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3.1 Revisão Bibliográfica

3.1.3 Impacto dos fogos na parte quantitativa do ciclo hidrológico

3.1.3.2 A resposta do ciclo hidrológico ao fogo: o escoamento superficial,

3.1.3.2.3 Escoamento directo

Uma das componentes do escoamento superficial, o escoamento directo, é também analisada de um modo particular em diversos estudos, com o objectivo de determinar os efeitos decorrentes do fogo na resposta hidrológica das áreas afectadas. Shakesby e Doerr (2006) referem que o escoamento directo pode ocorrer devido à saturação do meio subterrâneo até à superfície e/ou devido à taxa de infiltração ser inferior à taxa de precipitação. Esta última situação pode decorrer devido ao desaparecimento de obstáculos (e.g. vegetação e folhada), que se opõem ao desenvolvimento do escoamento directo através da atenuação da energia da lâmina de água, assim como devido à formação de uma camada repelente na superfície do solo que reduz a capacidade de infiltração (Ferreira et al., 2005), sendo estes efeitos e outros abordados mais adiante no presente trabalho.

Exemplo de um estudo que aborda particularmente o efeito do fogo sobre o escoamento directo é o realizado por Mayor et al. (2006). Neste estudo procedeu-se à análise da resposta hidrológica ao fogo, através da monitorização do escoamento e de sedimentos por um período de sete anos após a sua ocorrência, verificando-se um aumento do escoamento directo anual nos primeiros 3 anos, diminuindo progressivamente a magnitude de tal perturbação. Contudo ao quinto ano ainda eram notáveis as diferenças no escoamento entre a área de estudo ardida e a de controlo, sendo mínimas ao sétimo ano. A diferença do escoamento directo no período de estudo entre a bacia ardida e a de controlo foi de 35 mm e 0,03 mm, respectivamente. Outro aspecto interessante que menciona o referido estudo, foi o número de ocasiões em que se verificou a existência de escoamento à superfície, tendo-se registado 31 eventos no caso da área ardida contra apenas 13 no caso da área de controlo (não ardida).

Ferreira et al. (2005) abordam também o efeito do fogo sobre o escoamento directo, fazendo esta análise a diferentes escalas e utilizando diferentes abordagens (e.g. considerando diferentes classes de severidade do fogo); mais concretamente analisaram o efeito do fogo a uma “micro-escala” (área ardida com 0,24 m2), utilizando para o efeito um simulador de

precipitação de acordo com Cerdá et al. (1997), com períodos de simulação a variar entre 45 min. e 1 h, efectuando a medição do escoamento directo e do teor de humidade no solo a cada minuto de simulação. Outra escala de análise foi também utilizada, tendo-se considerado talhões de 8x2 m, contabilizando o escoamento directo através da sua captação em “tanques

de armazenamento”. Foi também analisado o escoamento superficial a uma escala ainda mais ampla, considerando uma área ardida de floresta (<1,2 km2). Através deste estudo os autores

constataram que o fogo induz um aumento no escoamento directo para as diferentes escalas consideradas, variando a magnitude de tal alteração com a severidade de fogo considerada, como se verifica no Quadro 8.

Quadro 8 – Valores de escoamento directo e escoamento superficial (bacia) para áreas ardidas, sobre

diferentes características de fogo e para áreas não ardidas compostas por pinhal e matos, segundo a escala de análise.

Área não Ardida Fogo Controlado Fogo Selvagem

Pinhal “Mato” Cadafaz Gestosa Caratão Senhor da

Serra

Micro-escala (0,24 m2)

(% precipitação) 5,5 <1 14,4 23,2 65,1 54,9

Talhão (16m2) (% precipitação) 0,09 0,05 0,08 11,6

Bacia (% precipitação)* 1,5 15,5 - 48,5

* Valores correspondentes ao escoamento superficial.

Fonte: Ferreira et al. (2005)

Para além destes dois estudos, são também referidos alguns resultados relativos ao escoamento directo, parte deles mencionados em alguma da literatura supracitada, como o de Prosser (1990), citado por Shakesby e Doerr (2006), o qual constatou um valor superior para o escoamento directo em áreas florestais dominadas por eucalipto e recentemente ardidas, comparativamente a áreas não ardidas e possuidoras de semelhante coberto vegetal, indicando um aumento na ordem de 1,5-3 vezes; neste estudo foi atribuída como causa principal de tal acontecimento a hidrofobia criada à superfície do solo, decorrente do fogo. Maior divergência é apontada por Soler et al. (1994), aquando da análise do escoamento directo em talhões localizados em zonas de declive de 27-29º, correspondentes a florestas de carvalho localizadas na região da Catalunha, para os quais se verificou durante um período de 18 meses um maior escoamento directo face à área de controlo, na ordem de 14,6 vezes, devido à ocorrência de fogo considerado de média severidade.

Tendo em consideração o efeito da severidade, Vega e Díaz-Fierros (1987) reportaram que após um fogo de alta severidade numa floresta de Pinus pinaster, o coeficiente de escoamento directo foi, no primeiro ano após o fogo, 21 vezes superior ao da área de controlo, sendo que o valor para regiões de fogo moderado foi de 11. Apesar dos exemplos citados levarem a considerar que uma maior severidade conduz à ocorrência de um maior volume de escoamento superficial e/ou à sua ocorrência face a um menor valor de precipitação, convém salientar todavia que nem sempre existe um efeito claro entre a resposta do escoamento directo e a severidade. Esta situação é evidenciada por Benavides e MacDonald (2001), que encontraram apenas uma diferença ligeira para o escoamento directo entre uma área sujeita a um fogo severo e outra sujeita a um fogo de severidade moderada; em simultâneo verificaram que não existia diferença entre o escoamento de áreas afectadas por um fogo moderado e um

fogo de baixa severidade. Resultados semelhantes foram também obtidos por Soto et al. (1994).

Ainda quanto ao escoamento directo, alguns autores referem o facto de terem verificado que a ocorrência dos maiores coeficientes de escoamento surge após períodos secos, em detrimento dos períodos húmidos, comportamento este comummente atribuído ao incremento ou ao desenvolvimento da repelência da água por parte do solo (Walsh et al., 1994; Soto e Díaz-Fierros, 1998). De um modo geral pensa-se que este incremento reflecte um escoamento directo hortoniano, contrariamente à situação de escoamento directo resultante da saturação do meio subterrâneo (Soto e Díaz-Fierros, 1998; Doerr et al., 2000), embora ambos possam ocorrer simultaneamente, em especial aquando da presença duma camada repelente de água (presente à superfície ou ligeiramente abaixo desta), cuja distribuição é espacialmente heterogénea, permitindo a presença de locais hidrofílicos que consentem a molhabilidade do solo (Doerr et al., 2000; Shakesby e Doerr, 2006).

Apesar da atenção dada à formação de condições hidrofóbicas no solo como potenciadoras da ocorrência de escoamento directo, não se pode esquecer também outros efeitos do fogo, como a remoção do coberto vegetal e da folhada, compactação pela chuva, colmatação dos poros por partes dos elementos finos, entre outros, e que são também importantes para a intensificação do escoamento directo, como referido nos estudos de White e Wells (1982), Imeson et al. (1992), Shakesby et al. (1996), entre outros.