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3 A PROPOSTA DE PUNTEL COM A FSE: RECUPERANDO A

3.2 A sistemática compreensiva como investigação da dimensão fundamental

3.2.1 A dimensão estrutural

3.2.1.1 Estrutura

O conceito de estrutura é retirado da matemática e sua importância é simplesmente decisiva para os propósitos da FSE, pois uma vez que o conceito de estrutura venha a ser definido, surge a necessidade de explicar como outras estruturas podem ser construídas a partir do que for definido ou estruturado. Em termos sistemáticos a priori, “a estrutura pode ser caracterizada como inter-relação diferenciada e ordenada ou como relação e interação de elementos de uma entidade, de uma área ou de um processo etc.” (EeS, p. 34) 104.

Um exemplo bem característico da inter-relação de elementos, seja lá como ela se execute, resulta do contexto da Álgebra, em que são postos em jogo a estrutura não definida de grupos/relações comutativas: dados dois conjuntos ‘A’ e ‘B’, a teoria dos conjuntos nos permite construir o seu produto cartesiano (A × B), o que nos força a determinar como as estruturas, ainda não definidas, podem ser decompostas em subestruturas mais elementares; como por exemplo, dado um grupo finito abeliano, como ele pode ser relacionável com produtos de alguns de seus subgrupos? Em ambos os casos, é necessário saber como estruturas de um certo tipo podem se combinar ou se relacionar, no entanto como isso é possível se não temos especificado ainda o que vem a ser este tipo de estrutura?

104

Essa definição se mantém sem acréscimos em: PUNTEL, L. B. A filosofia como discurso sistemático:

diálogos com Emmanuel Tourpe sobre os fundamentos de uma teoria dos entes, do Ser e do Absoluto. p.

Nesse caso, não temos ainda uma especificação pormenorizada e inalterável do que as estruturas são em si, mas, é fato que elas já aparecem minimamente caracterizadas através de algumas propriedades das relações dos predicados n-ários e funções n-árias, que tais elementos/‘objetos’ estabelecem enquanto são estruturados em seus conjuntos iniciais. Antes, o que parece ser o caso aqui, é uma consideração que depreende a relação de elementos/objetos (abstratos nesse caso) que estão relacionados dentro de uma estrutura, ou no caso da comutação algébrica, do grupo finito abeliano.

Assim, o critério de definição de uma estrutura enquanto tal e sua vinculação a qualquer critério dado para elementos/objetos que são considerados de modo intrínseco às estruturas em geral, parecem manter um vínculo propriamente constitutivo ou, do contrário, seria necessário negar sua vinculação comutativa – o que já foi inicialmente posto como uma característica a priori das estruturas. Uma das objeções mais usuais apresentadas contra essa visão é que, se os objetos são pensados no ínterim de estruturas ou apenas como estruturas abstratas, significando que eles estão separados de qualquer representação específica ou concreta, devemos, a partir disso, compreender que estrutura nada mais seria que uma configuração puramente abstrata de elementos/objetos. Todavia o argumento do lógico Kleene, no qual Puntel preliminarmente se apoia, parece desfazer esta mística visão.

Um sistema S de objetos é, a nosso ver, um conjunto (não vazio) ou uma classe ou um domínio (ou possivelmente diversos conjuntos dessa espécie) de objetos entre os quais são estabelecidas certas relações. (...) Quando se conhece os objetos do sistema apenas através das relações do sistema, este é abstrato. O que está estabelecido neste caso é a estrutura do sistema, e não se especifica o que são esses objetos, exceto ao que concerne ao modo como se encaixam na estrutura. Assim sendo, qualquer especificação adicional do que são esses objetos proporciona uma representação (ou um modelo) do sistema abstrato e possui igualmente algum status adicional. Esses objetos não são necessariamente mais concretos, já que podem ter sido escolhidos de algum outro sistema abstrato (ou até do mesmo mediante uma reinterpretação das relações) 105.

As palavras de Kleene nos levam a um caminho hermenêutico cujo fim estabelece a ideia inconcussa de que há objetos concretos (específicos) no escopo estrutural de um sistema – ou no nosso caso, de uma estrutura –, ao passo que, também, podemos antever a existência de objetos abstratos que nos são apresentados apenas pelas relações abstrativas do dado sistema em relação a um objeto concreto. Puntel sugere que no lugar da palavra ‘sistema’, tão cara a Kleene, usemos a palavra ‘estrutura’, depreendendo com isso que, mesmo a

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KLEENE, Stephen Cole. Introduction to Metamathematics. 7th (1952/1974) ed. Groningen: Wolters- Nordhoff; Amsterdam, Oxford: North Holland; New York: American Elsevier Publishing Company. p. 24-25. Apud. EeS p. 35.

terminologia sendo modificada, o sentido das palavras de Kleene é reaproveitado dentro do quadro referencial que serve aos interesses da FSE, desembocando na ideia de que há estruturas concretas e estruturas abstratas; estas, são estruturas que abstraem das coisas que visam estruturar, compreender, alcançar ou tematizar; enquanto aquelas, são entidades que comportam as estruturas abstratas e o que por elas é estruturado, compreendido, alcançado ou tematizado (Cf. EeS, p. 36).

Tal percurso parece caracterizar uma operação de busca definida no nível conceitual de estrutura. Mais concretamente, tal operação pôde ser implementada por meio de uma definição recursiva, a qual concebe inicialmente o ‘processar/relacionar’ de elementos/objetos que implementam estruturas. Vale notar que o caminho acima apresentado como solução do problema é uma alternativa bem funcional da matemática, porque o problema é formulado em termos da estrutura matemática que caracteriza o nível conceitual e específico do que seja uma estrutura.

A natureza dessas combinações pode parecer consideravelmente diferente quando analisada de uma perspectiva teórica puramente definida pela matemática, pois esta dispensa, conforme veremos à frente, em sua definição formal, a equivalência de tal estrutura e uma entidade linguística 106. Wittgenstein afirma, nas Investigações, que uma certa imagem (Bild) encarcera os lógicos – ele mesmo provou dessa prisão em seu Tractatus – e chega a se referir à tal imagem como a imagem da pureza cristalina da lógica 107. Talvez, numa analogia, o que emerge da definição de estrutura dita absolutamente matemática, é uma imagem de estrutura que aprisiona de tal maneira a concepção de estrutura que ela não pode se tocar ou vincular-se a outras entidades, o que parece ser necessário dado o uso recursivo que traz determinadas características ao conceito em jogo. É talvez esse motivo que leva Puntel a rejeitar a definição puramente matemática de estrutura, segundo ele

O conceito de estrutura anteriormente definido não poderá ser aplicado na filosofia pura e simplesmente do mesmo modo que na matemática. A matemática como uma ciência puramente formal pode manejar conceitos como estrutura etc. de maneira bem diferente da filosofia, que é uma metaciência e uma ciência conteudística (EeS, p. 221).

Mais à frente, ele sugere que, segundo sua concepção, “[...] estruturas, como concebidas aqui, não estruturam outras coisas a não ser estruturas, de modo que não há nada além de estrutura. Por esta razão, a estrutura possui um status, irrestrito e abrangente na

106 Cf. ZALTA, Edward N. Principia Logico-Metaphysica. Center for the Study of Language and Information

Stanford University, 2016. p. 429. Grupos abelianos são grupos comutativos na linguagem algébrica. Um grupo (G, *) é abeliano ou comutativo se para todo a, b em G, a * b = b * a.

filosofia sistemático-estrutural” (EeS, p. 222, 223). Destarte, as únicas entidades que são consideradas pela FSE são as estruturas, as quais somente podem ser tematizadas, caracterizadas, expressadas, articuladas etc. no interior de uma linguagem específica – conforme será demonstrado na seção seguinte. E, uma vez que a linguagem possui um status abrangente na FSE, essa ideia parece perfazer a compreensão do lugar abrangente que também possui o conceito de estrutura.

Ao tecer considerações sobre sua investigação teórica acerca do que seja estrutura, abrimos, em dois momentos, uma espécie de parêntese temático para discutir: [i] partindo dos pressupostos de que as estruturas estão nos domínios da linguagem, de que forma obtemos sucesso ao estabelecermos o vínculo entre os domínios da linguagem e os domínios estruturais; [ii] discutir uma especulação a propósito do modo como devemos compreender que entidades são estruturadas por estruturas abstratas. Esse parêntese somente poderá ser tematizado em consonância à tematização das estruturas que tornam possíveis a compreensão, isto é, as estruturas formais, semânticas e ontológicas de cuja reflexão nos ocuparemos na seção ulterior.