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3.2 Terapeutas da Vila Alta e os espaços terapêuticos

3.2.2 Espaço Integral – Maíra, Jô e Kamala

Figura 22 - Espaço Integral

O espaço Integral é localizado próximo a praça Pedro Gomes, na rua São João na Vila Alta, acolhendo uma parceria de três terapeutas: Maíra, Jô e Kamala. Ocupa uma casa com uma grande sala onde ficam os equipamentos de pilates e fisioterapia e um quarto onde acontecem as massagens e atendimentos de florais e bioenergética, além de uma pequena cozinha e uma banheiro coletivo. A casa é antiga e decorada com vários elementos nova era, como incensários e cristais. Surgiu em 2017, em uma associação entre as terapeutas que alugaram o imóvel e construíram o projeto através do método Dragon dreaming, facilitado por Kamala. No espaço são oferecidos atendimentos de diversas técnicas terapêuticas direcionadas ao toque e ao cuidado no nível do corpo físico, além de venderem produtos fitoterápicos e naturais de higiene pessoal de outras produtoras locais.

Kamala oferece atendimento de pilates que visa a cura de posturas e fortalecimento de partes do corpo que refletem questões emocionais. Ela também é bastante reconhecida na comunidade dos chegantes por suas facilitações com o método dragom dreaming, um conjunto de técnicas conciliadoras para a facilitação de reuniões, divórcios, relações etc.

Maíra é formada em Naturologia, uma ciência que, conforme ela explica, integra várias técnicas ancestrais e naturais de tratamentos da saúde. Seu atendimento é baseado em diversas técnicas que são combinadas conforme a intenção e a condição de cada paciente: seus serviços compreendem nove tipos de massagem, terapias com pedras, argilas e florais, aromaterapia, reflexologia, auriculoterapia, dietas, tarô, dentre outras. As terapias podem ser contratadas separadamente ou combinadas a partir do relato do paciente em conjunto com as impressões e intuições da terapeuta48.

Jô é uma fisioterapeuta negra nascida na capital, que reside por certos períodos em Serra Grande intercalados com Salvador. Muito envolvida com as questões raciais, Jô tem se dedicado à Fisioterapia Biomolecular. Conforme ela relatou, trata-se de uma ciência que considera que as experiências ficam registradas no corpo do indivíduo. Dessa forma, as doenças que se manifestam no corpo são, em grande medida, resultado de traumas e experiências negativas que foram vivenciadas pelo indivíduo e guardadas em seu corpo.

Jô esclarece que sua intenção é desenvolver um mestrado em que ela aborde a questão racial encarnada no corpo como responsável pelos altos índices de depressão e outras doenças emocionais entre negros, causadas por essas experiências passadas manifestadas no corpo físico. Ela afirma ser comprovado cientificamente que um corpo pode manter registros de

quatro a sete gerações anteriores: considerando que o fim da escravidão possui menos de 140 anos, isso significa que ela carrega em seu corpo a escravidão vivida ao menos por sua avó e bisavó. Ela destaca que as mulheres de sua família vivem uma contradição no que diz respeito ao autocuidado, já que perderam sua conexão com sua ancestralidade. Suas formas de cuidado, como chás, ervas e rituais foram negadas pela ciência moderna branca e elitista, como descreveu. Ao mesmo tempo, mulheres negras e pobres da periferia não possuem acesso aos serviços de saúde modernos por falta de recursos financeiros e cognitivos de compreensão de um novo mundo. Como ela pondera: “Não acessam nem a terapias modernas – por falta de acesso – e nem as tradicionais que elas aprenderam a negar pela igreja. Aprenderam que o médico é que sabe o que é melhor pra elas” (Jô, 2018).

Jô ressalta suas matrizes ancestrais considerando-se afro-indígena, afirmando que buscar nossa ancestralidade faz parte do processo de cura. E é devido à sua matriz indígena que ela afirma que passou a trabalhar com florais da Amazônia como atendimento terapêutico. Como fisioterapeuta, diz cruzar as ciências sociais e a espiritualidade, promovendo um cuidado além do corpo estritamente biológico, apresentado pela fisioterapia tradicional. Envolvida nos estudos sobre Física Quântica, a terapeuta afirma que consegue trabalhar um indivíduo além do material.

3.2.3 - Casa Púrpura, Ludmila e Carla

A Casa Púrpura49, localizada próximo à praça Pedro Gomes, é uma pequena casa que foi inaugurada em 2017, apesar da parceria entre as duas profissionais ser anterior à sua fundação. Em uma sala acontecem as reuniões voltadas a gestantes e puérperas, onde Carla Daher, médica obstetra, e Ludmila Cavalcante, doula, fazem rodas de conversas entre as interessadas, além de atividades voltadas a gestantes, como yoga ou danças oferecidas por outros terapeutas que utilizam o espaço. A médica e a enfermeira atendem pré-natal e pós- parto majoritariamente na casa das gestantes e puérperas, sendo o espaço voltado para atividades mais grupais relacionados ao serviço de parto humanizado que oferecem.

49 Logo após a finalização do campo, a Casa Púrpura tornou-se Casa Amarela, agora sob o comando apenas de

Figura 23 - Casa Púrpura

Fonte: Acervo pessoal.

Meu conhecimento desse espaço terapêutico deu-se por meio da experiência de Alice e Gustavo, um casal vindo de Carangola/MG para Serra Grande com o objetivo de passar seis meses e vivenciarem o parto de seu filho Cauã. Conforme afirmou Alice em entrevista, a segurança de uma médica obstetra, combinada com a ideia de um parto humanizado e uma doula experiente no trabalho com essa médica foi o que os atraiu para a vivência.

Como já haviam vivido em Piracanga, Alice recebeu de diversas fontes a indicação de Carla Daher. Amigos de Piracanga, um primo de São Paulo, e assim ela foi “entendendo” que havia muitos sinais que os estavam orientando para ganhar o bebê em Serra Grande com a médica. Contato estabelecido, Carla auxiliou em todo o processo, desde a busca por moradia, mudança e gestação, oferecendo dicas de alimentação, de exercício e até de relacionamento,

além do acompanhamento médico de todos os exames até o parto e o pós-parto, com orientações sobre amamentação e cuidados com o bebê.

Como Alice destacou em seu relato, para ela era interessante observar como o “universo” os trazia para essa região, que era importante para o casal, já que foi o lugar em que se conheceram e aprofundaram a relação. Gustavo complementa falando sobre a praticidade de viver no lugar em que ele já conhecia todo mundo e como seria complicado comprar coisas orgânicas em uma cidade como São Paulo.

Em junho de 2017 o casal veio a Serra Grande para um “intensivo de consultas”, em que fizeram três consultas de várias horas cada uma com Carla, ao custo de 200 reais. Como Alice afirma, nessas consultas, a “dimensão biológica” era o menos importante: eles conversavam sobre alimentação, exercícios, emoções, sendo o estetoscópio o único aparelho utilizado nas consultas (para ouvir o batimento cardíaco do bebê). Sobre os exames, Carla pediu que refizesse alguns exames de sangue que estavam um pouco alterados e que, ironicamente, o médico do SUS viu e não se importou, já que, como afirmou Alice, ele pretendia realizar uma cesárea mesmo contra sua vontade e, se assim fosse, os indicadores do “sangue” não seriam tão importantes. Sobre outros exames, Alice afirmou que Carla não solicitava muitos; quando o casal manifestava o desejo de fazer algum, ela afirmava que podiam fazer se quisessem, mas que na verdade aquilo era apenas uma necessidade de controle, não era necessário realmente saber tais resultados. O “pacote” desse processo custou seis mil reais, incluindo uma visita com 36 semanas, o parto e quatro visitas pós-parto.