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CARACTERIZAÇÃO ESTRUTURAL E FUNCIONAL DAS HEMOGLOBINAS DO PEIXE PULMONADO Lepidosiren paradoxa (DIPNOI, FITZINGER, 1837) E

1. INTRODUÇÃO 1 Hemoglobinas

4.2.1 Equilíbrio de oxigenação em sangue total e stripped

Em L. paradoxa e H. unitaeniatus, os valores de P50 obtidos para os hemolisados

stripped em todos os tratamentos, exceto para o IHP em H. unitaeniatus, foram menores

do que os valores observados em sangue total, indicando um aumento da afinidade de ligação do oxigênio às moléculas de Hb nos hemolisados stripped.

A menor afinidade das Hbs ao oxigênio, observada nos experimentos em sangue, ocorre devido à regulação dos moduladores, tais como prótons (H+), fosfatos orgânicos, cloretos (Cl-), dióxido de carbono, bem como o efeito da temperatura (WEBER et al., 2000). Segundo WOOD et al. (1979), outros fatores também contribuem para a menor afinidade das Hbs em sangue, tais como: a) menor pH intraeritrocitário, b) maior concentração de Hbs nos eritrócitos com maior potencial de ligação e c) presença de CO2 no sangue que diminui o pH e consequentemente a afinidade das Hbs.

Neste estudo, as amplitudes do efeito Bohr e os valores de P50, detectados nos experimentos stripped e na presença de moduladores, foram menores em L. paradoxa quando comparados com os valores observados em H. unitaeniatus. Estes dados demonstram a princípio, que embora ambas as espécies sejam encontradas nos mesmos habitats, os hábitos de vida e o tipo de respiração podem contribuir para as diferenças

observadas nas propriedades funcionais das suas Hbs, determinando modificações funcionais em relação aos fosfatos orgânicos.

As Hbs de L. paradoxa, espécie de respiração aérea obrigatória, apresentam alta afinidade ao oxigênio, sendo provavelmente uma característica que lhe conferem maior resistência às variações ambientais e a baixa disponibilidade de oxigênio ao qual está sujeita durante os períodos de estivação. Característica semelhante também foi encontrada em numerosos anfíbios anuros (BOUTILIER e HEISLER, 1988; ANDERSEN et al., 2001), em outros dipnóicos como Protopterus aethiopicus (LENFANT e JOHANSEN, 1968) e Neoceratodus forsteri (KIND et al., 2002; RASMUSSEN et al., 2009) e em espécies de teleósteos com respiração aquática que habitam ambientes hipóxicos. As curvas de dissociação das Hbs de L. paradoxa em forma sigmóide, semelhante à descrita por JOHANSEN e LENFANT (1967) a 23oC e por BASSI et al. (2005) a 25oC resultam de alta cooperação entre as cadeias hemoglobínicas. Segundo ANDERSEN et al. (2001) que estudou as Hbs de anfíbios anuros, as curvas de Hb sigmóides possibilitam melhor captação e descarregamento de O2 aos tecidos sistêmicos (BOUTILIER et al., 1986; BOUTILIER e HEISLER, 1988; ANDERSEN et al., 2001).

A presença de receptores de dióxido de carbono encontrados nas vias aéreas distais de L. paradoxa (SANCHES e GLASS, 2001), anfíbios (WANG, et al., 1998) e répteis (GLASS et al., 1985; ULTSCH e JACKSON, 1996), o mesmo padrão de resposta quanto ao controle pulmonar dos anfíbios, com capacidade de difusão pulmonar e composição do surfactante pulmonar (WANG, et al., 1998; SANCHES e GLASS, 2001, BASSI et al., 2005), e a semelhança entre as propriedades funcionais das Hbs, sugerem que os dipnóicos podem ter precedido a transição ao ambiente terrestre,

podendo ser considerado grupo irmão dos tetrápodes (MEYER e DOLVEN, 1992; YOKOBORI et al., 1994; POUGH et al., 1999).

A influência do ambiente nas propriedades funcionais das Hbs são evidentes quando se analisa os valores de efeito Bohr dos peixes pulmonados Neoceratodus

forsteri (-0,62); Protopterus aethiopicus (-0,47) e Lepidosiren paradoxa (-0,24)

(LENFANT e JOHANSEN, 1968) e em duas espécies de peixes pulmonados africanos de diferentes ambientes como Protopterus aethiopicus capturados em lagoas profundas cujas Hbs apresentaram maior afinidade ao oxigênio em relação à espécie Protopterus

annectans, capturados em pântanos (OLDHAM e RIGGS, 1969).

As Hbs de H. unitaeniatus, espécie de respiração aérea facultativa, apresentaram menor afinidade ao oxigênio quando comparadas á L. paradoxa, com valores de P50 mais elevados em todos os tratamentos (exceto na presença de NaCl) e maior amplitude de efeito Bohr. RIGGS, et al. (1979), estudando as propriedades funcionais das Hbs de peixes da família erithrinidae, observaram menor afinidade das Hbs de H. unitaeniatus (P50 = 63 mmHg a pH 5,9) quando comparadas com Hoplias malabaricus.

O efeito Bohr, comumente encontrado em peixes, contribui para o suprimento de oxigênio nos tecidos, facilitando a captação do oxigênio nas brânquias e a liberação do mesmo para os tecidos (VAL e ALMEIDA-VAL 1995). Entretanto o significado das diferenças na amplitude desse efeito entre as espécies ainda não é clara (CRUZ, 2007).

Segundo POWERS et al. (1979), espécies submetidas à ampla variação de pCO2 e pH tendem a manter a regulação através de um efeito Bohr reduzido, pois durante a acidose, um efeito Bohr amplo, impediria a captação de oxigênio no epitélio branquial podendo acarretar morte.

Em H. unitaeniatus a maior amplitude de efeito Bohr na presença de moduladores, pode ser considerada como uma estratégia frente aos períodos de hipóxia

enfrentados pelo animal, uma vez que torna mais eficiente o suprimento de O2 aos tecidos. CRUZ, (2007), estudando o comportamento respiratório de Pterygoplichthys

anisitsi, espécie de respiração facultativa, observou elevação na amplitude do efeito

Bohr quando a espécie foi submetida à hipóxia, efeito também observado em

Hypostomus regani (VAL, et al., 1985), Gymnotus carapo (TAIPEIRO, 1993) e

Hoplias malabaricus (FRANCISCO, 1995). Provavelmente H. unitaeniatus utiliza,

além das propriedades funcionais de suas Hbs, outros mecanismos fisiológicos para o suprimento de O2 em situações de baixas concentrações do mesmo.

OLIVEIRA et al. (2004) estudando o efeito da temperatura e da hipóxia na respiração aérea acessória de H. unitaeniatus, verificaram que esta espécie ajusta com eficiência o consumo de O2 aos diferentes regimes térmicos com redução no consumo de O2 em baixas temperaturas e aumento nas temperaturas mais elevadas.

A espécie compensa as reduções de O2 do meio através de um acentuado e progressivo aumento na ventilação branquial, resultante principalmente do aumento no volume ventilatório. Esse mecanismo de compensação à hipóxia é característico de peixes que regulam eficientemente a tomada de O2 do meio e, aparentemente, é o mecanismo de menor custo energético para o animal (OLIVEIRA et al., 2004).

Com a elevação da temperatura, o aumento do P50 de 1,14 à 4oC para 13,46 mmHg á 40oC em L. paradoxa e de 1,90 para 20,89 mmHg em H. unitaeniatus, com a diminuição da afinidade Hb-O2, mostra a influência da temperatura e a termosensibilidade das Hbs das duas espécies.

BASSI et al. (2005) estudando a capacidade de difusão do O2 pulmonar em L.

paradoxa também observaram uma diminuição da afinidade Hb-O2 com aumento da

temperatura de 25 para 35oC. Entretanto, no presente trabalho, os valores de P50 e efeito Bohr foram inferiores aos demonstrados por BASSI, et al., (2005), que obtiveram

valores de P50 = 19 ± 4,3 e 27 ± 1,8 à 25oC nas porcentagens de 3 e 6 % de CO2 respectivamente e valores P50 = 30 ± 3,9 e 41 ± 1,0 à 35oC também a 3 e 6 % de CO2. Os valores de efeito Bohr encontrados por estes autores foram de -0,66 e -0,44 à 25 e 35oC respectivamente, resultados superiores aos encontrados no presente estudo. A diferença desses resultados dos encontrados no presente trabalho, podem ser devidos à: (1) nossos estudos foram feitos na ausência de CO2 enquanto os estudos citados foram feitos na presença de CO2. O aumento das concentrações de CO2 diminui o pH sanguíneo deslocando a curva de dissociação Hb-O2 para a direita, diminuindo a afinidade das Hbs ao O2 (efeito Bohr), favorecendo o descarregamento de O2 para os tecidos sistêmicos. Além disso, o CO2 liga-se diretamente aos grupamentos aminos terminais das moléculas de Hbs, o que também promove o deslocamento da curva para direita, ou (2) nos estudos realizados por BASSI, et al. (2005), utilizou-se sangue total e em nossos experimentos foram utilizados Hb stripped, ou seja, Hb isenta de moduladores.

Os valores de logP50 obtidos a 40oC foram os mais próximos dos encontrados em sangue, apesar desses últimos terem sido realizados a temperatura ambiente (25oC a 30oC). Estes valores são significativos uma vez que essas espécies são encontradas em águas doces tropicais, que se caracterizam por uma combinação de temperaturas que podem chegar a 36oC (HARDER et al., 1999) e baixas concentrações de oxigênio na água.

O aumento da temperatura corporal em peixes acarreta aumento da captação de O2 pelos tecidos com deslocamento da curva de saturação Hb-O2 para a direita. Concomitante a redução do pH sanguíneo (CLAIBORNE e HEISLER 1984), o aumento PCO2 (SONCINI e GLASS, 1997, 2000), e o aumento da freqüência respiratória (GLASS, 2007), contribuem para o maior suprimento de O2 para os tecidos sistêmicos (DEJOURS, 1981) e maior eliminação de CO2.