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Sob diversos prismas é possível identificar a estrutura agrária concentrada do município de Monte Santo. Ainda assim, um dos principais elementos que saltam aos olhos neste sentido é a questão dos dados de evolução do Índice de Gini3, considerando os grupos de área em sua relação entre número de estabelecimentos e ocupação territorial. Desta forma, são colocados os dados do recenseamento do meio rural do município de Monte Santo, levando em conta os primeiros levantamentos feitos ainda na década de 1920 até os dados mais atuais, já do século XXI. Observa-se então a Tabela 1.

TABELA 1. ESTRUTURA FUNDIÁRIA DO MUNICÍPIO DE MONTE SANTO EM 1920.

FONTE: GEOGRAFAR, 2012.

A partir dos dados apresentados acima, reflete-se sobre quais bases se desenvolve o município em questão. Com formação indicada para o ano de 1837, Monte Santo teve sua emancipação definitiva no ano de 1929 pela Lei Estadual 2.192, ou seja, poucos anos depois destes dados aqui apresentados. É sob esta estrutura fundiária que se estabelece a lógica de produção do espaço (considerando a centralização do poder municipal), em que apenas duas propriedades representam mais da metade (53,1%) de toda a área do município.

No mesmo contexto é possível refletir em que situação se encontravam os menores estabelecimentos. Segundo os dados deste Censo Agrícola, trezentas e cinco unidades ocupavam apenas quinze hectares o que representa uma média de 0,05 hectares por estabelecimento. Estes dados apresentam um Índice de Gini que é o mais significativo de toda a série municipal: 0,965. Contudo é preciso ponderar a confiabilidade destes dados, posto que neste período, muito mais do que hoje, as formas de mensuração destas propriedades se davam de forma muita mais arcaica, o que pode ter levado a erros significativos. Mesmo assim, não dá para desprezar o que é apresentado, posto que esta concentração não acontecerá

3Segundo o DIEESE (2011, p. 34), o Índice de Gini é “um indicador de desigualdade muito utilizado para

verificar o grau de concentração da terra e da renda. Varia no intervalo de zero a 1, significando que quanto mais próximo de 1, maior é a desigualdade na distribuição, e, quanto mais próximo de zero, menor é a desigualdade. Os valores extremos, zero e 1, indicam perfeita igualdade e máxima desigualdade, respectivamente”.

apenas nos dados da década de 1920, mas será uma constante na estrutura fundiária de outros períodos. Assim, abaixo estão dispostos os dados da década de 1950.

TABELA 2. ESTRUTURA FUNDIÁRIA DO MUNICÍPIO DE MONTE SANTO EM 1950.

FONTE: GEOGRAFAR, 2012.

Os dados colocados acima apontam para uma situação não muito diferente de três décadas anteriores. Iniciando a reflexão sobre esta tabela, a partir do Índice de Gini para o período, é possível elencar algumas considerações importantes. Considerando estes dados, o índice é de 0,73, sensivelmente menor que o anterior, embora ainda muito elevado. Ou seja, mesmo que nos primeiros recenseamentos tenham existidos alguns equívocos, a questão da concentração de terras no município de Monte Santo é algo presente em todo o período.

Para a Tabela 2, é possível considerar que não mais dois (como na década de 1920), mas oitenta e cinco estabelecimentos ocupam pouca mais da metade do município (52,77%). Contudo, quando são comparados estes dados com os das menores ocupações percebem-se as disparidades. Levando em conta os dois mil trezentos e noventa e três menores estabelecimentos (que ocupam posses/propriedades menores que dez hectares), identifica-se que estes alcançam de 13,14% do município. Traçando uma relação entre as duas porções de agrupamento, percebe-se que a área média dos estabelecimentos menores (que representam 47,33% da área municipal) é de doze hectares, enquanto que a parcela que ocupa a outra metade (52,77%) tem estabelecimentos médios de seiscentos hectares, maior em cinquenta vezes.

Muito embora existam dados da estrutura fundiária do município de Monte Santo para os anos de 1920, 1940, 1950, 1960, 1970, 1975, 1980, 1985, 1996 e 2006, optou-se aqui por trazer reflexões para algumas realidades alternadas, considerando que em todas as estruturas apresentadas (sem exceção) o nível de concentração de terras é elevado, sempre superior a 0,648 (mínimo que foi registrado na década de 1960). Feitas as considerações sobre as

décadas de 1920 e 1950, são considerados abaixo dois conjuntos de dados mais atuais: 1996 e 2006. No primeiro caso, tem-se a Tabela 3.

TABELA 3. ESTRUTURA FUNDIÁRIA DO MUNICÍPIO DE MONTE SANTO EM 1996.

FONTE: GEOGRAFAR, 2012.

Os dados mais atuais trazem alguns elementos interpretativos para compreensão de algumas das problemáticas presentes hoje na questão agrária no município de Monte Santo. Como já foi dito anteriormente, a complexidade da concentração de terra (e do poder) apresenta bases históricas sólidas, o que não implica afirmar que não sejam paulatinamente enfrentadas pelas comunidades camponesas da região, notadamente os Fundos de Pasto e os remanescentes quilombolas (em menor quantidade). Na Tabela 3 identificam-se alguns dos elementos da concentração de terras. Como algumas informações se aproximam do que já foi analisado nas outras tabelas, é possível seccionar os referidos dados em aproximadamente três terços (a partir da representatividade de área em porcentagem).

O primeiro grupo representa os estabelecimentos com até vinte hectares. Contando com nove mil trezentos e noventa e dois estabelecimentos, este grupo apresenta pouco mais de quarenta e seis mil hectares; em média, cada estabelecimento apresenta uma área de cinco hectares. O segundo grupo representa os estabelecimentos entre vinte e duzentos hectares. Contando com um mil quatrocentos e quarenta e sete estabelecimentos, este grupo apresenta pouco mais de sessenta e seis mil hectares; assim, cada estabelecimento tem área de, em média, quarenta e seis hectares. O terceiro grupo representa os estabelecimentos com mais de duzentos hectares. Contando com cento e trinta e quatro estabelecimentos, este grupo apresenta pouco mais de sessenta e dois mil hectares; em média, cada estabelecimento desta fração apresenta quatrocentos e sessenta e cinco hectares. Desta forma, comparando os dados médios do primeiro e do terceiro grupo, percebe-se uma diferença de mais de noventa vezes. Esta questão também pode ser relacionada com os dados do Censo de 2006. Enquanto que nos

dados de 1996 o índice foi de 0,744, neste último Censo o valor foi de 0,719. Na Tabela 4 apresentam-se alguns destes dados.

TABELA 4. ESTRUTURA FUNDIÁRIA DO MUNICÍPIO DE MONTE SANTO EM 2006.

FONTE: GEOGRAFAR, 2012.

O Censo Agropecuário de 2006 trouxe alguns novos elementos, que podem potencializar as análises. Uma destas novidades é a maior estratificação dos estabelecimentos com menos de um hectare. Estes dados podem apontar com mais clareza uma problemática que carece de grande análise e intervenção no campo brasileiro: a formação crescente de minifúndios. No caso do município de Monte Santo, em outras séries, mesmo sem estas especificidades, isto já tinha sido colocado. Com os dados mais recentes é possível reafirmar isto e problematizá-los de forma pormenorizada. Ainda com esses dados, reflete-se de forma mais contundente sobre como esta estrutura fundiária é perversa e se coloca como um entrave para um desenvolvimento pleno do campo em questão.

Não obstante, um elemento a ser colocado aqui é a questão das diversas variáveis relacionadas com a viabilidade de um estabelecimento, nas condições que são apresentadas. Uma categoria que vai neste sentido é a de módulo fiscal4, que no município de Monte Santo é de cinquenta hectares. Partindo deste nível, é possível refletir sobre a distribuição das posses/propriedades. Neste contexto, utilizando-se do que está disposto na Tabela 4, percebe- se que sete mil setecentos e noventa e dois estabelecimentos apresentam área inferior ao

4 Segundo o DIEESE (2011, p. 283), o módulo fiscal é uma unidade “de medida expressa em hectares, fixada

para cada município, considerando os seguintes fatores: 1) tipo de exploração predominante no município; 2) renda obtida com a exploração predominante; 3) outras explorações existentes no município que, embora não predominantes, sejam significativas em função da renda e da área utilizada; 4) o conceito de propriedade familiar”.

mínimo para que haja “sustentabilidade”. Isto corresponde a mais de 91% dos estabelecimentos e ocupa quase que a metade (49,14%) de todo o município de Monte Santo, equivalente a mais de sessenta e oito mil hectares.

Outro elemento interessante que aparece nesta última tabela é a definição de uma nova variável para consideração: o “produtor sem área”. Para o IBGE (2006, p. 23), esta tipologia de “uso da terra” se refere a um produtor que “obteve produção (vegetal ou de origem animal), porém não detinha área específica para a sua produção, na data de referência”. Esta categoria denota um tipo de produção que ocorre em áreas onde aquele que produz a faz em terra de outrem. Do ponto de vista comparativo, esta nova informação aponta para a quantidade de sujeitos que não produzem, reconhecidamente, em áreas de sua posse (desconsiderando aqui a questão das terras devolutas e afins), que no caso de Monte Santo indicou o número de duzentos e sessenta e seis produtores sem área.

De forma sintética, apresenta-se a evolução Índice de Gini do município de Monte Santo considerando todas as séries entre 1920 e 2006 (Figura 13). Analisando este gráfico, é possível perceber como a estrutura fundiária deste município sempre foi marcada por uma elevada concentração de terras. Os valores do índice apresentam oscilações (que inclusive podem ser resultantes de acurácia dos dados) nos primeiros momentos, mas ocorre uma estabilização a partir dos dados de 1975 com leves alterações. Este quadro aponta para uma estrutura onde o valor mínimo (0,719) é bastante elevado, embora um pouco abaixo das médias estadual e nacional (Figura 14).

A concentrada estrutura agrária do município de Monte Santo encontra bases em todo o processo histórico de instituição de territórios (camponeses ou do latifúndio), apresentando conflitos intensos ao longo das décadas. Por mais que sejam evidentes as disputas territoriais a partir da segunda metade do século XX, os fortes processos de grilagem de terras se desdobraram por vários anos sem que houvesse um enfrentamento mais organizado e coletivo. Como identificado por relatos de sujeitos que encampam a luta pela terra no município, a grilagem sempre foi a regra nesta região, posto que a resistência organizada aconteceu depois, como forma de resposta mais amplificada a uma perversa conjuntura agrária.

Figura 13. Evolução do Índice de Gini do município de Monte Santo entre 1920 e 2006.

FONTE: GEOGRAFAR, 2012.

Figura 14. Evolução do Índice de Gini de Monte Santo, da Bahia e do Brasil entre 1985 e 2006

FONTE: GEOGRAFAR, 2012.

Reafirmando o que já foi colocado anteriormente, o processo de formação da estrutura fundiária do sertão baiano foi marcado por um caráter eminentemente concentrador. Mesmo considerando as mais diversas formas de ocupação da porção semiárida do país, percebe-se que a concentração de terras deu a tônica na maioria dos casos, principalmente com relação à pecuária. Foi também neste sentido que se formaram os primeiros núcleos urbanos desta região, vinculando-se também aos pontos estratégicos do transporte ferroviário instituído para atender à demanda da mineração, principalmente nos arredores da Serra de Jacobina. Isto aponta como este setor da economia já era presente ainda nos primeiros séculos da ocupação

do semiárido baiano. Além destas duas atividades vale ressaltar uma outra, razoavelmente pouco considerável para a compreensão da estrutura da terra no município de Monte Santo, mas fundamental, principalmente, para analisar o contexto da política de desenvolvimento territorial em suas diversas dimensões.

Por volta de 1950, a cultura do sisal foi introduzida nessa parte do semi- árido baiano [referindo-se à bacia do rio Itapicuru], ambiente hostil e submetido a longos períodos de secas, com solos geralmente de baixa fertilidade, pedregosos ou de difícil manejo. Cultura pouco exigente e adaptada a este ambiente, sua inserção teve papel importante na ocupação da parte central da área, movimentando a economia com a geração de empregos, favorecendo uma melhor distribuição das terras, uma vez que o sisal é geralmente cultivado por pequenos produtores em sistema de minifúndios (BAHIA, 2006, p. 26).

Esta cultura, o sisal, será a responsável pelo nome dos territórios “de identidade”, “da cidadania” e “rural”, sendo algo marcante na paisagem dos municípios que fazem parte desta delimitação, embora não seja uma atividade tão forte em Monte Santo. Não obstante, referindo-se às comunidades de Fundo de Pasto, isto é algo ainda mais destoante da realidade de camponeses em que predomina a ovinocaprinocultura de corte. Isto, contudo, será mais aprofundado nos capítulos posteriores. Vale apontar por agora mais alguns elementos específicos do processo de formação da estrutura agrária de Monte Santo.

A história comumente divulgada sobre este município aponta para a presença de três grandes senhores de terra, subordinados diretamente à Casa da Torre da família Garcia d’Ávila e pelo seu principal representante regional: Cícero Dantas Martins, o Barão de Jeremoabo. Esses três latifundiários chamavam-se: Francisco da Costa Tôrres, cuja propriedade denominava-se “Fazenda Lagoa da Onça” e/ou “Fazenda Lajinha”; João Dias de Andrade, de propriedade denominada “Fazenda Soledade” e/ou “Fazenda Acaru” e José Maria do Rosário que tinha propriedade denominada “Fazenda Damázio” (IBGE, 1958; AREFASE, 2012). Conforme o levantamento bibliográfico, as terras que pertencem ao município foram desmembradas diretamente da Casa da Torre por uma quantia de 800$000 (oitocentos mil réis), sendo outorgante do alferes Manoel Felix de Andrade que repassou a propriedade diretamente a Francisco C. Tôrres. Os demais proprietários seriam então foreiros, embora com importante poder local em suas respectivas áreas de influência. Sintetizando alguns dados históricos, elaborou-se o seguinte quadro:

Quadro 1. Fatos históricos de consolidação do município de Monte Santo. 1775 Formação da Capela de Monte Santo na antigamente denominada serra de Piquaraçá

1790 A Capela é elevada à condição de freguesia com nome de Santíssimo Coração de Jesus e Nossa Senhora da Conceição de Monte Santo

1794 Criação do distrito de paz de Monte Santo pertencente ao termo de Itapicuru de Cima

1837 O arraial torna-se vila com caráter de município com nome de Coração de Jesus de Monte Santo

1929 A vila é elevada a categoria de cidade

1933 Desmembramento definitivo dos distritos de Uauá e Cumbe, sendo que este passou a ser chamado de Euclides da Cunha

1958 Desmembramento do distrito de Cansanção

FONTE: IBGE, 1958.

Após o desmembramento do distrito de Cansanção, firmaram-se as delimitações atuais do município de Monte Santo. Com este quadro é possível considerar como os Fundos de Pasto são algo marcante na base da sociedade rural da região, posto que o município de Uauá, que já fez parte de Monte Santo, é atualmente onde se concentram a maior parte destas comunidades (setenta e cinco), sendo que o município aqui analisado está na segunda posição em quantidade. Assim, é nesta base concentrada que se desenvolvem todas estas comunidades, que tentam se reafirmar em sua posse a partir do conflito. Neste sentido, considera-se a seguir alguns dos principais elementos que identificam a questão agrária das comunidades de Fundo de Pasto deste município.