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ESPECIFICIDADES DA ENTREVISTA DE ANAMNESE COM PESSOAS DE DIFERENTES GRUPOS ETÁRIOS

No documento PSICODIAGNÓSTICO - CLAUDIO HUTZ.pdf (páginas 97-102)

A entrevista de anamnese não segue a mesma estrutura para pessoas de diferentes grupos etários. Alguns aspectos são sempre examinados, independentemente da idade, como a configuração e as relações familiares, o número de pessoas da família imediata e a ocupação de cada membro, as características do ambiente doméstico, a rede de apoio do avaliando e as questões referentes à queixa. Recomenda-se que seja feita uma investigação da posição do avaliando no sistema familiar, que pode ser ilustrada por meio de um genograma – uma representação gráfica da família (Werlang, 2000). Os leitores interessados encontrarão um capítulo específico sobre genograma neste livro. Outros aspectos comuns a todas as entrevistas de ​anamnese incluem: (a) evolução da queixa, ou seja, há quanto tempo o avaliando apresenta o problema e se teve momentos em que ele foi mais ou menos comprometedor; (b) histórico de tratamentos de saúde atuais e pregressos; (c) uso de medicamentos; (d) efeitos do problema sobre o funcionamento psicossocial do paciente no momento atual; e (e) percepção do examinando em relação à queixa. Entretanto, alguns aspectos se tornam mais ou menos importantes do que outros dependendo da idade, o que implica a necessidade de adaptar as questões da anamnese a essas especificidades.

Na anamnese de crianças, a avaliação da história pré e perinatal e o alcance dos marcos do desenvolvimento têm uma importância central. Em relação à história pré e perinatal, são importantes informações sobre as condições de saúde física e mental da mãe durante a gravidez e após o nascimento do bebê, sobre a realização de acompanhamento pré-natal e sobre possíveis intercorrências na gravidez (quedas, acidentes e outros eventos significativos). Também devem ser registrados detalhes sobre o parto, sobre as condições emocionais e de saúde da mãe neste momento, sobre as condições da criança ao nascer, sobre o índice Apgar no primeiro e no quinto minuto, sobre as características e capacidades iniciais do bebê, sobre a reação dos pais, sobre a ocorrência de conflitos familiares na época, entre outros. É importante que seja investigada a possível exposição da mãe a teratógenos, agentes que podem causar danos estruturais na fase embrionária e no desenvolvimento do cérebro. Entre os principais teratógenos estão as doenças infecciosas, medicamentos como antibióticos, anticonvulsivantes, antidepressivos e antipsicóticos, o uso de drogas, a exposição a substâncias químicas como radiação, chumbo, mercúrio e fenilbenzenos, as deficiências de vitaminas e a subnutrição da mãe na gravidez (Belsky, 2010).

Em relação ao desenvolvimento da ​criança, deve-se explorar os indicadores esperados para a idade, envolvendo o período de alcance de um marco do desenvolvimento específico e a qualida​de com que a criança passou a ​desempenhar aquela habilidade. Questões importantes referem-se às capacidades linguísticas,

motoras, cognitivas, sociais, emocionais e adaptativas. Em relação à linguagem, pode- se questionar se a criança balbuciou nos primeiros meses, em que idade falou as primeiras palavras, qual a qualidade da fala, e qual a receptividade às ​tentativas de comunicação pelo adulto. A investigação dos marcos motores pode incluir se a criança engatinhou e em que idade, quando começou a andar, se teve problemas para manipular objetos ou locomover-se e se já houve o ​controle dos esfincteres diurno e noturno. As habilidades cognitivas podem ser avaliadas por meio de questões sobre a capacidade da criança em aprender coisas novas, a qualidade da brincadeira, os indícios de criativida​de, as dificulda​des em tarefas do dia a dia e o de​sempenho escolar, quando for o caso. A avalia​ção das interações sociais e dos aspectos emocionais pode incluir a vinculação inicial do bebê, a reciprocidade entre a criança e seus cuidadores imediatos, e os laços afetivos com outras ​pessoas próximas, como irmãos, parentes e colegas. Para crianças que já entraram na escola, pode-se investigar como reagiram à ampliação das interações sociais e à experiência de se separar de seus pais. Por fim, as capacidades adaptativas podem ser focadas no nível de autonomia e dependência da criança para resolver tarefas do dia a dia próprias para a idade, como vestir-se, alimentar-se e pedir ajuda a outras pessoas para atender às suas necessidades. Quando a ​criança não tem certas habilidades ou não desempenha comportamentos esperados para a idade, o psicólogo deve estar atento e verificar se isso se deve a uma capacidade reduzida devido a proble​mas desenvolvimentais ou a fatores ambientais, como, por exemplo, a superproteção dos pais. No último caso, essa percepção deve ser discutida com os responsáveis no final do psicodiagnóstico, mas não no momento da entrevista de anamnese. Outros aspectos bastante importantes a serem considerados na anamnese da criança referem-se à amamentação e ao desmame, à alimentação, à qualidade do sono – ​incluindo informações sobre com quem a criança dorme, se ela tem o próprio quarto, entre outras – e a sinais específicos, como chupar os dedos, roer as unhas, enurese, encoprese, explosões de raiva, tiques, medos excessivos, pesadelos, fobia, masturbação e crueldade com animais (Cunha, 2000).

Para que a anamnese não fique ​muito extensa, o psicólogo não precisa perguntar so​bre esses fatores um a um, mas pode fazer uma questão mais geral sobre se houve algum problema em determinada área e explorar respos​tas positivas do informante. Recomendamos a utilização de um roteiro básico, que deve permitir a inclusão ou a redução de questões de acordo com as informações que vão sendo coletadas na entrevista. Por exemplo, para investigar questões motoras, iniciamos por uma pergunta geral: “Com que idade ele/ela começou a caminhar?” e, se a reposta for “Por volta de um ano de idade”, não nos dedicamos a investigar com que idade firmou a cabeça ou engatinhou. Pressupomos que o desenvolvimento tenha sido conforme o esperado, já que é previsto que a criança caminhe por volta de um ano, e o alcance dessa habilidade

mais complexa indica o sucesso de etapas anteriores do desenvolvimento motor.

Em caso de a criança ser adotada, é necessá​rio tentar resgatar o máximo de dados possível da sua história pregressa. Às vezes isso se torna difícil, especialmente em casos de adoção em que não há a identificação dos pais biológicos da criança. Nesses casos, a triangulação de dados de diferentes informantes na anamnese, bem como os dados complementares da história da criança, têm muita relevância.

A entrevista de anamnese com adolescentes deve considerar as diversas mudanças que ocorrem nessa fase, especialmente as hormonais, físicas e relacionadas à formação da identidade. Os marcos do desenvolvimento na infância devem ser retomados de forma mais breve e geral, buscando-se identificar se problemas ocorridos na infância repercutem ou ainda persistem na adolescência. Deve-se dar atenção especial à socialização, ao interesse em relacionamentos íntimos, às questões relacionadas à sexualidade, ao histórico escolar e aos problemas específicos dessa fase da vida. Erickson (1976) caracterizou a adolescência como uma fase especial no processo do desenvolvimento, em que a confusão de papéis e as dificuldades para estabelecer uma identidade própria marcam a transição entre a infância e a vida adulta. Essa confusão de papéis está relacionada a várias crises e é, portanto, ​importante considerá-la em qualquer trabalho com adolescentes.

Quanto à socialização, as relações na adolescência tendem a se tornar mais amplas e importantes. Pode haver um afastamento dos pais devido a contradições de valores e interesses, fazendo os jovens se aproximarem mais de amigos e figuras de identificação. Comportamentos opositores podem surgir ou se acentuar nessa fase da vida. Na anamnese, deve-se investigar as relações do adolescente com os pais, irmãos, amigos, colegas, figuras de autoridade e de identificação (Cunha, 2000). Além disso, deve-se investigar o interesse do jovem em relacionamentos íntimos, seus possíveis conflitos e dificuldades com essa questão e aspectos relacionados à sexualidade, muito importantes nessa fase da vida.

A vida escolar também ocupa um papel de grande importância na adolescência, sendo a principal ocupação da maioria dos jovens. O desempenho acadêmico pode ser um importante indicador de potenciais problemas na vida dos adolescentes, sendo relevante ​analisar sua evolução no tempo. Por exemplo, se o adolescente tem um mau desempenho escolar em várias disciplinas, destoante de um padrão anterior de aproveitamento, isso pode assinalar a presença de eventos pontuais que começaram a afetar a vida do jovem em um dado ​momento. A identificação desses eventos pode ajudar a formular hipóteses sobre o que aconteceu paralelamente ao declínio do aproveitamento escolar e que, provavelmente, está afetando também outros âmbitos da vida do adolescente. Por sua vez, se o desempenho escolar é ruim, mas tem se mantido constante ao longo do tempo, isso pode sugerir um déficit cognitivo, o qual exerce uma

influência mais duradoura e pode explicar os prejuízos do aprendizado. Também é válido explorar os interesses gerais do adolescente, como seus hobbies, e suas perspectivas de futuro profissional, além de sua satisfação diante desses aspectos e seu potencial para realizar seus objetivos. Os níveis de autonomia, os sentimentos de autoestima e autoeficácia e possíveis conflitos com a aparência são importantes e devem ser considerados. Comportamentos problemáticos, como fugas de casa, uso abusivo de álcool e drogas, e atitudes contrárias às leis e normas sociais, quando bem analisadas, podem ​suscitar hipóteses para o processo psicodiagnóstico.

Na anamnese com adultos, o desenvolvimento nas fases anteriores da vida é investigado em termos da possível ocorrência de problemas pregressos relevantes, sem grande ​detalhamento. As questões mais importantes referem-se às de​mandas desenvolvimentais esperadas nos âm​​bitos sexual, familiar, social, ocupacional e físico. Hutteman, Hennecke, Orth, Reitz e Specht (2014) propõem que os aspectos mais centrais da vida dos adultos podem ser organizados em cinco domínios: (1) relacionamento íntimo, (2) vida familiar, (3) vida profissional, (4) vida social e (5) alterações físicas. Quanto ao relacionamento íntimo, é esperado que nessa fase da vida os adultos encontrem um parceiro e se adaptem à convivência com ele. Na entrevista de anamnese, é importante que seja avaliada a qualidade das relações com o parceiro ou cônjuge, envolvendo a satisfação geral com a ​relação, a área sexual, os padrões comportamentais do casal, os pontos positivos e possíveis ​problemas enfrentados. Para os adultos que não estão em um relacionamento íntimo, é importante verificar as expectativas com esse tipo de ​relação e a existência de relacionamentos prévios, bem como sua qualidade. Casos de divórcio, de novos casamentos, de perda do cônjuge ou de re​sistência em se envolver afetivamente devem ser explorados com atenção, pois podem fornecer elementos significativos para a compreensão da queixa.

Quanto ao domínio da vida familiar, deve-se enfocar a qualidade das relações e de tarefas como administrar o lar e dividir responsabilidades com os demais membros da família. Deve ser dada atenção especial à relação com os filhos, quando for o caso, e com as responsabilidades envolvidas na maternidade/paternidade. Possíveis problemas de relacionamento na família, bem como a necessidade de prover cuidados contínuos a uma pessoa doente, devem ser foco de atenção.

Em relação à vida profissional, que tem papel central na vida do adulto, merecem atenção a situação ocupacional, a satisfação com o próprio desempenho na carreira, a concretização ou não de planos e metas de vida, a satisfação com o trabalho e com as condições financeiras, e os relacionamentos com a chefia, colegas e subordina​dos. Mudanças recorrentes de emprego, estresse ou esgotamento emocional relacionados ao trabalho devem ser considerados com atenção. No caso de adultos aposentados, deve- se considerar os sentimentos predominantes nes​sa nova fase da vida.

Quanto à vida social, deve-se buscar informações sobre a rede de contatos do adulto e a importância que ele atribui aos seus relacionamentos. Pode-se investigar a capacidade da pessoa em se divertir e fazer atividades em grupo para além do ambiente de trabalho. As alterações físicas dessa etapa da vida também podem ser abordadas, assim como questões relacionadas à fertilidade e possíveis preocupações com a saúde. No caso de adultos de meia-idade e idosos, pode-se abordar a adaptação a mudanças físicas indesejadas, como aquelas relacionadas a hormônios (menopausa ou andropausa), envelhecimento da pele e diminuição da força física. Na anamnese de adultos também é importante abordar o enfrentamento de mudanças ocorridas ao longo dos anos, bem como reações diante de crises, adversidades e outras situações críticas e estressantes (Cunha, 2000). Na anamnese com idosos, é importante considerar aspectos do envelhecimento e perdas ocorridas ao longo da vida que possam estar relacionadas à queixa.

COM QUEM DEVE SER REALIZADA A ENTREVISTA DE

No documento PSICODIAGNÓSTICO - CLAUDIO HUTZ.pdf (páginas 97-102)