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Espécies categorizadas pela doutrina

2. FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO

2.4. ATOS-FATOS JURÍDICOS

2.4.2. Espécies categorizadas pela doutrina

Via de regra, a doutrina adota como critério de classificação dos atos-fatos jurídicos as situações jurídicas que deles decorrem. A eficácia jurídica dessa espécie de fato jurídico, portanto, ditará em qual classe os atos-fatos haverão de se enquadrar. Assim, três são as possíveis: i) atos reais; ii) atos-fatos caducificantes — porque têm por efeito a extinção de situações jurídicas em sentido amplo; iii) atos-fatos indenizativos — ou casos de responsabilidade sem culpa (contratual ou extracontratual).

Assente-se, por oportuno, a lição segundo a qual as classificações operam como método de estudo das ciências acerca de seus respectivos objetos, de modo que, antes de reputá-las

objeto127. Faz-se esse registro justamente porque, mais adiante, ao se efetuar o enquadramento do fato gerador da obrigação tributária principal como ato-fato jurídico, pretender-se-á realizar o seu enquadramento em das classes de atos-fatos; nesse mister, avaliar-se-á a necessidade ou não de se cogitar de uma quarta categoria.

Passe-se ao exame de cada uma dessas classes.

2.4.2.1. Atos reais.

Nessa categoria, a importância centra-se nas circunstâncias fáticas, geralmente irremovíveis, que advêm dos atos humanos. Noutros termos, ―é o fato resultante que importa para a configuração do fato jurídico, não o ato humano como elemento volitivo‖ 128

. Vale o resultado, independentemente de ter havido ou não a vontade em obtê-lo. A eficácia desse ato,

de regra, é a constituição de uma situação jurídica para quem o realiza ou para outrem,

sempre decorrente de modo direto do que prevê a norma, sem absolutamente irrelevante a manifestação de vontade nesse sentido.

Exemplos de atos dessa categoria são a ocupação, tomada de posse ou a aquisição de posse, abandono da posse, a aquisição da propriedade por descobrimento de tesouro, a aquisição de propriedade por parte do incapaz que realiza a pintura de um quadro, dentre outros. Observe- se que, em todos eles, há a conduta do homem que, mesmo que implique manifestação de vontade por algum modo, é tomada como puro fato, sem se investigar se e qual a vontade manifestada.

Insere-se nessa categoria de atos-fatos jurídicos o adimplemento (rectius pagamento). Com efeito, consiste este em ato-fato, porque no suporte fático de incidência há sempre uma conduta humana, tomada pelo ordenamento jurídico como avolitiva. O resultado de cumprimento da prestação por ato do devedor ou de terceiro (nas hipóteses em que o adimplemento por este é possível) é que importa para se produzir a eficácia jurídica de extinção da obrigação129.

127

Cf. CARRIÓ, Genaro. Notas sobre derecho y lenguage. 4.ª ed. Corregida e aumentada. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1994 , p. 99.

128 MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 12.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003,

p. 131.

Por essa razão, afirmou-se que a eficácia dos atos-fatos reais, em regra, é constitutiva positiva; há exceções, pois no caso do adimplemento, a eficácia é constitutiva negativa (ou desconstitutiva).

2.4.2.2. Atos-fatos caducificantes.

Outra categoria de atos-fatos jurídicos é a composta por aqueles cuja eficácia jurídica consiste na extinção de situações e/ou de relações jurídicas, fazendo desaparecer, por essa razão, as pretensões, ações ou exceções dela oriundas, ou então implicando o encobrimento dessas, independentemente de ato ilícito do titular daquelas situações jurídicas. São casos de caducidade sem culpa. Exemplos de atos-fatos desse jaez são a decadência, a prescrição e, no tocante á relação jurídica processual, a preclusão130.

Dizem respeito, pois, a fatos jurídicos que têm em seu suporte fático de incidência uma conduta humana — que de regra se enquadra como uma omissão —, tomada com abstração da vontade declarada ou manifestada que terá por eficácia a extinção de uma situação jurídica ou o encobrimento da eficácia de uma situação jurídica subjetiva.

No caso da decadência, o transcurso do tempo sem que o titular do direito potestativo venha a exercê-lo — criando, modificando ou extinguindo relações ou situações jurídicas, influindo, pois, na esfera jurídica de outrem sem que este precise adotar qualquer conduta para a satisfação daquele — produzirá a eficácia jurídica de extingui-lo, independentemente de ter havido vontade na conduta omissiva, ou mesmo que o resultado caducificante seja querido por qualquer dos sujeitos. O mesmo raciocínio serve para a prescrição, de modo que o não exercício da pretensão por parte de seu titular, levará ao encobrimento da eficácia da pretensão

que não se inseririam em nenhuma dessas três categorias (reais, caducificantes e indenizativos), deixando em aberto a categoria a inseri-los. Discordamos do enquadramento do usucapião como ato-fato jurídico, pois, como exige a posse ad usucapionem — e esta se caracteriza pelo exercício do poder físico sobre a coisa com a intenção de adquirir-lhe a propriedade, de sorte que, sem aquela intenção, não haverá usucapião — não se pode dizer que a vontade do sujeito não releva no suporte fático de incidência da respectiva norma jurídica para a sua configuração (Cf. MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 12.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 135-6).

130

Cf. MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 12.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 131.

como conseqüência da conduta omissiva daquele131. Não se cogitará se a inação decorreu ou não da vontade do titular.

2.4.2.3. Atos-fatos indenizativos.

Por derradeiro, existe a categoria de atos-fatos em que, embora não haja ilicitude ou culpa na conduta humana, surge, como eficácia do fato, o dever de indenizar, haja vista que produziu prejuízo a terceiro. Nessa categoria, não há a contrariedade ao direito; não há, portanto, ilicitude; nem se cogita de o autor ter agido com culpa em sentido amplo.

Compõem, pois, o suporte fático dessa categoria o ato humano avolitivo não contrário ao

direito e o dano ao patrimônio alheio132. Diz-se avolitivo não porque inexista vontade, mas porque esta é absolutamente irrelevante para a configuração desse fato jurídico; não contrário

ao direito, porque o ato em si não viola nenhuma norma jurídica. Se disso resultar uma lesão

ao patrimônio de outrem, surge o dever de indenizar.

São exemplos de atos-fatos que integram esta categoria: i) desforço incontinente no caso de agressão à posse para mantê-la ou a ela ser reintegrado, utilizando-se dos meios moderados, se, por acaso, posteriormente, há reconhecimento judicial de que a posse pertenceria a outrem; ii) situações de indústrias perigosas legalmente permitidas, a exemplo de estradas de ferro, que geram a responsabilidade objetiva para danos causados a terceiros (que não sejam passageiros ou remetentes de carga); iii) caça e pesca permitidos que, na sua prática, gerem prejuízos a terceiros.