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Estatuto dos mediadores de conflitos

CAPÍTULO 2 – MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

2.5. As escolas de mediação

2.8.1. Estatuto dos mediadores de conflitos

De acordo com a Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ) o Livro Verde sobre modos alternativos de resolução de litígios em matéria civil e comercial de 2002 resultou em duas importantes iniciativas: a elaboração de uma proposta de Diretiva e a redação de um Código Europeu de Conduta para Mediadores, também denominado Código Deontológico Europeu dos Mediadores pela Comissão Europeia128. Este foi formalmente apresentado no ano de 2004 e enumerou um conjunto de princípios a serem respeitados tanto em nível individual como organizacional pelos profissionais da mediação. O principal objetivo do Código era garantir confiança para as partes tanto em relação ao mediador como ao procedimento de mediação.

128 Disponível em: http://www.dgpj.mj.pt/sections/gral/mediacao-publica/mediacao-anexos/codigo-europ

eue/downloadFile/file/Codigo_Europeu_de_Conduta_para_Mediadores_13.03.2014.pdf?nocache=13947 07997.85

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O Código de forma breve define o que é mediação e estabelece que suas disposições em nada interfiram na legislação nacional em vigor. Por isso prevê a possibilidade de desenvolvimento de códigos mais detalhados pelas entidades de acordo com o serviço específico de mediação que prestarem. Também aponta alguns princípios que foram reproduzidos pela Lei da Mediação portuguesa dentre os quais se destaca a competência. Esta é prevista como uma condição determinante do exercício da mediação, sendo auferida tanto na formação adequada como pelas ações de formação contínua de melhoramento das aptidões do mediador com vistas a alcançar os mais rigorosos critérios de qualidade e acreditação.

O Código dispõe ainda sobre regras do procedimento da mediação como dever de informar as partes sobre voluntariedade da mediação, confidencialidade, utilização de forma escrita se as partes assim o quiserem, possibilidade de ouvir as partes separadamente e a prévia definição de honorários entre mediador e mediados. Também são exigidas neutralidade e imparcialidade tanto na ação quanto no posicionamento do profissional, isto quer dizer que além de não poder ter interesse no resultado o mediador deve ter capacidade de promover o processo sem uma solução unilateralmente vantajosa.

Posteriormente ao Código Europeu, a Lei da Mediação portuguesa também estabeleceu um estatuto para mediadores nos arts. 23.º a 29.º, aplicável a todos os profissionais que prestem serviço no território nacional, seja no âmbito privado ou nos serviços públicos de mediação129. O art. 24.º da lei especifica que a formação para mediadores de conflitos exige frequência e aproveitamento em cursos ministrados por entidades formadoras certificadas pelo serviço do Ministério da Justiça definido em portaria do membro do governo responsável pela área da justiça. No que se refere à idade, somente para o serviço público de mediação é prevista a idade mínima de 25 anos.

Lopes e Patrão (2016, p. 169) informam que apesar de a lei admitir que a mediação possa ser conduzida por qualquer pessoa de confiança das partes são exigidos requisitos mais restritos para a mediação como atividade regulamentada, bem como só é permitido o acesso às listas públicas de mediadores àqueles que comprovarem a

129 Conforme previsto no próprio Código Deontológico Europeu dos Mediadores sobre a faculdade dada

às organizações prestadoras do serviço de mediação de elaborar códigos mais pormenorizados de acordo com suas necessidades e domínios específicos. Disponível em: https://www.dgpj.mj.pt/sections/gral/med iacao-publica/mediacao-anexos/codigo-europeu-de/downloadFile/file/Codigo_Europeu_de_Conduta_par a_Mediadores_13.03.2014.pdf?nocache=139470797.85.

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formação pelas entidades certificadas. Mas não são definidos pela lei os termos dessa certificação. Os autores afirmam ainda que a mediação no mercado livre é sempre possível aos portugueses, mas no que se refere aos nacionais de países terceiros que desejem acessar ao catálogo do art. 9.º, é exigido o cumprimento integral dos requisitos do sistema regulamentar de mediação.

Para os autores (Lopes e Patrão, 2016, p. 169) foi intencional, por parte do legislador português, estabelecer um mercado duplo de serviços de mediação: um livre caracterizado pela prestação esporádica e ocasional do serviço, onde o mediador de qualquer nacionalidade pode ter acesso; e outro regular caracterizado pela estabilidade, regularidade e formação adequada do mediador cujo exercício do serviço deve cumprir os requisitos legais previstos.

Mas Lopes e Patrão (2016, p. 165) defendem que o estatuto não esgota as garantias e exigências relativas ao mediador e deve ser complementado por códigos de conduta e deontológicos próprios, uma vez que o legislador ficou aquém do esperado em pontos importantes, como por exemplo, quanto à fiscalização do exercício da atividade da mediação privada. Para Cebola (2013) citada em Lopes e Patrão (2016, p. 169) a formação adequada do mediador garante a qualidade do profissional, independentemente do grau universitário que pode até mesmo ser substituído por experiência profissional. Já Gouveia (2012) também citada em Lopes e Patrão (2016, p. 169) acredita que existe um padrão de mediação que deve ser abordado na formação e fiscalização da atividade do mediador.

CONCLUSÃO DO CAPÍTULO 2

Após a visão geral sobre os meios de RAL do primeiro capítulo, o segundo abordou de forma específica a mediação de conflitos. Iniciou com recorte histórico, mencionou alguns exemplos europeus de mediação até chegar em Portugal. Porém, antes de detalhar os demais aspectos desse procedimento abordou-se o sistema jurídico brasileiro e a consciência da mediação em razão da motivação da investigação já exposta na introdução.

Adentrando-se no procedimento propriamente dito foram listadas as principais escolas doutrinárias, as fases da mediação e também os princípios de acordo com a Lei n.º 29/2013, de 19 de abril. Também se tratou sobre o mediador de conflitos tanto em

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nível conceitual doutrinário como também legislativo por meio do Estatuto do Mediador que encerra o capítulo sobre o tema.

Apesar da reconhecida antiguidade na prática da mediação por vários povos tanto no Oriente como no Ocidente, em Portugal pode-se dizer que é recente e surgiu visando dar cabo à crise da Justiça verificada no início da década de 1980. Mas é preciso ressaltar que esta visão é duramente combatida pelos defensores da mediação como meio mais adequado de solução de conflitos e não como mera alternativa à morosidade e inflacionamento processual dos tribunais.

Para Sousa (2002, p. 25-26) são inúmeras as vantagens desse método dentre os quais destaca: custos inferiores aos tribunais judiciais e arbitrais; celeridade; poder de decisão nas mãos dos envolvidos; facilitação de soluções pelo seu processo estruturado e inexistência de perdedor ao final da contenda.

No mesmo sentido Elizabete da Costa Pinto (2017, p. 76) defende que a mediação é baseada na cidadania, na justiça e na paz social vez que, ao partir do pressuposto de que as partes possuem o conhecimento único de suas próprias realidades, promove a justa composição dos conflitos ao garantir o empoderamento e a autodeterminação dos sujeitos na construção de soluções em que ambas saem ganhando.

Sobre a autodeterminação Vargas (2006, p. 55) explica que consiste na ideia de que cabe às partes o pleno domínio do procedimento do qual podem a qualquer tempo desistir, sendo elas as detentoras da melhor capacidade para avaliar suas necessidades e assim achar a solução do conflito com responsabilidade. Para a autora, o estímulo à autodeterminação presente no procedimento representa a própria filosofia da mediação.

Para Shabbel (2016, posição 380) a mediação visa à humanização das relações por meio do reconhecimento e da aceitação das diferenças. Também possibilita a descoberta de interesses entre as partes através de um procedimento que lhes permite assumir uma postura de colaboração e cooperação entre si. Além disso, estabelece acordos onde a responsabilidade de cumprimento cabe às partes o que garante maior comprometimento e satisfação para ambas ao final da contenda.

Kazuo Watanabe (2006) citado por Zanferdini (2012, p. 245) vai além ao afirmar que “a mediação deve ser praticada como forma de pacificação da sociedade e não somente como solução de conflitos (...), pois é muito mais importante a atuação dos profissionais do direito em prol da pacificação social do que na resolução de litígios”.

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Mas Sousa (2002, p. 31-33) destaca que este procedimento não está livre de possíveis inconvenientes e limitações que podem estar relacionados com a credibilidade do mediador, com a finalidade visada pelas partes ou com a natureza do direito ou interesse em causa. No primeiro caso aponta a falta de exclusividade da função de mediador que pode gerar insegurança nas partes. No segundo, questiona o uso da mediação como meio para nebular acordos indevidos ou inescrupulosos. No terceiro, relembra a existência de casos não mediáveis como, por exemplo, aqueles onde não possa ser exercida a voluntariedade das partes.

Apesar do reconhecimento legislativo, do desenvolvimento doutrinário e dos incentivos em níveis europeu e local para a mediação de conflitos, Maria Clara Calheiros (2014, p. 59) revela que ainda existe resistência na adoção desse meio por parte dos advogados portugueses, seja por receio sobre o papel delegado à função da advocacia perante a mediação, seja pela abordagem equivocada sobre o método como política pública da área da Justiça130. A autora rechaça ambos os argumentos.

No primeiro caso, Calheiros (2014, p. 60) destaca que o uso dos meios de RAL não significa a perda de clientela pelos advogados, muito e antes pelo contrário, vez que, ao deter o conhecimento técnico tanto sobre o direito processual como do direito substantivo discutido, será figura essencial para auxiliar seu cliente na escolha do melhor e mais adequado método a ser adotado em cada situação.

Sobre essa problemática a autora informa que é possível observar a inclusão nas grades curriculares dos cursos de direito o estudo dos meios de RAL, o que já é de grande valia, mas não basta, pois são os profissionais do direito que atuam hoje os principais instrumentos capazes de reverter em si mesmos e na sociedade a cultura demandista e paternalista de aceder única e exclusivamente ao Poder Judiciário.

No segundo caso, Calheiros (2014, p. 61) afirma que na maioria das vezes o enfoque dado à mediação e aos demais meios de RAL leva a uma interpretação errônea de que se trata de solução para os problemas de pendências dos tribunais e economia de recursos na administração do Sistema Judiciário. Para a autora, além de contraproducente, tal ideia leva à desvirtuação da essência desses meios como garantia de direitos como realmente devem ser.

130 Para Shabbel (2016, posição 221) são mitos que cercam a mediação: terminada a mediação acaba a

atuação do advogado; este exerce papel limitado no procedimento e não controla os resultados da mediação; o patrono perde mais do que ganha ao sugerir a mediação, principalmente em honorários.

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Além disso, Calheiros (2014, p. 61) acrescenta outro equívoco no âmbito de aplicação da mediação, causado pelo caráter interdisciplinar dos estudos sobre o tema e da valorização da componente emocional envolvida nos conflitos. Com isso, tanto o objeto como o propósito do procedimento podem não restar claramente definidos e com isso ocasionar insegurança e desconfiança nos utentes. Mas a autora ressalta que a mediação visa à tutela de direitos e não à recuperação ou reintegração de sentimentos ainda que valorize as relações entre os conflitantes e vise à manutenção delas.

Assim como ocorreu no primeiro capítulo sobre os meios de RAL, também aqui prevaleceu o entendimento de que as vantagens superam as possíveis desvantagens no uso da mediação. Calheiros (2014, p. 62) ressalta que a experiência de outros países demonstra seu papel como meio melhor e mais adequado para tutela de vários direitos131, portanto, em Portugal, é sobre este aspecto que se deve centrar o debate sobre a justiça e não sobre o que seja mais barato, fácil e rápido para o Estado. Nas palavras de Calheiros, “não se trata de justiça low cost, express ou sucedânea”, mas um meio mais completo de garantia de acesso ao direito e aos tribunais conforme previsto no art. 20.º da CRP.

131 Schabbel (2016, posição 214) revela que o ponto mais valorizado na mediação é a aplicação das

decisões, ou seja, o fiel cumprimento do acordo. A autora informa que segundo estudo realizado nas Cortes americanas somente 20% dos acordos obtidos por este meio não foram cumpridos contra 50% dos julgados dos tribunais de pequenas causas.

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