Estrutura dinâmica
3.5 Entropias para bósons e férmions
Esta é, até onde foi possível verificar, a expressão mais geral com possível relevância física. Querendo recapitular os resultados anteriores, exigimos que as funções f(x) e η(x) sejam côncavas e η(x) monotonicamente crescentes, além disso a a derivada de f (x)deve divergir positivamente no limite x → 0.
A introdução da função η(x) não altera a estatística subjacente à cada entropia, isto é bem conhecido pelo exemplo das entropias de Tsallis e Renyi. No entanto, ela altera a resposta térmica do sistema já que modifica a relação funcional entre entropia e energia. Este resultado é claramente demonstrado em [?]. A motivação para que se utilize o esquema de entropias generalizadas (3.53) é que esta expressão fornece um controle fino para inferir as entropias efetivas a partir dos parâmetros experimentais. O primeiro destes parâmetros, a estatística de ocupação dada pelos números ni, determina
f (x)e as probabilidades ωi. O segundo, que é a relação de S com U, pode ser ajustado
por uma escolha apropriada da função η(x).
3.5 Entropias para bósons e férmions
O argumento que utilizamos para derivar a equação (3.32), rigorosamente não é válido para sistemas quânticos já que utilizou-se um método de contagem “clássico”
para determinar a multiplicidade dos estados. Em estatística quântica, tanto os bósons quanto os férmions não admitem este tipo de contagem já que as restrições impostas na ocupação dos níveis limitam severamente o modo que podemos distribuir as partículas pelos estados. Na realidade, a estatística quântica difere da estatística clássica no que a noção de partícula é substituída pela noção de estado [?]; não se pergunta de quantas maneiras é possível arrumar um certo conjunto de partículas segundo uma distribuição n, mas sim em quantas maneiras é possível ocupar cada estado i com respectivamente com ni’s partículas. Isto talvez seja melhor justificado pela noção
que as partículas são entendidas como uma excitação de um campo térmico, do que pela idéia de indistinguibilidade. Antes de prosseguir, no entanto, é interessante rever alguns aspectos da estatística de Boltzmann usual.
Considere um sistema quântico com N partículas idênticas não interagentes com níveis de energia ǫ1, ǫ2, . . . , ǫm. A configuração energética deste sistema consiste em m
níveis degenerados por um fator giN, onde gi é a degenerescência do i−ésimo nível
a 1−partícula. Nesta situação, mas somente nela, é possível realizar o processo de contagem exposto anteriormente sem quaisquer modificações. Ao permitir que as partículas interajam, a degenerescência dos níveis usualmente é quebrada e as linhas energéticas degeneradas em giN dão lugar a bandas de energia, com giN níveis distintos,
e usualmente com uma dispersão energética considerável.
O procedimento que nos livra desta ambigüidade é agrupar níveis energéticos com energia similar, efetivamente redefinindo os estados quânticos. Desta maneira, o número de estados relevantes em nossa estatística cresce de m para um novo valor m′ tal que mN > m′ > mdeterminado pelo tipo de partição realizada. Suponha que
o i−ésimo destes novos estados seja constituído por Gi estados originais, os quais,
num primeiro momento, podemos preencher sem qualquer restrição. A probabilidade associada à esta nova configuração de partículas é simplesmente
P (n) = N! n1!n2! . . . nm′! G1 N n1 G 2 N n2 . . . Gm′ N nm′ (3.54)
já que cada estado é ponderado por um fator de degenerescência Gi. A entropia de
Boltzmann para este sistema é dada simplesmente por
H = − m′ X i=1 niln ni Gi +cte, (3.55)
iguais, de forma que o resultado apresentado é equivalente a uma média de “grão grosseiro” de (3.34).
Nesta perspectiva, podemos escrever as entropias para férmions e bósons segundo os princípios adequados para lidar com a contagem de possíveis arranjos de estados. Mostramos como chegar à entropia bosônica de maneira similar ao raciocínio anterior enquanto, logo em seguida, ilustramos a metodologia proposta na seção anterior para chegar à forma para a entropia de férmions. Desta maneira, definimos o fator Ωi(ni)
como o número de arranjos com ni “excitações” diferentes no i−ésimo conjunto com
degenerescência Gido tipo “grão grosseiro” considerado anteriormente. Em se tratando
de bósons, obviamente não há qualquer restrição nos números de ocupação dos estados de Gide tal maneira que podemos representar uma certa ocupação da seguinte maneira
| − −| − | − − − | − − − | − | − − − |. (3.56) Cada hífen representa uma partícula e, separando-as, os traços verticais | delimitam um estado de Gi. Deste modo, os símbolos acima prescrevem um vetor de ocupação
(2, 1, 3, 3, 1, 3)com ni = 13e Gi = 6. O número de maneiras distribuir estas nipartículas
nos Gi estados consiste simplesmente no número de permutações distintas em que
podemos dispor os símbolos acima. Dado que os | das extremidades são fixos, existem ni + Gi − 1 símbolos de interesse, de forma que o número de permutações é dado por
(ni+Gi−1)! descontado pelo número de permutações de hífens, ou seja, ni!e o número
de permutações dos traços verticais, que é (Gi−1)!. Deste modo, a multiplicidade para
cada estado bosônico é dada por
Ω(ni) =
(ni+ Gi− 1)!
ni!(Gi− 1)!
. (3.57)
Este termo permite escrever a probabilidade
P (n) = cte ×
m′ Y
i=1
Ω(ni), (3.58)
de forma que, utilizando a aproximação de Stirling e organizando os termos obtemos a entropia para bósons
HB(n) =
X
i
Gi[(1 + ¯ni) ln (1 + ¯ni) − ¯niln ¯ni] , (3.59)
onde definimos ¯ni ≡ Gni
i como a fração dos estados de Gi ocupados.
números de ocupação
ni =
Gi
e−β(ǫi−µ)− 1, (3.60)
onde Gi simplesmente conta a degenerescência do estado com energia ǫi, de maneira
que este resultado é igual ao esperado.
Utilizaremos agora um raciocínio completamente diferente para derivar a forma para a entropia de férmions. Vale ressaltar que o diferença reside exclusivamente na forma de apresentação, sendo que tanto o argumento anterior quanto o próximo podem ser utilizados para derivar as entropias para bósons e férmions. O intuito é ilustrar os resultados da seção anterior, mostrando como se daria um raciocínio do tipo a posteriori. Ou seja, imaginamos que um certo físico experimentalista, o Sr. X, se depare com um sistema fermiônico, mas ainda sem conhecer os princípios por trás da estatística de férmions (suponha que Pauli não existiu), consiga apenas determinar experimentalmente os números de ocupação pela fórmula
ni =
Gi
eβ(ǫi+µ) + 1, (3.61)
onde novamente Girepresenta a degenerescência do i−ésimo nível de energia. Conhecendo
a fórmula (3.53), e tentando entender porque não encontrou os fatores de Boltzmann em baixas temperaturas, nosso físico experimentalista certamente poderia encontrar alguma luz na estatística. Assuma inicialmente uma entropia local equiprovável, para a qual se determina a condição de máximo pela expressão
∂f ∂ni
= βǫi+ λ. (3.62)
Definindo ai ≡ βǫi+λ = β(ǫi+µ)e g(ni) ≡ ∂f∂n(ni)
i , é possível expressar a condição acima como g(ni) = ai. Ao relacionar estas grandezas com o número de ocupação conhecido,
ficamos com ni = g−1(ai) = Gi eai + 1 ⇒ g (ni) = ln Gi− ni ni . (3.63)
Isto implica na equação diferencial
∂ ∂nf (n) = ln G − n n ⇒ f(n) = −n ln(n) − (G − n) ln(G − n) + G ln G, (3.64)
de forma que, facilmente encontramos a entropia de férmions HF(n) = − m X i=1 [(Gi− ni) ln (Gi− ni) + niln ni− Giln Gi] , (3.65) = − m X i=1 Gi[(1 − ¯ni) ln (1 − ¯ni) + ¯niln ¯ni] . (3.66)
Note que este resultado especifica apenas os números de ocupação de equilíbrio, mas não determina a curva térmica do sistema que é inteiramente especificada por η [HB(n)]. Suponha que o nosso experimentalista, o Sr. X, mediu a resposta térmica do
sistema e os resultados foram compatíveis com a entropia anterior. Desta forma, não é necessário modificar nada e justo fazer η(x) = x+cte. Uma vez de posse da entropia de férmions, Sr. X naturalmente se pergunta sobre que tipo de estatística estaria associada a uma forma tão peculiar de entropia. Nesta linha de raciocínio, utilizamos a relação de Boltzmann, P (n) = eH(n)para obter
PB(n) ∝ m Y i=1 n−ni i (Gi− ni)Gi−niGGi i . (3.67)
Agora notamos que é possível utilizar a aproximação de Stirling para calcular os termos do tipo xx, ou seja
nn = enln n−n+n= eln(n!)+n = n!en. (3.68)
Daí, ficamos com
PF(n) ∝ m Y i=1 Gi! ni! (Gi− ni)! = m Y i=1 Gi ni ! . (3.69)
Os fatores binomiais na probabilidade acima descrevem o número de possibilidades de preencher ni estados de um total de Gidisponíveis. Ou seja, Gicorresponde a uma
urna em que se pode tirar no máximo Gi partículas, onde Gi é o número de estados
encerrados nesta urna. Mas esta é justamente a restrição esperada para as ocupações de férmions! Que maravilhosa seria a descoberta do Sr. X.