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As entrevistas foram analisadas de acordo com a análise de compreensiva por trabalhar com contextos histórico-sociais e produção de significados. Adotou-se aqui a análise compreensiva proposta por Max Weber (1972), a qual indica que o estudo sobre as relações sociais deva ser empreendido por meio da análise da experiência humana, buscando compreender os significados de experiências e considerando o contexto histórico e as relações com o aspecto da realidade que se deseja investigar. Deste modo, Weber (1972) propõe deslocar os estudos do social, das dimensões de sociedade, da coletividade e das associações com as ciências exatas, propondo não uma análise absolutizada, mas uma análise compreensiva. Neste sentindo, buscou-se entender os caminhos possíveis e procedimentos necessários para analisar as representações que as entrevistas conferem aos serviços de diagnóstico do teste de HIV.

Também foi considerada a análise de vulnerabilidade de Ayres et al. (2008), pois concorda-se com Parker (1994), Mota (1995) e Ayres (2003) que é necessária reflexão ampliada acerca da epidemia da aids, considerando além de comportamentos individuais, os diversos elementos estruturais existentes no contexto, que são fundamentais para compreender sua evolução e realizar avaliações de efetividade reais acerca das ações preventivas e terapêuticas em HIV e Aids.

Ademais, o conceito de vulnerabilidade de Ayres et al. (2008) possui convergências com os pressupostos da Saúde Coletiva, que conforme Sánchez e Bertolozzi (2007), analisa como os fatores estruturais influenciam o processo saúde-doença, considerando os determinantes sociais. Diante da complexidade do objeto de estudo, consideram-se diferentes aportes teóricos e metodológicos, bem como inclui o olhar de vários atores e saberes para melhor compreensão do fenômeno em estudo; considera a dimensão subjetiva, dando lugar aos significados e às representações que os indivíduos possuem acerca de algum evento da vida para entender atitudes e comportamentos diante do mesmo.

Sobrepujando a relação tecnocrata entre o conhecimento individual e práticas de saúde, a vulnerabilidade é definida como:

[...] a chance de exposição das pessoas ao adoecimento como resultante de um conjunto de aspectos não apenas individuais, mas também coletivos, contextuais, que acarretam maior suscetibilidade à infecção e ao adoecimento e, de modo inseparável, maior ou menor disponibilidade de recursos de todas as ordens para se proteger de ambos (AYRES et al., 2008, p. 127).

Desse modo, o processo saúde-doença, sob a ótica da vulnerabilidade, deve ser compreendido contextualmente, por meio da avaliação dos seguintes eixos ou componentes: individual, social e programático ou institucional, sintetizados no Quadro 1.

Quadro 1 – Descrição dos eixos individual, social e programático que compõem a análise das vulnerabilidades.

Individual Social Programático

Grau de informação que as pessoas possuem sobre o problema. Capacidade de elaborar as informações e incorporá-las em suas ações cotidianas.

Interesse e a possibilidade de transformar a informação em práticas protetoras.

Os comportamentos individuais são compreendidos não como voluntários, mas em relação com o meio social no qual foram construídos.

Acesso aos meios de comunicação, escolarização.

Disponibilidade de recursos materiais.

Acesso às condições de bem-estar social, como moradia e bens de consumo e aos recursos materiais. Poder de influenciar decisões políticas.

Possibilidade de enfrentar barreiras culturais.

Estar livre de violência e coerção ou poder e saber se defender delas.

São todos os esforços dos programas nacionais, estaduais e municipais para disponibilizar, de modo efetivo e democrático, os recursos sociais que os indivíduos necessitam para não se expor ao HIV e se proteger de seus danos.

Fonte: Ayres et al. (2008)

Ademais, ao analisar um fenômeno a partir da perspectiva da vulnerabilidade, devem-se considerar as seguintes características: a multidimensionalidade, significando que em uma mesma situação se está vulnerável a alguns acontecimentos e não a outros, e um aspecto que pode deixar suscetível a um evento pode proteger a pessoa de outro; o continuum de suscetibilidades, ou seja, pessoas sempre vulneráveis a alguns fatores em diferentes graus, que influenciarão na maior ou menor vulnerabilidade; a dinamicidade, isto é, a vulnerabilidade varia em dimensões e graus ao longo do tempo. Portanto, a vulnerabilidade não é uma identidade, é um estado sempre presente na vida em algum grau e em certo tempo e espaço. Perpassando todas essas características, há o pressuposto de que a vulnerabilidade

somente existe enquanto relação a algo ou alguém e, portanto há responsabilidade bilateral de ambas as partes (AYRES et al., 2008).

É válido ressaltar que a análise de um fenômeno a partir do conceito de vulnerabilidade não desconsidera a análise epidemiológica de risco na compreensão da epidemia em um determinado contexto, embora as diferenças conceituais e analíticas entre elas sejam bem demarcadas. Por isso, Ayres et al. (2008) recomendam uma vigilância terminológica para que vulnerabilidade e risco não sejam utilizados como sinônimos.

Diferente das análises de risco, o objetivo dos estudos de vulnerabilidades é estabelecer relações plausíveis entre elementos abstratos que possam ser associados aos processos de adoecimento por meio de coerência empírica e evidência prática e, a partir da conexão das partes com o todo, elaborar construções teóricas acerca desses nexos e suas influências sob o processo saúde-doença. Em outras palavras, eles produzem conhecimento a partir de relações que identificam “os potenciais‟ de adoecimento\não-adoecimento relacionados a „todo e cada um dos indivíduos‟ que viva em um certo conjunto de condições” (AYRES et al., 2008, p.132), a fim de intervir sobre suas suscetibilidade ao fenômeno em estudo.