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1 Delimitação e Apresentação do Corpus

2 A estrutura do pretérito perfeito do modo indicativo: diversas abordagens

2.4 Estrutura morfológica dos verbos portugueses

Segundo Câmara Jr. (1976[1970], p. 144), a estrutura morfológica dos verbos portugueses é a seguintes:

(27) T (= R+ V) + SF (= SMT+ SNP)23

Essa estrutura continua a seguir a estrutura do verbo latino (cf. Câmara Jr., 1976 [1975], p.144):

(28) amābāmus = amā (=am +ā) + bamus (= bā + mus)

Qualquer um dos constituintes da fórmula, depois do radical do verbo, pode faltar ou equivaler a ø.24SMT é zero no presente do indicativo, em paralelismo com a estrutura latina. Por exemplo, conjugando o verbo amar no pretérito imperfeito do modo indicativo temos:

amávamos = amá (= am+á)+ vamos (=va+mos). A vogal em destaque é a que recebe o

acento.

EmManual de Morfologia do Português, Laroca (2005, p.61) também afirma que os verbos regulares em português possuem uma configuração estrutural que pode ser representada de forma hierárquica da seguinte maneira:

(29) (R + ST) + SMT) + SNP)25 R = raiz ou radical

ST = Sufixo temático ou vogal temática SMT = sufixo modo- temporal SNP = sufixo número – pessoal

SVN = sufixo verbo – nominal

23

Lê-se T = tema, R= radical, V= vogal temática, SF= sufixo flexional, SMT= sufixo modo-temporal e SNP= sufixo número-pessoal.

24

A respeito dos morfemas Ø, veja subseção 2.1.

25

O SVN não consta no exemplo de Laroca (2005, p.61), porque pode ser encontrado apenas nas formas nominais (gerúndio, particípio e infinitivo), não flexionadas em pessoa.

Tomando como exemplo a forma cantávamos (2ªpp, pretérito imperfeito do modo indicativo) e aplicando-a na fórmula, temos: cant- (radical), -a (sufixo temático/vogal temática), -va (sufixo modo-temporal) e –mos (sufixo número-pesoal). Aplicando a mesma estrutura para a forma cantando, temos: cant- (radical), -a (sufixo temático/vogal temática) e ndo (sufixo verbo-nominal) (cf. Laroca, 2005, p.61).

De acordo com a autora, os STs representam os morfemas de 1ª, 2ª e 3ª conjugações. Por sua vez, os SMTs são os morfemas de presente do indicativo, pretérito perfeito do indicativo, pretérito imperfeito do indicativo, pretérito mais-que-perfeito do indicativo, futuro do presente do indicativo, futuro do pretérito do indicativo, presente do subjuntivo, pretérito imperfeito do subjuntivo, futuro do subjuntivo e imperativo. Os SVNs representam as formas nominais do verbos, que, segundo a autora, são os morfemas de gerúndio, infinitivo e particípio. E, por fim, temos os SNPs, que são os morfemas da primeira pessoa do singular e plural, segunda pessoa do singular e plural e terceira pessoa do singular e plural.

Ressaltamos que o que a Laroca (2005), assim como Câmara Jr. (1976 [1975]), chama de “sufixos flexionais”, outros autores, entre eles Kehdi (2003), denominam de “desinência”, para diferenciar melhor os fenômenos derivacionais e flexionais.

Em relação aos sufixos temáticos (vogais temáticas), encontramos algumas mudanças morfofonêmicas relevantes descritas pela autora (LAROCA, 2005, p.67):

A) Supressão dos morfes STs na primeira pessoa do singular do presente do indicativo: Canto (cant- a- ø- o), etc. Essa supressão também se verifica no imperativo, nas pessoas derivadas do presente do subjuntivo;

B) Neutralização morfofonológica nos STs da segunda e terceira conjugações no presente do indicativo, com implicações de identidade ortográfica nas estruturas onde o morfe temático é o segmento vocálico átono: Vend-e-s/ Part-e-s;

C) Neutralização morfológica e crase do ST na segunda e terceira conjugações com o morfe da primeira pessoa do singular no pretérito perfeito do indicativo: Vend-i- ø-i.(crase);

D) Crase do ST da terceira conjugação com o morfe da segunda pessoa do plural: Part-i- ø- is (crase);

E) Harmonização vocálica do ST da primeira conjugação na primeira e terceira pessoa do singular respectivamente: Cant-e-i/ Cant-o-u.

A autora traz quadros dos sufixos temáticos, sufixos modo-temporais, sufixos verbo- nominais e dos sufixos número-pessoais com seus respectivos morfes e alomorfes:

A) Sufixos Temáticos (Vogais Temáticas)

Morfema Alomorfes

1ª Conj /-a-~-e-~o- ø-/

Ex: -a- cant-a-mos -e- cant-e-i

-o- cant-o-u - ø- cant- ø-e-m

2ª Conj /-e-~-i-~ ø/

Ex: -e- vend-e-mos -i- vend-i-do Ø vend- ø-a-m

3ª Conj /i-~-e- ø~/

Ex: -i- part-i-mos -e- part-e-m Ø part- ø-a-m

Quadro 2: Descrição dos sufixos temáticos e suas realizações (LAROCA, 2005, p. 66).

B) Sufixos modo-temporais e sufixos verbo-nominais

Morfema Morfes/Alomorfes {pres.ind} {pret.imp.ind} {pret.perf.ind.} Ø /-va~-ve-~/~/-ia- ~-ie/ / ø~-ra-/

Quadro 3: Descrição dos sufixos modo-temporais e verbo-nominais (LAROCA, 2005, p. 67).

Monteiro (2002, p.109) afirma que, em virtude da ocorrência de diversos tempos e pessoas gramaticais, há um número considerável de desinências. A chamada pessoa do plural já desapareceu e as desinências número-pessoais estão sofrendo um processo de neutralização, com a introdução de outras formas pronominais como você(s) e a gente.

Outra mudança expressiva é uma mudança no quadro das conjugações verbais. O mais-que-perfeito simples já é raramente usado, o futuro do pretérito está sofrendo queda de frequência em favor do futuro do presente do indicativo e construções perifrásticas (MONTEIRO, 2002, p.110).

Sobre as formas verbais do futuro, Borges (2008) afirma que os futuros do presente e do pretérito em PA são considerados formas analíticas, constituídas do infinitivo do verbo principal mais o verbo aver conjugado no presente do indicativo, para o futuro do presente, ou do infinitivo do verbo principal seguido do verbo aver/ir, no pretérito imperfeito do indicativo, para o futuro do pretérito.

Segundo a autora, a possibilidade de se escreverem as partes constituintes desses verbos separadamente e entre elas ser possível intercalar uma preposição ou um pronome clítico, além do padrão prosódico que apresentam, que preserva o acento primário nas duas bases, são evidências que indicam que, na época trovadoresca, as formas futuras eram ainda perifrásticas e não compostas (por não se verificar uma coesão interna inquebrável) e nem simples (por apresentarem padrão acentual próprio de sintagmas ou compostos).

Um aspecto importante ressaltado por Kehdi (2003, p. 32) é que é falso interpretar a ausência de uma vogal temática numa forma verbal como um caso de alomorfe Ø, pois, em formas como amo e ame, não figura a vogal temática em virtude da regra fonológica de elisão: é uma vogal átona que cai em contato com a vogal da desinência:

(30) ama + o = amo; ama + e= ame

Já em casos como vendia, o que ocorre é a crase do alomorfe –i (da vogal temática) com a vogal inicial da desinência –ia:

(31) vend- +i+ ia = vendia.

Kehdi (2003, p.37) também reforça que a vogal temática verbal aparece em adjetivos formados a partir de um tema verbal: am-Á-vel. Em alguns substantivos deverbais, é frequente que ocorram duas vogais temáticas, uma verbal e outra nominal, como, por exemplo, em

armamento, o segundo -a é a vogal temática da primeira conjugação, e o –o, vogal temática

nominal.