Capítulo 9: Infecções do Trato Respiratório Superior
9.2 Epidemiologia e fatores de risco
A microbiota do trato respiratório superior de um indivíduo é influenciada por vários fatores como: idade, estado imunitário, condições do ambiente, uso prévio de antimi- crobianos, internação anterior e esquema de vacinação.
A identificação de uma bactéria patogênica ou potencialmente patogênica não ne- cessariamente indica seu envolvimento na infecção, pois esses micro-organismos podem também ser detectados em portadores como é o exemplo do Haemophilus
influenzae. Desse modo, o conhecimento da microbiota normal do trato respiratório superior é essencial para a interpretação dos resultados da cultura.
A orofaringe contém uma microbiota mista com grande densidade de bactérias ae- róbias, anaeróbias facultativas e anaeróbias estritas, incluindo: Streptococcus alfa he- molíticos e não hemolíticos, Streptococcus beta hemolíticos não pertencentes ao gru- po A, Neisserias não patogênicas, Haemophilus spp., difteróides, Staphylococcus sp., Micrococcus spp. e anaeróbios (Bacteroides spp., Fusobacterium spp., Veillonella spp., Peptostreptococcus spp., Actinomyces spp.).
Alguns patógenos como Streptococcus pneumoniae, Streptococcus pyogenes, Haemo- philus influenzae, Neisseria meningitidis, enterobactérias e leveduras como Candida albicans podem ser componentes transitórios da microbiota da orofaringe em indiví- duos saudáveis, sem desenvolvimento de doença.
O trato respiratório abaixo da laringe não possui flora residente normal. A mucosa nasal anterior é frequentemente colonizada por Staphylococcus epidermidis e difteroides, e al- guns indivíduos são portadores intermitentes ou definitivos de Staphylococcus aureus, por outro lado, os seios paranasais e o ouvido médio não possuem flora microbiana. A principal causa de faringite bacteriana é o Streptococcus pyogenes. Esse micro-orga- nismo é especialmente prevalente entre as crianças na faixa etária entre 5 e 12 anos aonde representam 30% de todos os casos de faringite; em adultos estão associados a somente 10% dos casos. A incidência é maior durante o final do outono, inverno e início da primavera. Por outro lado, o S .pyogenes pode ser caracterizado como porta- dor assintomático, por período variável de tempo, em alguns indivíduos.
9 .3 Aspectos clínicos e patogênese
As infecções podem ser adquiridas através da exposição direta do agente, que pode ser inalado do ambiente.
Dentre as barreiras frente às infecções, são importantes: cílios da mucosa do trato respiratório, muco, secreção de imunoglobulinas e reflexo de tosse.
De acordo com o descrito anteriormente, a microbiota do trato respiratório superior é abundante e sobrevive normalmente em situação de equilíbrio com o hospedeiro. Essa microbiota tem ainda um papel na prevenção, quanto a aquisição de patógenos exógenos.
Módulo 3: Principais Síndromes Infecciosas
Clinicamente, os sinais e sintomas das infecções bacterianas e virais não são especí- ficos. Porém, algumas manifestações como conjuntivite, coriza, exantema, tosse, le- sões ulcerativas e diarreia estão mais frequentemente associadas com quadros virais. Muitas vezes, os quadros respiratórios superiores e seus respectivos agentes etiológi- cos não podem ser separados dos quadros respiratórios inferiores.
9.3.1 Faringite
Esse termo refere-se a inflamação e/ou infecção da faringe (orofaringe, naso- faringe, hipofaringe, adenóides) e área tonsilar; é uma condição clínica res- ponsável por uma das mais frequentes infecções comunitárias.
Geralmente, a transmissão dessas infecções, como é o caso das infecções estreptocócicas, se faz pela disseminação de aerossóis ou fômites; o contato direto (Neisseria gonorrhoeae eTreponema pallidum) é uma forma mais rara. O agente mais frequente de faringite bacteriana é o Streptococcus pyogenes. Alguns vírus tais como: adenovírus, herpes simplex, influenza, parainfluenza, coxsackie A e EBV (mononucleose infecciosa), produzem faringite acompa- nhada de rinorréia, tosse, exantema e às vezes febre. Ainda, a faringite pelo vírus HIV pode ser a primeira manifestação da doença. É discutível o papel dos Streptococcus beta hemolíticos do grupo C e G, mas de qualquer forma não estão associados a sequelas como a febre reumática.
A proteína M, que é um antígeno de superfície do Streptococcus pyogenes, é importante na patogenicidade do agente, impedindo sua fagocitose. O qua- dro de escarlatina é associado com a produção da toxina eritrogênica.
Tabela 1 Principais agentes etiológicos de faringites
Agente Manifestação clínica Estimativa de casos (%)
Rhinovirus Resfriado 20
Coronavírus Resfriado 5
Adenovirus Doença respiratória aguda ou febre
faringo-conjuntival 5
Herpes simplex vírus Gengivite, estomatite e faringite 4
Outros vírus Herpangina, mononucleose, etc, < 1
Influenza vírus Gripe 2
Parainfluenza vírus Resfriado 2
Agente Manifestação clínica Estimativa de casos (%)
Streptococcus beta hemolitico do
grupo C Faringite e amigdalite 5
C.diphtheriae, Neisseriae gonorrhoeae, Arcanobacterium haemolyticum, Micoplasma pneumoniae Difteria Faringite Faringite Faringite, pneumonia Raramente 9.3.2 Laringite
A laringite é uma manifestação comum do trato respiratório superior carac- terizada por congestão nasal, rinorréia, tosse, dor de garganta e febre. As faixas etárias mais acometidas compreendem crianças com idade mais avan- çada, adolescentes e adultos.
A laringite aguda, na grande maioria das vezes, é de etiologia viral. Culturas para pesquisa de agentes bacterianos são indicadas apenas na suspeita de difteria, que se encontra atualmente entre as raras causas da doença.
A laringotraqueobronquite aguda é caracterizada clinicamente por rouqui- dão, tosse, estridor laríngeo e febre. Pode se estender à traquéia e algumas vezes até mesmo aos brônquios. Mais frequente em crianças entre 3 meses e 3 anos.
Da mesma forma que nas laringites, os vírus são os agentes mais envolvidos. A epiglotite, geralmente tem etiologia bacteriana sendo o Haemophilus in- fluenzae tipo b o micro-organismo classicamente descrito. Trata-se de qua- dro extremamente raro nos dias de hoje, graças à vacinação. Acomete crian- ças entre 2 a 6 anos. Clinicamente manifesta-se com aparecimento abrupto de febre, dor de garganta e agitação.
Outras espécies bacterianas como Haemophilus influenzae não tipável, Ha- emophilus parainfluenzae, Streptococcus pyogenes e Staphylococcus aureus podem estar envolvidas
9.3.3 Sinusites
Os seios paranasais comunicam-se com a cavidade nasal, sendo então sus- ceptíveis a infecções por micro-organismos habitantes do trato respiratório superior. A sinusite aguda é frequentemente secundária à infecção viral de vias aéreas superiores; outros fatores predisponentes são: alergia, desvio do septo nasal, pólipos, e em pacientes hospitalizados, entubação orotraqueal
Módulo 3: Principais Síndromes Infecciosas
A infecção de seios paranasais pode se propagar a tecidos adjacentes, como células etmoidais (levando a celulite periorbital), abscessos cerebrais e me- ningites. Os micro-organismos mais comumente identificados são Strepto- coccus pneumoniae, Haemophilus influenzae não b, anaeróbios estritos, Strep- tococcus spp., e Branhamella catarrhalis. Em sinusites de origem intra-hospi- talar, os agentes mais frequentes são: Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa, e fungos como Candida spp.
9.3.4 Otites
– Otite Média: infecção do ouvido médio, geralmente acomete crianças
entre 3 meses e 3 anos de idade. Os agentes mais comumente isolados são Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Streptococcus pyogenes .
– Otite Externa: infecção do canal auditivo externo, geralmente causada
por Pseudomonas aeruginosa, Proteus spp. e Staphylococcus aureus . Pode ocorrer em indivíduos de qualquer idade, mas é mais frequente em pa- cientes de 7 a 12. Nadadores e indivíduos que têm contato com água contaminada são mais susceptíveis. A infecção profunda (otite maligna externa) é mais associada a imunodeprimidos e diabéticos.
9.3.5 Outras infecções
– Candidíase oral: comum em neonatos e pacientes imunocomprometidos,
principalmente após utilização de antibióticos de largo espectro; o diag- nóstico é direto, feito através de esfregaço em lâmina do exudato corado pelo Gram ou KOH, onde são visualizadas leveduras.