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2 A REVISÃO DE TEORIAS E A EXPLICITAÇÃO DE CONCEITOS

2.4 As possibilidades dos espaços públicos urbanos de lazer

2.4.2 Espaços públicos de lazer nas cidades contemporâneas

Pensar o espaço público nas cidades contemporâneas apresenta-se como tema de grande importância para a sociedade atual, pois os moradores das áreas urbanas estão perdendo gradativamente o espaço vital e, em decorrência, sofrem uma queda na qualidade de vida.

O lazer pensado na perspectiva do tempo livre e uma ação exercida neste remetem a um dos problemas que se apresenta na cidade contemporânea: o de organização dos espaços

destinados a tal fim e sua utilização. As reflexões sobre o espaço vital têm geralmente uma ênfase voltada para os espaços de trabalho e de moradia, ficando a utilização de espaços disponíveis, no tempo livre, à mercê das condições econômicas do indivíduo.

Então, a análise dos espaços públicos de lazer deve enfatizar o direito de todos, sendo necessário observar tanto os aspectos físicos e mecânicos das atividades neles desenvolvidas, bem como as carências da comunidade que os utiliza.

Ao caracterizar os aspectos desses espaços são tratados os termos “equipamentos” e “espaços” como sinônimos, já que o espaço é o suporte para os equipamentos que são os objetos que os organizam para determinadas atividades. Dessa forma, a análise recairá sobre o conjunto de espaço e equipamentos, que permite compreender melhor, as diversas possibilidades de seu uso.

A questão do lazer urbano não se restringe apenas à existência de condições ambientais favoráveis, como a existência de praias, rios, lagoas e reservas florestais, sendo necessária, nas cidades, a implantação de certos sistemas de circulação, infra-estrutura, parques etc, que permitam os seus usos pelo citadino no tempo livre disponível.

Para classificar os espaços de lazer, são consideradas as suas possibilidades no cotidiano e é tratado principalmente o elemento distância em relação ao domicílio, o que permite agrupá-los como: espaços de lazer domésticos, considerados os que existem no âmbito privado; os espaços de lazer de vizinhança, os que permitem atividades que se praticam no meio imediato ao domicílio, no cotidiano banal e os espaços de lazer turísticos, os que exigem maiores deslocamentos, inclusive pernoite (RODRIGUES, 2002).

Os lugares turísticos são abordados ao apresentarem relações com aspectos do lazer de vizinhança. A principal característica do lazer turístico, atualmente, é seu caráter de consumo, mercadoria utilizada principalmente por indivíduos que dispõem de condições financeiras para arcar com as despesas de deslocamento e estada nestes locais. O turismo causa bem-estar

para quem o desfruta, porém muitas vezes agrava os problemas da população local, supostamente beneficiada pela economia gerada por essa atividade.

Algumas marcas são deixadas pelas atividades turísticas no espaço urbano. Entre elas temos: o aumento da prostituição, elevação do custo de vida, maior especulação imobiliária, choques culturais e poluição.

O lazer doméstico (localizado na própria residência) é outro fenômeno cada vez mais percebido nas camadas de maior renda o que vem dificultando o entendimento da necessidade de espaços públicos destinados ao lazer, no âmbito das classes média e alta, pois, o espaço privado de lazer ganha uma importância crescente, principalmente para os que têm acesso aos bens de consumo, entre eles: a Internet, as áreas nos condomínios fechados, shoppings, clubes etc. Porém, os espaços privados não se constituem da mesma forma em espaço atrativo de lazer para a camada de menor poder aquisitivo. Devido a sua falta de condições materiais, não dispõe, geralmente, em suas residências, de áreas que propiciem a recreação.

Sendo assim, com a ausência de espaços públicos de lazer nas cidades, é exatamente a camada mais pobre da população que é empurrada para dentro de suas casas no tempo disponível para o lazer, e a que menos tem condições de desenvolver atividades produtivas no âmbito doméstico. Nas residências dos mais pobres, o espaço é exíguo tanto em termos de área construída como de quintais ou áreas coletivas, quando existem. Os espaços públicos de lazer são, então, de uma grande importância para os de menor renda, permitindo-lhes maior convívio social e melhor qualidade de vida. Conseqüentemente, maiores possibilidades do exercício da cidadania.

Atualmente, nas cidades, a desvalorização dos espaços públicos acessíveis é um fenômeno que ocorre paralelamente à privatização da esfera arquitetônica pública: os parques são abandonados ou cercados; as praias tornam-se segregadas e privadas, e, as ruas ficam desoladas e carregadas de perigos reais ou imaginários. Segundo Santini (1993, p. 43),

O solo urbano acaba por se tornar solo para construir, no sentido da especulação imobiliária, e a paisagem urbana é basicamente criada pelo homem para seu habitar. Dentro do crescimento desordenado e desequilibrado das grandes cidades, um dos aspectos mais vulneráveis é o dos espaços destinados ao lazer.

O planejamento urbano, no que se refere à prioridade dada aos espaços de fluxos em detrimento dos espaços destinados à permanência de comunidades, é reflexo de uma lógica urbana que também menospreza os espaços públicos de lazer. Assim, áreas livres, sem outra função urbana que o lazer, foram cedendo espaço para avenidas e automóveis, prédios, indústrias e até mesmo terrenos para especulação. O convívio real e pessoal nas cidades vai se enfraquecendo (SANTINI, 1993).

Nas cidades de hoje, os poucos espaços vazios que existem são utilizados, geralmente, de acordo com a lógica do mercado e da especulação imobiliária. Os espaços livres encontrados nas cidades não são planejados para o convívio, existindo, por parte do poder público, uma preocupação permanente com obras de alargamento de avenidas, construção de túneis, viadutos e pontes, ou seja, o aumento do espaço de circulação para veículos, o que qualifica o espaço público com características de espaço de passagem.

A verticalização, fenômeno crescente em muitas cidades médias e grandes, também vem se constituindo em formas que desvalorizam os espaços públicos, pois, ao concentrar moradias, não libera áreas livres para atividades coletivas, e muitas vezes, incorpora, indevidamente, como apêndice privado, outros espaços contíguos aos condomínios. A implantação das “áreas de lazer” nos edifícios está longe de corresponder à função de socializar perante a vizinhança, tornando-se áreas privadas, muitas vezes, de pouco convívio entre pares e raramente entre diferentes.

Quanto ao lazer de vizinhança, percebe-se que os espaços livres das proximidades das residências geralmente não são planejados adequadamente com equipamentos públicos de lazer, notando-se, em muitos casos, a ausência de mobiliário como: bancos, fontes de água e

bebedouros, ou arborização, quadras poliesportivas etc. Nessas condições, não se tornam áreas convidativas à permanência e, conseqüentemente, à convivência social.

Para Marcellino (2001 a), democratizar o lazer no espaço urbano implica a democratização do espaço. Porém, o espaço nas cidades é sujeito à especulação imobiliária, que o racionaliza para receber mais pessoas por metro quadrado de terreno e reduz as unidades habitacionais dos pobres à dimensão mínima, além de valorizar, excessivamente, os vazios urbanos já dotados de infra-estrutura.

Outra questão importante quando se trata do lazer de vizinhança, refere-se às distâncias entre as unidades de moradia e os equipamentos específicos para o lazer, fato que se verifica na maioria das cidades, e são uma barreira socioeconômica para utilização desses equipamentos pelas classes de menor poder aquisitivo, pois os mais pobres necessitam pagar tarifas de transportes urbanos, em seus deslocamentos, para utilizá-los.

O citadino necessita, nesses termos, de áreas próximas à sua moradia para que lá exerça atividades de lazer, evitando os deslocamentos, que já consomem parte do tempo disponível para essas atividades (SANTINI, 1993).

Portanto, a ação democrática, em relação aos espaços de lazer, necessita abranger a construção de equipamentos públicos em locais adequados e acessíveis, além de envolver uma mudança da mentalidade na utilização dos equipamentos, na busca de uma maior participação popular em atividades comunitárias, como também deve envolver a luta em defesa de um patrimônio ambiental-urbano e de uma melhor qualidade de vida.

Geralmente, as atividades de lazer oferecidas nos espaços públicos são impostas artificialmente e não permitem maior autonomia pessoal. Os equipamentos de lazer urbanos têm também apresentado uma tendência à privatização, tornando-se, muitas vezes, produto do mercado. As empresas de entretenimento estão aumentando, significativamente, seu poder em busca de transformar os espaços públicos em projetos empresariais que acabam prejudicando

o morador do local, muitas vezes com ajuda do Estado. Os lugares se descaracterizam diante da sobreposição de produtos de lazer que estão na moda no mercado mundial e apresentam pouca identidade com o local.

Para se possibilitar um lazer criativo e participativo para todos, é necessária uma justa distribuição do tempo e do espaço, somada a uma ação cultural democratizante, tendo por base a cultura popular que apresenta como ponto de referência o patrimônio cultural das artes, das ciências e da filosofia, articulada com uma postura crítica, para evitar o conformismo da imitação e reprodução simples do passado. O resgate do plano cultural, nesse sentido, não implica abandono das questões econômicas e políticas, que podem surgir a partir de movimentos reivindicatórios perante as possibilidades e limitações do cotidiano (MARCELLINO, 2001 a).

Assim, a democratização qualitativa e quantitativa do lazer não pode estar dissociada da realidade total, surgindo, assim, a reflexão acerca da superação das contradições existentes na vida social como um todo. É necessário refletir sobre os diversos tipos de privação e as possibilidades de distribuição dos bens materiais e culturais por todos. Dessa forma, ter acesso e oportunidades de lazer e delas usufruir coloca-se no mesmo campo dos anseios e expectativas em prol de suprir as necessidades humanas.

2.4.3 O poder público e as possibilidades dos espaços públicos urbanos de lazer

Enfatizar a importância social do lazer requer um entendimento dos espaços públicos como necessários ao convívio e ao encontro, e o despertar para a consciência de que o espaço urbano equipado e conservado para o lazer é indispensável para vencer diferenças pela solidariedade, o que possibilita uma vida melhor para todos.