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Entraves no âmbito da atividade administrativa de cobrança

3 ESTÁGIO ATUAL DA COBRANÇA DO CRÉDITO FISCAL NA

3.3 Entraves no âmbito da atividade administrativa de cobrança

Embora a pesquisa tenha seu foco voltado para a análise da efetividade da prestação jurisdicional, sua importância e impacto no resgate do crédito fiscal, é necessária a abordagem de questões relativas à cobrança desses créditos no âmbito administrativo. Isso porque, no decorrer da pesquisa do IPEA e na análise dos dados disponíveis sobre as apontadas dificuldades na cobrança, foi possível entrever que alguns dos problemas podem ter origem ainda no momento anterior ao ingresso na via judicial.

A proposta é analisar pelo menos dois problemas judiciais que, acredita-se, têm relação direta com a fase administrativa de cobrança. São eles: a dificuldade de localização de devedores e bens penhoráveis e o alto índice de execuções fiscais extintas por reconhecimento da decadência ou prescrição.

A considerar que o processo de execução fiscal tem mais possibilidade de êxito quanto mais rápida é a localização do devedor e bens penhoráveis191, um procedimento de constituição do crédito fiscal mais ágil, poderia significar uma cobrança mais eficaz. Dessa forma, é possível que o tempo de tramitação dos processos administrativos de constituição desses créditos esteja impactando na efetividade da cobrança judicial.

A exposição de motivos do Projeto de Lei nº 5.080/2009192 relativo à execução fiscal administrativa aponta que o processo administrativo fiscal leva 4 (quatro) anos para ser

191

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Custo Unitário do Processo de Execução Fiscal

na Justiça Federal. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 2011. Disponível em: <

http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/livro_custounitario.pdf>. Acesso em: 1 fev. 2012.

192

Exposição de Motivos Interministerial nº 186/2008 – MF/AGU, de 10 nov. 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/EXPMOTIV/EMI/2008/186%20-%20MF%20AGU.htm>. Acesso em 23 jul. 2012.

finalizado. O Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas193, em pesquisa intitulada ―Relatório Final do NEF 2009 – Reforma do Processo Administrativo Fiscal Federal (PAF)/CARF194 aponta, por sua vez, uma duração média de 5 (cinco) anos.

Essa demora na tramitação somente na via administrativa contribui para imprimir maiores dificuldades na localização de devedores e bens penhoráveis quando o processo alcança a via judicial. O exemplo do devedor pessoa jurídica pode esclarecer a afirmação.

Dados do Departamento Nacional de Registro de Comércio (DNRC) demonstram que é crescente o percentual de empresas baixadas nas Juntas Comerciais de todo o Brasil. Só no ano de 2011 foram baixadas 128.752195 empresas. O número, apesar de ter representado um decréscimo em relação aos anos anteriores196, demonstra que há uma grande volatilidade197 no meio empresarial brasileiro.

Estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre ―Demografia das Empresas198‖ publicado no ano de 2009 avaliou a taxa de sobrevivência das

empresas no período de 2007 a 2009. Os dados colhidos demonstram que apenas 61,3% das empresas criadas em 2007 ainda estavam em funcionamento em 2009199. Isso demonstra que no curto espaço de 2 (dois) anos, quase quarenta por cento das empresas já não mais existiam200.

193 O Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Fundação Getúlio Vargas dedica-se a pesquisa e realização de estudos

sobre tributação. O núcleo é coordenado pelo professor Doutor Eurico Marcos Diniz de Santi. Informações colhidas no sítio da internet. Disponível em: <http://www.nucleodeestudosfiscais.com.br>. Acesso em: 23 jul. 2012.

194 Disponível em: <http://invente.com.br/nef/files/upload/2011/05/19/relatorio-final-completo-nef-2009-v-1-

0.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2012.

195

DEPARTAMENTO NACIONAL DE REGISTRO DO COMÉRCIO. Extinção de Empresas por Estado e

Região 2011. Disponível em:

<http://www.dnrc.gov.br/Estatisticas/Extin%C3%A7%C3%A3o_empresas_estado_regi%C3%A3o_2011.pdf>. Acesso em: 6 mar. 2012.

196 203.946 extinções em 2009 e 215.029 em 2010. DEPARTAMENTO NACIONAL DE REGISTRO DO

COMÉRCIO. Extinção de Empresas por Estado e Região 2010. Disponível em: <

http://www.dnrc.gov.br/Estatisticas/Extin%C3%A7%C3%A3o_empresas_estado_regi%C3%A3o_2010.pdf>. Acesso em 6 mar. 2012.

197 Por volatilidade, entenda-se, a incrível rapidez com que as empresas são criadas e extintas no país. 198

Segundo consta da publicação do IBGE o estudo da demografia das empresas analisa taxas de entrada, saída, sobrevivência, mobilidade e idade média das empresas no Brasil. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Demografia das Empresas 2009. Disponível em:

<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/demografiaempresa/2009/demoemp2009.pdf>. Acesso em: 6 mar. 2012.

199 Segundo o estudo, de cada dez empresas surgidas em 2007, duas já deixaram o mercado no ano seguinte. Ao

final de dois anos esse número já subira para quatro.

200

Registre-se que os dados são apenas relativos ao mercado formal e extinções comunicadas às Juntas Comerciais. É possível que o número de extinções seja bem maior a considerar empresas que encerraram irregularmente suas atividades.

Conjugando os dados relativos ao elevado número de empresas extintas ano a ano com o fato de que 83,2%201 das execuções fiscais da União são ajuizadas contra pessoas jurídicas, é possível que a tramitação mais demorada do processo administrativo vá refletir diretamente na cobrança judicial. Isso porque, à medida que os anos passam, as empresas- devedoras somem.

Com base nesses elementos é possível afirmar que ao final de cinco anos, não será mais possível encontrar o devedor pessoa jurídica, ainda na fase administrativa de cobrança. Somado a isso, o tempo médio de tramitação das execuções fiscais da União que, segundo apontado pelo IPEA, é, em média, de 9 (nove) anos, as possibilidades de sucesso no resgate judicial são praticamente nulas.

De fato, a grande volatilidade das empresas brasileiras pode mesmo justificar porque, nas conclusões do estudo do IPEA sobre a execução fiscal, ficou demonstrado que ações ajuizadas contra pessoas jurídicas são mais lentas e com menor a probabilidade de pagamento202.

O excessivo tempo de tramitação desses processos leva ainda a outra consequência: o congestionamento nos órgãos fiscais de julgamento. Relatórios de Gestão203 do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) que tratam da tramitação dos processos em segunda instância apresentaram os seguintes números no período de 2008 a 2010, conforme Tabela 4:

201 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Custo e tempo do processo de execução fiscal

promovido pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Comunicados do IPEA, n. 127, p. 1-16, 4 jan. 2012. Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/120103_comunicadoipea127.pdf>. Acesso em: 28 fev.2012.

202

Contrario sensu das conclusões do Relatório do IPEA sobre o custo unitário do processo de execução no qual consta que as ações movidas contra pessoas físicas são significativamente mais rápidas e com maior

probabilidade de pagamento. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Custo unitário do

processo de execução fiscal na Justiça Federal. Brasília, DF, 2011. Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/livro_custounitario.pdf>. Acesso em: 1 fev. 2012.

203 BRASIL. Ministério da Fazenda. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Relatório de Gestão.

Disponível em:

<http://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/index.jsf;jsessionid=5DD26EF64685FD8AEE247EB9E977834> Acesso em: 6 mar. 2012.

Tabela 4 – Quantidade de Processos em tramitação no CARF de 2008 a 2010

Ano Entrada Aguardando Julgamento Julgados

2008204 35.406 30.395 14.899

2009205 23.000 65.000 14.860

2010 Não fornecido Não fornecido 19.387 Fonte: Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.

Embora não tenham sido encontrados dados mais recentes, percebe-se que ainda em 2009 o estoque de processos administrativos pendentes de apreciação em segundo grau era bastante elevado se comparado ao número de julgamentos.

Quando se alinham os números relativos a carga de trabalho no âmbito dos órgãos responsáveis pela constituição e cobrança administrativa, com o crescente estoque da Dívida Ativa da União que, como mencionado, hoje alcança quase 1 trilhão de reais, percebe-se que muito pouco é resgatado administrativamente. Isso gera a atual sobrecarga do sistema de cobrança judicial apontado no item precedente e, contribui para ineficácia das execuções fiscais.

Outro dado importante e que denota o impacto do processo administrativo na efetividade do resgate judicial do crédito fiscal é a questão da decadência e prescrição. De fato, a pesquisa do IPEA apontou que esta foi a principal causa de baixa dos executivos fiscais da União no ano de 2009, correspondendo a 36,8% dos casos206.

O referido percentual, encontrado na pesquisa, demandava maior detalhamento, com especificação dos quantitativos referentes a decadência, prescrição da ação e prescrição intercorrente. Tais dados ajudariam uma análise mais segura dos números apresentados e facilitaria a identificação da origem dos problemas que levaram as execuções fiscais a esse fim. Isso porque, a decadência se relaciona diretamente a agilidade do aparelho administrativo. A prescrição da ação, também em grande parte é reflexo da atuação dos

204

Dados correspondentes ao somatório dos números dos antigos três Conselhos de Contribuintes no ano de 2008. BRASIL. Ministério da Fazenda. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Relatórios do Primeiro,

Segundo e Terceiro Conselho de Contribuintes. Disponível em: <

http://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/index.jsf;jsessionid=5DD26EF64685FD8AEE247EB9E9778345> . Acesso em: 6 mar. 2012.

205 Média. BRASIL. Ministério da Fazenda. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Relatório de Gestão

CARF 2009. Disponível em:

<http://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/index.jsf;jsessionid=5DD26EF64685FD8AEE247EB9E977834> Acesso em: 6 mar. 2012.

206 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Custo e tempo do processo de execução fiscal

promovido pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Comunicados do IPEA, n. 127, p. 1-16, 4 jan. 2012. Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/120103_comunicadoipea127.pdf>. Acesso em: 28 fev.2012.

órgãos de constituição e cobrança do crédito. Por fim, a prescrição intercorrente tem relação direta com as posturas adotadas pelos atores da relação processual.

Reportando-se aos dados apontados pelo IPEA, a PGFN207 credita o alto percentual de extinções com fundamento na prescrição e decadência à Súmula Vinculante 08 do STF, publicada em 20.06.2008. A súmula declarou a inconstitucionalidade do prazo de dez anos para constituição e cobrança dos créditos da seguridade social.

Entretanto, tal circunstância, embora tenha influenciado esses números, não pode ser considerada como causa única, uma vez que no universo de extinções por esse fundamento, as contribuições sociais representaram apenas 17,2% 208 dos casos. De fato, ainda que desconsiderasse as extinções por prescrição e decadência dos processos de contribuições sociais, ainda restariam 19,6%, número bem próximo das extinções por pagamento integral que corresponderam a 25,8% das causas de baixa. Portanto, ainda assim, o índice de extinções por reconhecimento da decadência e prescrição é bastante elevado.

Dessa forma, acredita-se que os altos índices de baixa por reconhecimento de decadência ou prescrição parecem apontar mais uma vez para existência de problemas de agilidade da própria Administração.

Portanto, o longo intervalo entre o fato gerador e a efetiva cobrança dos créditos constituídos tem prejudicado direta e substancialmente as chances de sucesso das execuções fiscais. Ao que parece, o reduzido grau de sucesso e o crescente aumento da quantidade de execuções fiscais parecem ser reflexos da ineficiência da própria Administração Pública em arrecadar o que lhe é devido ainda na via administrativa.

O que se quis demonstrar com as duas situações retratadas é que os entraves não estão presentes apenas na fase judicial, sendo algumas vezes reflexos de problemas em outras estruturas que compõem o sistema de cobrança do crédito fiscal.