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A estrutura lógica da norma jurídica

3. TRIBUTO, NORMA JURÍDICA TRIBUTÁRIA, FATO JURÍDICO-TRIBUTÁRIO

3.2. A NORMA JURÍDICA TRIBUTÁRIA E SEUS ASPECTOS

3.2.2. A estrutura lógica da norma jurídica

A estrutura lógica denominada de imputação é modo de enlace peculiar entre dois fatos por intermédio de uma norma229. Os fatos no mundo natural se ligam uns aos outros por uma relação de causalidade, i.e., de causa e efeito: uns ocorrem porque outros ocorrem antes230. Em se tratando de imputação, contudo, um fato ocorre porque a norma o enlaça a outro que lhe precedeu; a ocorrência do fato conseqüente (conseqüente jurídico) deverá se dar por imposição normativa em função da ocorrência do fato antecedente (suposto jurídico)231.

A relação de imputação se dá no plano lógico e tem por fundamento, exatamente, a imperatividade da norma jurídica. O antecedente normativo contém a previsão geral e abstrata da ocorrência de determinado fato (que, inclusive, já pode constituir-se em fato jurídico ou situação jurídica, porque resultado da juridicização que precedeu lógica e cronologicamente a

restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido‖.

228

Hipótese de incidência tributária. 6.ªed., 3.ª tir. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 106.

229 Obrigação tributária (uma introdução metodológica). 2.ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 20: ―As normas

jurídicas atuam, na sociedade, segundo o princípio da imputação: dado um certo antecedente normativamente previsto, um descritor normativo (Voraussetzung), deve-se seguir um certo conseqüente, um prescritor normativo (Folgerung)‖.

230 Observe-se o comentário de Carnelutti a respeito da causalidade: ―A causalidade entendida como relação

entre o princípio e o resultado do fato formal, e, por conseguinte, como relação que deve estender-se entre duas situações para que, apenas da diversidade de forma, constituam o princípio e o resultado de um fato, se resolve na existência, entre as duas situações, de uma seqüela de situações sucessivas e progressivas, através das quais se passa da forma de uma à forma da outra.

Se esta relação existe, a situação cronologicamente precedente se chama causa da situação cronologicamente posterior, e a esta se chama o efeito daquela. Assim, pois, duas situações (formalmente diversas) constituem o princípio e o resultado de um fato, enquanto a primeira seja causa da segunda e a segunda, portanto, efeito da primeira. Princípio e resultado de um lado, causa e efeito de outro, são palavras de significação estreitamente coligadas; as duas primeiras pertencem à terminologia do fato; as outras duas, à terminologia da relação‖ (Teoria general del derecho. Metedología del derecho. Traducción española de Carlos G. Posada. Granada: Comares, 2003, p. 37)

231

Cf. SICHES, Luis Recasens. Filosofia del derecho. 19.ª ed. Porrúa: México, 2008, p. 264. SICHES, Luis Recasens. Introduccion al estudio del derecho. 2.ª ed. Porrúa: México, 1972, p. 154.

juridicização a ser feita pela norma ora tomada como modelo). Esse fato pois, se liga a uma situação jurídica (relação ou situação jurídica em sentido estrito) que será criada por força da norma.

Ressalte-se, pois, que ambos os fatos não estão ligados senão em função da norma, que antecede logicamente a esta imbricação. Aqui reside uma importantíssima distinção entre a causalidade jurídica (imputação) e a causalidade natural.

Em se tratando de um fenômeno ligado à causalidade natural, a norma (lei natural) se extrai da observação do fenômeno, deduzindo-se que o efeito (fato 2) se produz porque a causa (fato 1) ocorreu; a norma, aí, decorre da observação desse fenômeno e é resultado de um acontecimento que lhe precede. Ocorrido determinado fato, ocorre ou correrá outro que lhe é conseqüência — ocorrido fato f1 é ou será fato f2). Por isso que a lei natural é descritiva de um fenômeno observado e ocorreria sem intervenção do homem.

Na causalidade jurídica, a seu turno, a conseqüência (fato 2) ocorre porque o antecedente previsto na norma (fato 1) se concretizou e mais precisamente porque antes da ocorrência desse primeiro fato havia uma norma jurídica que impunha a conseqüência por intermédio do modal deôntico (dever ser), que deve assumir uma de três formas: permitido, obrigatório e

proibido. Ocorrido determinado fato previsto na norma jurídica, deve ser a conseqüência

jurídica obrigatória, permitida ou proibida — ocorrido fato f1 deve ser a conseqüência c (fato

f2). Em razão disso, a norma jurídica é prescritiva, de modo que a relação entre ambos (fato

antecedente e ―fato‖ conseqüente) apenas surge em função da imputação normativa232

, da concretização do suporte fático (antecedente) e da incidência da norma, e esse enlace se dá em ração de norma posta, como produto da ação humana, constituindo-se em um objeto eminentemente cultural (Edmund Husserl233).

232 Cf. BORGES, José Souto Maior. Direito comunitário. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 52-3: ―Sem a relação de

causalidade deôntica (relação de imputabilidade), os fatos jurídicos ficariam imersos, em dispersão radical, num caos de relações jurídicas tumultuadas e desordenadas, desarticulada a sintaxe normativa (inter-relacionamento das normas). A forma do sistema, que expressa coerência e unidade da ordem jurídica, não seria aplicável ao conjunto de normas positivas. Sequer poder-se-ia a rigor falar em ordenamento jurídico positivo [...]. É a imputabilidade que dá ao mundo jurídico unidade (critério de demarcação) e autonomia (governabilidade por sua próprias leis). O caos das relações inter-humanas se converte então num kosmos, uma unidade de sentido deôntico na multiplicidade de significações das normas: unidade de sentido que decorre da sua pertinência ao mundo jurídico...‖.

233

Levando-se em conta a divisão feita por Edmund Husserl, dentro da Teoria Geral dos Objetos, em quatro regiões ônticas: a) objetos naturais — são reais, porque têm existência no tempo e no espaço, estão na

Opera-se na lei natural um modal alético (ontológico), ao passo em que na lei jurídica opera- se um modal deôntico, como bem alerta Lourival Vilanova234. Eis, de modo simplório, os principais traços distintivos da causalidade natural e da imputação jurídica235.

Decompondo-se logicamente a norma jurídica, tem que no antecedente normativo há a descrição de um fato que, uma vez ocorrido, produzirá uma determinada eficácia jurídica indicada pela norma, numa relação implicacional, de modo que: (i) ―dado fato F →(deve ser)→ uma conseqüência C‖ — tem-se a norma de conduta; (ii) ―não se cumprindo a conseqüência ÑC →(deve ser)→ sanção S‖ — tem-se a norma sancionadora.

A norma tributária instituidora da obrigação concernente ao tributo é uma norma de conduta, que alberga a relação jurídica que tem por objeto a prestação tributária como conseqüente. Seu descumprimento sujeitará o indivíduo à sanção (mercê de norma sancionadora) e ao

experiência e são neutros de valor; b) objetos ideais — são irreais porque não têm existência no tempo e no espaço, não estão na experiência e são neutros de valor; c) objetos culturais — são reais, porque têm existência no tempo e no espaço, estão na experiência e são susceptíveis de valoração (positivou negativo); d) objetos metafísicos — são reais, porque têm existência no tempo e no espaço, não estão na experiência e são susceptíveis de valoração (positivou negativo) (Cf. Idéias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica: introdução geral à fenomenologia pura. Aparecida-SP: Idéias e Letras, 2006. A ideia da fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 2008).

234 Cf. As Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. São Paulo: Noeses, 2005, p. 108-9. 235

BORGES, José Souto Maior. Direito comunitário. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 50: ―A relação de imputabilidade (Zurechnung) é efeito da incidência e de uma causalidade jurídica. É a incidência, no seu modo de relacional os fatos, ali nos fenômenos naturais, aqui no fenômeno jurídico, categoria intangível pelo qual se dá respectivamente uma relação de causalidade natural (leis naturais) e deôntica (jurídica). Daí ser adequado falar- se em causalidade jurídica em contraponto de uma causalidade natural. A incidência da norma jurídica é condicionante de efetividade da causalidade jurídica‖.

Kelsen dedicou espaço à diferenciação entre a causalidade natural e a imputação jurídica em sua clássica obra. Após pontuar que, enquanto a causalidade utiliza a forma do ser (se A é, B é ou será), a imputação utiliza a forma dever ser (quando a é, B deve ser), o jurista tcheco alude a outras duas distinções: ―A distinção entre causalidade e a imputação reside em que – como já notamos - a relação entre o pressuposto, como causa, e a conseqüência, como efeito, que é expressa na lei natural, não é produzida, tal como a relação entre pressuposto e conseqüência que se estabelece numa lei moral ou jurídica, através de uma norma posta pelos homens, mas é independente de toda a intervenção desta espécie. [...]. ‗Imputação‘ designa uma relação normativa. É esta relação - e não qualquer outra - que é expressa na palavra ‗dever-ser‘, sempre que esta é usada numa lei moral ou jurídica.

Uma outra distinção entre causalidade e imputação consiste em que toda a causa concreta pressupõe, como efeito, uma outra causa, e todo o efeito concreto deve ser considerado como causa de um outro efeito, por tal forma que a cadeia de causa e efeito - de harmonia com a essência da causalidade - é interminável nos dois sentidos. [...]. A situação é completamente diferente no caso da imputação. [...]. O número dos elos de uma série imputativa não é, como o número dos elos de uma série causal, ilimitado, mas limitado. Existe um ponto terminal da imputação. Na série causal, porém, tal ponto não existe. A pressuposição de uma primeira causa, de uma prima causa, o análogo do ponto terminal da imputação, é inconciliável com a idéia da causalidade - pelo menos com a idéia da causalidade tal como ela se apresenta nas leis da física clássica.‖ (Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 6.ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 100-1).

cumprimento forçado da prestação, haja vista que, sendo norma de conduta, poderá ter seu atendimento coativamente imposto.