assegurar à empresa senso de direção, continuidade no longo prazo, flexibilidade e agilidade no dia a dia.

O uso desse conceito foi rápida e amplamente difundido no universo corporativo. Quanto à gestão de pessoas, a necessidade de vinculação à estratégia de negócios da organização foi, inicialmente, apontada por pesquisadores da Universidade de Michigan, ao apregoarem que a estratégia de recursos humanos deve derivar das políticas e estratégias empresariais. Os

8 O conceito de estratégia é apresentado pelos autores de maneira variada na literatura especializada. Porter

(1986, p. 16) define estratégia como uma combinação de fins – metas – que a organização busca e dos meios – políticas – que a empresa utiliza para cumprir sua missão. A formulação e implementação da estratégia exigem o desenvolvimento de uma fórmula ampla, que abrange o modelo de competição da empresa, a definição de quais devem ser suas metas e quais as políticas necessárias para viabilizar essas metas. As organizações devem traçar suas estratégias a partir da análise externa – do setor ou da indústria – e da análise interna – do ambiente organizacional. Ao sintetizar os conceitos introduzidos por diferentes autores, Albuquerque (2002, p. 38) define estratégia como sendo “a formulação da missão e dos objetivos da organização, bem como de políticas e planos de ação para alcançá-los, considerando os impactos das forças do ambiente e a competição”. Grosso modo, pode-se dizer que os principais autores consideram estratégia como a forma de pensar o futuro da empresa, a partir de um processo decisório formalizado e articulado, que leve em conta as variáveis ambientais (internas e externas), para se obter resultados numa perspectiva de longo prazo (TEIXEIRA et al., 2005).

planos da área de RH deveriam estar orientados para a administração das funções de seleção, avaliação, remuneração e desenvolvimento. Nessa abordagem, o papel da área de RH se resumiria a adaptar-se à estratégia de negócios da empresa, não se levando em conta a possibilidade de envolvimento e intervenção na sua formulação (FISCHER, 2002; FOMBRUN, et al., 1984).

Posteriormente, pesquisadores da Harvard Business School pontuaram que, além de adaptar- se às estratégias de negócios, a ARH deveria, também, participar delas e influenciar o processo de planejamento estratégico da empresa. Para tanto, as políticas e práticas de RH deveriam ser definidas em função das seguintes áreas de atuação: influência dos empregados (participação); processos de RH (recrutamento, desenvolvimento, utilização e demissão); sistema de recompensas (incentivos e compensação); e os sistemas de trabalho – organização do trabalho (FISCHER, 2002; BEER et al., 1984).

De acordo com a abordagem dessa escola, essas áreas sofrem a influência dos interesses dos

stakeholders (acionistas, empregados, sindicatos, comunidade e governo) e das pressões

situacionais (estratégias de negócios, modelo de gestão, mercado de trabalho, características da força de trabalho, etc.). Logo, as decisões da área RH devem apoiar-se nesses fatores, e os seus processos e funções devem operar de forma integrada, entre si e com a estratégia de negócios da empresa (FISCHER, 2002; BEER et al., 1984).

A emergência dessas duas abordagens fez o enfoque estratégico ganhar ímpeto na Teoria das Organizações, e cresceu a produção teórica sobre o assunto. Anthony et al. (1996) ressaltam que a gestão de pessoas assume um caráter estratégico quando: reconhece explicitamente os impactos do ambiente organizacional externo, da competição e da dinâmica do mercado de trabalho; apresenta foco a longo prazo; enfatiza a escolha e a tomada de decisão; orienta suas ações para todos os funcionários da empresa e não somente para determinados grupos ocupacionais; e integra a estratégia de gestão de pessoas com a estratégia corporativa e demais estratégias funcionais.

Nessa mesma direção, Becker et al. (2001) apontam que o caráter estratégico da gestão de pessoas pressupõe o alinhamento de RH com a estratégia maior da empresa, em termos de missão, visão, estratégias, objetivos e planos. Se o foco da estratégia corporativa consiste em dar sentido de direção a longo prazo, para criar vantagem competitiva para a organização, o

da estratégia de recursos humanos deve ser igualmente nítido e consiste em maximizar a contribuição da área para o mesmo objetivo, asseguram esses autores. Nesse sentido, a gestão de pessoas deixa de ocupar uma posição secundária em relação às decisões estratégicas da empresa.

Na perspectiva da administração estratégica de recursos humanos, as pessoas passam a ser consideradas e tratadas como importantes fontes de vantagem competitiva e, por isso, mudam, radicalmente, as estratégias que orientam o relacionamento entre a empresa e seus empregados (ALBUQUERQUE, 2002; STOREY, 2001; FISCHER, 1998).

A esse respeito, Albuquerque (2002, p.39) postula que é preciso transitar do modelo do controle para o modelo do comprometimento. Enquanto na estratégia de gestão de pessoas baseada no controle, os empregados são tratados como “números, custos e fator de produção” e para desempenhar bem suas funções precisam ser “mandados e controlados”, na estratégia baseada no comprometimento, “as pessoas são consideradas parceiros no trabalho, nos quais a empresa deve investir para conseguir melhores resultados empresariais”. O autor acrescenta que essas duas estratégias possuem características distintas quanto aos modelos de estrutura organizacional, de organização do trabalho, de relações de trabalho e, também, quanto às políticas e práticas de RH.

Vários estudos demonstram a eficácia da estratégia de comprometimento quando comparada à de controle. Arthur (1994) realizou uma pesquisa em empresas americanas (30 miniusinas de aço) para investigar o efeito das práticas de RH sobre o turnover e o desempenho operacional, quando se consideram essas duas estratégias. Observou que as empresas que pautavam as políticas e práticas de gestão de pessoas segundo a lógica do comprometimento (incentivo à participação, descentralização, incentivo ao treinamento, melhores salários, etc.) apresentavam menor turnover e melhor desempenho operacional.

Lawler et al. (1995), em estudo sobre empresas posicionadas entre as mil maiores dos Estados Unidos, segundo a revista Fortune, chegaram a conclusões semelhantes. Os autores dividiram as empresas em duas categorias: as que adotavam práticas de alto envolvimento dos empregados (e gestão da qualidade total) e as que não adotavam essas práticas. Quando confrontado o desempenho financeiro dos dois grupos, avaliado a partir de indicadores

padronizados, observaram que o primeiro grupo de empresas apresentava resultados significativamente superiores em relação ao segundo.

Portanto, atribuir um caráter estratégico às pessoas e a sua gestão tem impacto positivo nos resultados empresariais. Porém, a implantação do modelo de gestão estratégica de pessoas exige um complexo processo de discussão e reflexão sobre as estratégias de negócios da empresa. Além disso, demanda a criação de uma infraestrutura gerencial que possibilite o direcionamento das políticas e práticas de RH para os objetivos estratégicos, o envolvimento dos profissionais de RH e das lideranças na elaboração, implementação e difusão da estratégia corporativa.

Os serviços básicos como recrutamento, seleção, incentivos, recompensas, avaliação e desenvolvimento devem ser executados de modo a respaldar diretamente a implementação da estratégia corporativa. A área de RH tem sua abrangência ampliada, que passa a se envolver, também, com questões relacionadas ao desenho do trabalho e a atribuir maior ênfase ao papel das lideranças, gerenciamento dos comportamentos, grau de autonomia e obtenção do comprometimento dos empregados com as estratégias da empresa (LACOMBE, 2005; ALBUQUERQUE, 2002; STOREY, 2001; BECKER et. al., 2001).

Storey (1989) aponta que a gestão estratégica de recursos humanos vem sendo utilizada sob duas versões: a hard e a soft. A primeira define uma forma mais racional de gerir pessoas, em que os aspectos quantitativos são enfatizados na formulação da estratégia de RH. A segunda incorpora e prioriza aspectos qualitativos tais como: comunicação, motivação, satisfação das necessidades, liderança e comprometimento dos empregados com os objetivos estratégicos da empresa. Para o autor, a formulação da estratégia de RH, com esse propósito, deve preceder a definição das demais estratégias organizacionais.

Em suma, o enfoque estratégico enfatiza o alinhamento da estratégia de gestão de pessoas à estratégia organizacional – alinhamento externo ou integração vertical – e a integração entre as funções que compõem a área de RH, que devem trabalhar em sintonia para evitar conflitos – alinhamento interno ou integração horizontal –, o que facilita o processo de ajuste da empresa às demandas e pressões do ambiente. Mais que isso: as pessoas passam a desempenhar um papel estratégico na viabilização dos negócios da empresa.

Cabe mencionar, no entanto, que o alinhamento da estratégia de gestão de pessoas com a estratégia corporativa não constitui um processo simples de ser feito. Em pesquisa realizada no Brasil, junto a executivos de RH de grandes empresas, consultores e professores universitários, Fischer e Albuquerque (2001) identificaram que, para esses profissionais, alinhar a estratégia de RH às estratégias e objetivos organizacionais configura, ainda, um desafio a ser superado pelas empresas brasileiras.

Para se obter esse alinhamento é preciso que a área de RH participe efetivamente do processo de formulação da estratégia corporativa, para que possa compreendê-la e influenciá-la. Além disso, segundo Pfeffer (1998), será necessário criar as condições para que todas as áreas funcionais identifiquem as competências e comportamentos que os empregados devem ter, para que a estratégia empresarial possa ser implementada com sucesso.

O alinhamento não ocorre de forma plena e linear em todos os processos e funções do sistema de RH. O pressuposto é o de que, quanto mais sistematizado, estruturado e participativo for o processo estratégico da empresa, maiores serão as possibilidades de se obter o alinhamento da estratégia de gestão de pessoas com a estratégia corporativa (integração vertical) e das diversas funções de RH entre si (integração horizontal).