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O ENSINO MUSICAL NA ÉPOCA DE VILLA-LOBOS E A ANÁLISE DOS REGISTROS SONOROS DO ORFEONISMO

Com Villa-Lobos, o movimento orfeônico alcançou o seu ápice durante três décadas. Se na Era Vargas (1930-45) e, em particular no Estado Novo (1937-45), o canto tornou-se uma das ferramentas do aparato de propaganda do Estado, ele não concebido e implementado pelo regime varguista, mas por dinâmicas culturais e institucionais da Primeira República, que foram apenas continuadas e ampliadas. A questão do orfeonismo transcende a uma mera conexão político-ideológica − embora esta não possa ser negada − mecânica com o período ditatorial de Vargas a tal ponto que após a redemocratização e o re-arranjo constitucional de 1946, o movimento orfeônico continuou tendo importância nas escolas e não mudou seus conceitos, parâmetros, valores, objetivos e métodos.

É verdade que as monumentais apresentações orfeônicas tipicamente fascistizantes não mais foram executadas nas mesmas proporções após o fim do Estado Novo, mas grandes festivais e concursos orfeônicos continuaram a ser realizados pelo país, independentemente de variações de ideologia política. Por sua vez, a institucionalização dos Conservatórios de Canto Orfeônico se estendeu vários Estados da federação e a disciplina escolar continuava a reprovar os alunos que nela não tivessem desempenho acadêmico suficiente.

Paralelamente, se o ingresso do orfeonismo na indústria cultural já havia sido iniciado pelo menos desde 1929, com a gravação do disco do Orfeão Piracicabano, ele ganhou impulso significativo por meio da colaboração das emissoras de rádio oficiais organizadas inicialmente por Roquette-Pinto, a Rádio Escola Municipal (PRD-5) e a Rádio MEC (PRA-2) − sobre a relação rádio-difusão, educação e cultura, cf. Gilioli (2008). A maior parte do acervo constante na Biblioteca Nacional deriva exatamente desse apoio oficial, que se consubstanciou em discos gravados pela RCA Victor. No entanto, pode-se detectar que o orfeonismo também ocupou espaços, ainda que marginais, em emissoras de rádio comerciais, ou seja, na própria indústria cultural não controlada pelo Estado. Algumas gravações da década de 1950 são de coros orfeônicos que faziam as vozes de fundo para cantores populares. Por sua vez, os anos 60 e início dos 70 registram também discos de

festivais orfeônicos, mostrando que essa prática, mesmo após seu declínio pogressivo que se seguiu à LDB de 1961, manteve substancial fôlego antes de praticamente desaparecer do cenário cultural e musical brasileiro.

São estes elementos que o presente capítulo abordará, enfocando com especial atenção a análise dos registros sonoros da Biblioteca Nacional. Através deles, pode-se perceber como, apesar das mudanças de regime e de poder na história política brasileira do século XX, o orfeonismo permaneceu durante décadas fundamentado nos mesmos valores nacionalistas, de valorização do folclore, de “civilização” dos costumes e de promoção da paz social, ainda que com variaintes de tônica em alguns desses elementos sobre os demais de acordo com o período.

5.1 A educação como parte do projeto de construção da identidade nacional

As iniciativas culturais e, principalmente, educacionais faziam parte de um projeto republicano que começou a ganhar terreno político com a perspectiva do fim da escravidão, na segunda metade do século XIX, e com a conquista do poder pelos republicanos. Embora independente desde 1822, o Brasil demorou a se empenhar efetivamente na construção simbólica da nacionalidade:

(…) o Império brasileiro realizara uma engenhosa combinação de elementos importados [,] (…) [que] serviam à preocupação central que era a organização do Estado em seus aspectos político, administrativo e judicial. Tratava-se, antes de tudo, de garantir a sobrevivência da unidade política do país, de organizar um governo que mantivesse a união das províncias e a ordem social. [Mas] Somente no final do Império começaram a ser discutidas questões que tinham a ver com a formação da nação, com a redefinição da cidadania (Carvalho, 1990, p. 23).

Ainda segundo o autor, anteriormente, só houve tentativas isoladas nesse sentido, como, por exemplo, quando José Bonifácio (avô do maestro Antonio Carlos Jr., do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo) pôs em pauta a discussão da

nacionalidade. Esse debate relativamente secundário e só começou a ser lentamente alterado com a Guerra contra o Paraguai, na década de 1860. Mas esse impulso só se consolidaria mais tarde: “a busca de uma identidade coletiva para o país, de uma base para a construção da nação, seria tarefa que iria perseguir a geração intelectual da Primeira República (1889-1930)” (Carvalho, 1990, p. 32).

Até então, “a língua comum não impediu que o Brasil se opusesse nacionalisticamente a Portugal, nem que as colônias sul-americanas se opusessem à Espanha; de outro lado, o fato de os suíços estarem divididos em três regiões lingüísticas não impediu a sua intensa unidade nacional” (Leite, 1969, p. 24). Dante Moreira Leite divide as ideologias do caráter nacional brasileiro em três fases, sendo que a terceira, mais importante,

(…) se inicia por volta de 1880 e só terminará na década de 1950. Esta é, a rigor, a fase da ideologia do caráter nacional brasileiro. É nesse período que a teoria racial é aceita pelos autores brasileiros e aqui servirá – como inicialmente na Europa – para justificar o domínio das classes mais ricas. Além disso, as teorias raciais permitem aos ideólogos explicar o atraso do Brasil pela existência de grupos de raças inferiores e de mestiços. À teoria racista se reúne, nessa época, a tese do determinismo geográfico – ou Antropogeografia – que é também uma forma de racismo, pois liga o povo ao seu ambiente geográfico e à formação de um grupo racial.

Na verdade não é fácil explicar porque essas teorias foram aceitas no Brasil. De um lado, como sua aceitação coincide com a abolição da escravatura, poder-se-ia pensar que as teorias racistas constituem a forma de defesa do grupo branco contra a ascensão social dos antigos escravos. De outro, poderia ser apenas a justificativa para a manutenção desses grupos numa condição de semi-escravidão. E assim como os europeus justificavam seu domínio pela incapacidade dos povos mestiços, as classes dominantes justificavam seus privilégios pela incapacidade de negros, índios e mestiços (Leite, 1969, p. 326).

Com isso, o canto orfeônico apenas refletia esses valores hegemônicos mais amplos que eram cultivados entre as elites desde a Primeira República. Afirmar a nação correspondia a afirmar o grupo dominante, em conexão com a sua suposta “superioridade” racial. Durante o período de hegemonia do movimento orfeônico (1910-1970), a educação musical correspondeu a uma manifestação da tentativa de construir a nação brasileira à imagem do grupo dominante, branco e ocidentalizado, que abrigou os demais brasileiros e a cultura afro-indígena como um mero subproduto “exótico” e “embrutecido” a ser “civilizado”, essencialmente para manter as desiguladades da ordem social existente.

Dois dos combates do orfeonismo se dirigiam contra o “canto gritado” − expressão que qualificava, direta ou indiretamente, as técnicas vocais das culturas não-brancas e ditas “atrasadas” − e as “dissonâncias”, que fugiam aos cânones da música ocidental moderna. O objetivo era eliminar os modelos e simbolismos sonoros que pudessem competir com os axiomas estético-musicais de origem europeia erudita. Villa-Lobos enfatizou ainda mais essa concepção a partir da década de 1930:

Após longos anos de estudos na experimentação da sensibilidade rítmica da mocidade brasileira, quer individual ou coletiva, onde se observa uma relativa facilidade de assimilação intuitiva, embora enfraquecida e duvidosa, quando implantada sob o regime de uma marcação rigorosamente metronômica, para definir os tempos regulares de qualquer compasso, cheguei à conclusão da absoluta necessidade de serem ministrados à juventude, exercícios constantes de marchas, cantos, cânticos ou cantigas marciais. (…) Lembro aos leitores, que quase todos os brasileiros, em conjuntos populares, são capazes de marcar obstinadamente os tempos fortes de qualquer marcha, como inconscientemente o fazem nos dias de Carnaval, o que não se verifica quando há necessidade de uma grande e uniforme demonstração popular de solidariedade cívica para cantar o Hino Nacional, por se sentirem, talvez, constrangidos ou receosos do desequilíbrio coral da multidão ou então por não terem recebido na juventude a conveniente educação do “ritmo da vontade” (Villa-Lobos, 1940, p. 3).

O Brasil dos anos 1930 foi um período de modernização, marcado pela progressiva urbanização não apenas em termos de aumento da população das cidades, mas de ampliação dos costumes cosmpolitas. O rádio se tornou o principal veículo de comunicação. Com uma lógica diferenciada da linguagem escrita, este meio de comunicação adotou, por diversos motivos, o tom fugaz do “popularesco” e do humor. Como a rádio-difusão comercial ganhou terreno naquela década, era necessário agradar ao público para vender, o que se conseguiu não com a cultura erudita e “sofisticada”, mas com a adoção do popular urbano. Mário de Andrade reconhecia o fenômeno em 1940:

A geografia do rádio não alcança as montanhas elevadas da cultura. Fica-se pelos vales, pelos platôs largos e pelos litorais. Daí a sua linguagem particular, complexa, multifária, mixordiosa, com palavras, ditos, sintaxes de todas as classes, grupos e comunidades. Menos da culta, pois que desta ele apenas normalmente se utiliza daquelas cem palavras e poucas normas em que ela coincide com todas as outras linguagens, dentro dessa abstração que é a Língua (Andrade, 2002, p. 216).

De fato, a rádio-difusão brasileira não abriu grande espaço, após a hegemonia que o setor comercial ganhou sobre o educativo cultural, no início da década de 1930, para a cultura erudita. Mesmo assim, o meio de comunicação era um dos alvos de Villa-Lobos para a expansão do orfeonismo, sendo que a SEMA tinha até um departamento de rádio- difusão em sua estrutura. Das atividades organizadas pelo educador, incluíam-se:

Apresentações radiofônicas: foram organizadas várias apresentações de orfeões

escolares, dirigidos por alunos-regentes, em programas infantis de diversas estações de rádio, contribuindo consideravelmente para uma maior divulgação dos ideais orfeônicos junto à população (Coutinho, 2005, p. 38).

No entanto, o espaço dedicado a isso se restringia a poucas rádios oficiais e a alguns espaços bastante circunscritos das emissoras comerciais (com exceções tais como a Rádio Gazeta de São Paulo nos anos 1940-50, que era privada e tinha toda a sua programação

dedicada ao erudito, auto-intitulando-se “a rádio de elite”). Isso sugere como o orfeonismo dependeu em grande medida devido ao apoio dado pelos governos à iniciativa e que, por ser uma tradição cultural escrita, erudita e avessa à lógica da oralidade, não encontrou espaço em um rádio que desejava ser popular e comercial.

Os discos orfeônicos da coleção “Passado Musical” da Biblioteca Nacional eram exemplares que, além de vendidos nas casas comerciais, também serviam às rádios que divulgavam as apresenções dos coros para alimentar a programação. Com isso, pode-se perceber que o movimento orfeônico tinha o desejo de se inserir na indústria cultural, para cumprir seu objetivo de “civilizar” em larga escala a população e introjetar nela os valores da música erudita ocidental. Com a iniciativa bem-sucedida dos discos gravados e com a tentativa não exitosa de ocupar amplos espaços no espectro radiofônico, a cultura orfeônica desejava se sobrepor ao gosto popular urbano, mas próximo dos sambas, maxixes e outros gêneros considerados “degenerados” pelos intelectuais.

5.2 O problema da qualidade vocal

A questão da qualidade dos orfeões veio à tona com intensidade devido às monumentais apresentações cívicas organizadas por Villa-Lobos nas décadas de 1930 e 40. Ceição de Barros Barreto, que publicou o manual didático Coro Orfeão em 1938, referia-se ao eminente compositor e educador com ceticismo, porque avaliava que ele não estaria alcançando o objetivo de educar as massas:

Organizam-se, no país, concentrações orfeônicas com centenas ou com milhares de alunos, muito embora sem o devido preparo técnico, mas contribuindo para a difusão do canto orfeônico e socialização dos escolares.

Oxalá todo este empreendimento de educação musical, resistindo às constantes reformas de ensino, torne-se realmente base sólida de cultura artística na formação do povo brasileiro (Barreto, 1938, p. 36).

No entanto, Villa-Lobos não havia estabelecido o objetivo de um alto desenvolvimento da técnica vocal para as suas manifestações orfeônicas monumentais. O essencial daqueles eventos era o cultivo do civismo e a valorização de uma audição de

mundo ocidentalizada, defendendo o folclore (contanto que eruditizado) e se colocando

contra os padrões da música “degenerada” dos “morros”, do carnaval, do samba, enfim, da música popular urbana. Ensinar esses padrões estéticos era, também, uma forma de tentar criar um público e um mercado para os compositores de música erudita, cada vez mais “engolidos” pela incipiente indústria cultural refletida no rádio popular urbano. Nas palavras de Villa,

O movimento em favor do levantamento do nível artístico e da Independência da Arte no Brasil [em relação à influência européia], foi iniciado por meio do canto orfeônico, sendo distribuídos prospectos, nos quais a finalidade prático-cívico- artística do orfeão era apresentada em frases curtas, incisivas e exortativas e em linguagem clara e acessível.

Com o fim de despertar interesse, essas exortações eram dirigidas mais ao civismo do povo brasileiro do que propriamente à sua cultura artística, atendendo não só ao nível ainda pouco elevado em que ela se encontra, como ao indiferentismo que envolve e entorpece o nosso meio social, excetuando-se, apenas, pequenas elites que, ainda assim, consideram a música como simples passatempo ou agradável

divertimento.

Na verdade, a Música só poderá ocupar o lugar que o seu valor lhe confere quando for devidamente apreciada a sua inestimável cooperação para a educação social- cívico-artística e considerada indispensável à vida e progresso de um povo (Villa- Lobos, 1937, p. 10-11, grifos do original).

Para Villa, embora a intenção da prática orfeônica fosse o “levantamento do gosto artístico no Brasil”, as demonstrações de corais orfeônicos com dezenas de milhares de vozes não tinham mera finalidade recreativa ou artística: eram momentos destinados à formação da “disciplina coletiva da multidão”, verdadeiras “aulas de civismo” abertas ao

“povo” (Villa-Lobos, 1937, p. 12-13). Tal orientação nacionalista e a grandeza das manifestações orfeônicas que envolviam milhares de cantantes eram vistas pelo maestro como um suposto demonstrativo do grau de “avanço” e “civilização” do Brasil (Ibidem).

A rejeição das formas de populares de cantar, por sua vez, pode ser observada também em outros discursos que não apenas o do movimento orfeônico. Em um manual de dicção de fins dos anos 1940, Silveira Bueno, professor de filologia da USP, dizia contrapunha a pronúncia “perfeita” orfeônica ao canto popular urbano:

(…) ouça-se um dos nossos horrorosos cantores de samba ou de tango no rádio; escute-se algum conjunto coral e ganhará um doce quem entender o que estão cantando. (…) Certa vez, quando ensinávamos português pelo rádio, ouvindo a um desses tais cantores de samba, não podendo compreender o que cantava, nem suportando os gritos e trêmulos fanhosos que emitia, recorremos à opinião do maestro Leão Kaniefsky. E ele explicou-nos que não sabia o cantor nem sequer executar os movimentos exigidos para a obtenção do som, da nota musical da composição. Não sabem vocalizar, não sabem pronunciar, não sabem a ginástica necessária para que o aparelho fonador produza o som como deve e pode produzir (Bueno, 1948, p. 217).

De fato, o combate as expressões musicais não-brancas e não ocidentalizadas era comum por parte dos artistas e intelectuais da época, que consideravam necessário “civilizar” essas manifestações “rudes” do povo. Portanto, Villa-Lobos não pretendia alcançar um grau de perfeição com as gigantescas concentrações orfeônicas, mas em essência convencer as pessoas de que aquele padrão estético que difundia era melhor que os do rádio popular. No entanto, se a qualidade vocal não era o foco desses encontros corais massivos para Villa-Lobos, era uma das preocupações relevantes nos “orfeões artísticos”, dentre os quais o Orfeão dos Professores do Distrito Federal, do qual há gravações na coleção “Passado Musical” da Biblioteca Nacional.

Os ideais de Villa-Lobos para o canto orfeônico não eram novidade. Defendia o método intuitivo e analítico como seus predecessores (ainda que não utilizasse esses termos

explicitamente), partindo da prática para a teoria. A criança deveria ter familiaridade com os sons, habituar-se ao temperamento ocidental e, só então, aprender as regras da grafia musical erudita europeia, como se este último passo fosse uma suposta necessidade inexorável da expressão musical. As linhas gerais do projeto de “civilização” dos costumes através da música também já haviam se estabelecido há muito. A formação do novo homem republicano apenas ganhava o rosto de um tempo político novo nos anos 1930. No entanto, objetivos como os de Gomes Cardim, mencionados a seguir, permaneciam os mesmos:

Educar, amenizar, civilizar, aliviar fadigas, proporcionar prazer, corrigir vícios, eis a ação humanitária e proveitosa da música. (…)

E a música, diz Guizot, dá à alma uma verdadeira cultura íntima e faz parte da educação do povo. Tem por fim desenvolver os diversos órgãos do ouvido e da palavra, amenizar os costumes, civilizar as classes inferiores, aliviar-lhes as fadigas, os trabalhos e proporcionar-lhes um prazer inocente em lugar de divertimentos grosseiros e ruinosos. (…)

[A música é um] (…) preparo para a vida do lar, um passaporte para a sociedade, um requisito indispensável na participação do serviço religioso e um doce consolo para muitos na solidão (Gomes Cardim, 1912, p. 5-6).

De acrodo com essa concepção liberal de Gomes Cardim, o canto seria um elemento democratizador da sociedade, contanto que esta democracia se realizasse dentro de um ideal de paz social e de que os valores ocidentais ofuscassem quaisquer projetos alternativos de sociedade e de cultura. Essa versão impositiva de democracia trazia implícita em si mesma uma potencial tendência fascistizante. Nas palavras de José Murilo de Carvalho, aqui “o liberalismo adquiria um caráter de consagração da desigualdade, de sanção da lei do mais forte” (Carvalho, 1990, p. 25). Com isso, tais ideais da Primeira República se adaptaram facilmente ao contexto do regime varguista (1930-45) e, em especial, ao Estado Novo (1937-45). O problema do orfeonismo não residia, portanto, na conexão de Villa-Lobos com o governo autocrático de Vargas, mas na perpetuação das concepções retrógradas do orfeonismo, surgidas na Primeira República.

Em 1936, representando o governo brasileiro, Villa-Lobos participou, com Antônio Sá Pereira, de um congresso de educação musical em Praga. Na ocasião, Villa-Lobos realizou uma conferência (Loureiro, 2003, p. 58), com quase duas semanas de atraso em relação à programação original, após não ter chegado a tempo para reger apresentações de coros orfeônicos por problemas de transporte (Contier, 1986, p. 308). Com isso, projetou o orfeonismo brasileiro em escala mundial, ao lado de países como França, Inglaterra, Bélgica, Espanha, Rússia, EUA e que contou com a participação, dentre outros nomes, de Jacques Dalcroze, como um dos representantes da delegação suíça (Paz, 1989, p. 74). Embora Itália e Alemanha, já sob regimes totalitários, não estivessem presentes, países de tendência fascista da Europa Central enviaram representantes ao encontro. Ademais, os coros alemães eram uma referência do movimento orfeônico. Portanto, o orfeonismo era um recurso manipulado simbolicamente por todas as tendências políticas existentes.

Além da propaganda do orfeonismo brasileiro fora do país, Villa-Lobos desenvolveu, internamente, atividades de formação de docentes no âmbito da Universidade do Distrito Federal (UDF), em meados dos anos 1930, com o Curso para Formação de Professores Secundários de Música e Canto Orfeônico (Coutinho, 2005, p. 41). Organizou o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico (CNCO) em 1942, instituição que marcou a expansão da formação docente em nível nacional e a fiscalização centralizada desse processo.

“Com o tempo, pode-se notar a difusão do ensino e prática do canto orfeônico para outros estados, tais como Pará, Pernambuco, Paraíba, Minas Gerais, Espírito Santo e Sergipe” (idem, p. 42). São Paulo oficializou o Conservatório Paulista de Canto Orfeônico em 1947 (seu curso já era reconhecido pelo CNCO desde 1943), Campinas o Conservatório de Canto Orfeônico “Maestro Julião” (1950), Salvador o Conservatório Bahiano de Canto Orfeônico (1950) e, no ano seguinte, foi organizado o Conservatório Estadual de Canto Orfeônico de São Paulo (idem, p. 43). Em Sergipe, o ensino de Canto Orfeônico já tinha sido organizado em 1936-37, tendo ocorrido grandes demonstrações orfeônicas com 5 mil a 6 mil alunos (Jannibelli, 1971, p. 48).

Villa deixou a SEMA em 1944 e, em 1946, o canto orfeônico adotou nova legislação regulatória nacional. No entanto, o quadro pouco se alterou: “enquanto as escolas

primárias e secundárias procuravam manter a prática do canto orfeônico, (…) os conservatórios e as escolas de música, numa postura conservadora, alicerçavam-se nos padrões tradicionais europeus ligados aos séculos XVIII e XIX” (Loureiro, 2003, p. 65). A Portaria nº 300, de 7 de maio de 1946, estabeleceu que a disciplina Canto Orfeônico se manteria como obrigatória, passível de reprovação por falta e por nota e mantendo os ensaios de orfeão existentes desde a legislação paulista de 1920. O modelo dos orfeões escolares artísticos foi conservado, com a determinação de que os grupos de para os ensaios