• Nenhum resultado encontrado

Etapa da contestação do modelo convencional: “o período crítico reflexivo ”

Olivo Dambrós

produção 12 como forma de integração da unidade, preconiza uma visão

3. Trajetória da Extensão Rural convencional: “principais etapas”

3.6 Etapa da contestação do modelo convencional: “o período crítico reflexivo ”

Esta etapa ocorre entre os anos de 1980 a 2000 e se caracteriza pelas ações organizadas de extensão para responder a um novo contexto sócio – ambiental. Temas como conservação do meio ambiente, justiça e igualdade social, reforma agrária, entre outros, começam a fazer parte do debate na sociedade. Também denominado, por alguns autores, como

- 125 -

período Crítico Reflexivo, esta etapa marca, principalmente no Brasil, mas também em outros países da América Latina, um novo repensar da Extensão Rural. Vários críticos do modelo produtivista e do difusionismo da Revolução Verde, tanto em nível internacional, como em nível local, começam a propor alternativas que enfatizavam entre outros arranjos, o planejamento participativo como forma de desenvolver projetos, voltados a construção da cidadania, com pequenos agricultores (FASER,2007).

Tanto observadores críticos, quanto o Banco Mundial reconhecem que os supostos benefícios da Revolução Verde não estavam chegando aos pequenos agricultores dos países do "Terceiro Mundo" e que o pacote tecnológico estava aumentando em vez de diminuir as desigualdades socioeconômicas das populações rurais, além de provocar significativos impactos ambientais negativos (FONSECA, 1985). As críticas ao modelo, a elevação rápida da dívida externa (década de 1980) e o término do crédito rural subsidiado, levaram a Extensão Rural a entrar em crise e a fortalecer, ainda mais, a tese do Banco Mundial, de concentrar ações no foco produtivista.

Autores latinos como Ramakrishna, em 1984 na Venezuela, Engel, em 1997, no Chile, Delgado, em 2004 na Bolívia e Paulo Freire, no Brasil, foram críticos sistemáticos ao modelo da Revolução Verde, considerando principalmente, os danos culturais provocados junto aos camponeses. Alinhados dessa contestação, líderes estudantis, profissionais liberais e intelectuais começam a organizar ONG, muitas ligadas a Rede - PTA, que passam a exercer um papel importante na renovação das concepções do extensionismo contribuindo, significativamente, com inovações metodológicas. Estas organizações não Governamentais, tanto influenciaram a Extensão Rural Estatal como estabeleceram outros canais de financiamento para levar apoio, assessoria e assistência técnica ao público da agricultura familiar e camponesa (FASER, 2007).

As críticas contundentes destes líderes, somadas ao recrudescimento do movimento ambientalista provocaram o ressurgimento

- 126 -

do movimento da agricultura alternativa e um questionamento forte ao modelo de Extensão convencional. A pressão exercida pelo conjunto de atores e críticos levou o governo Sarney a focar a Extensão oficial novamente na ―pequena agricultura‖, como foi no final da década de cinquenta no chamado humanismo assistencialista17 (SCHMITZ, 2010).

No entanto, a reação interna das forças conservadoras presentes no governo Sarney (1985 a 1989) derrubou esta tentativa de mudança na orientação da Extensão Rural (FASER, 2007), com argumentos de que havia uma crise econômica mundial devido à intervenção do Estado na economia. Essa argumentação fortalecia a ideia do Estado mínimo como meta para que as nações mais ―pobres‖, como o Brasil, alcançassem seu desenvolvimento. Sob esta inspiração ideológica do neoliberalismo, difundem-se as ideias da necessidade de reforma do Estado, para a qual deveriam ser utilizadas a privatização, ajuste fiscal, desregulamentação e liberalização comercial. Com a queda de financiamento externo, os recursos voltados para a Extensão Rural, novamente, passaram a focalizar o aumento de produção e a especialização produtiva (SCHMITZ, 2010).

Entre a segunda metade da década de 1980 e a primeira metade da década de 1990, quando a proposta hegemônica do modelo da Revolução Verde já tinha sido consolidada,materializa-se a perspectiva teórica da privatização da Extensão Rural (PEIXOTO, 2008). Dessa forma, conforme salienta Peixoto:

[...] A Extensão Rural convencional cumpre exatamente o propósito do modelo: inicialmente gera as condições culturais e econômicas para implantar os processos de modernização, (década de 1960); em seguida se constitui numa arma poderosa para a transferência dos pacotes tecnológicos de transformação industrial dos recursos naturais (década de 1970); e por fim (década de

17Modelos de formação técnica semelhantes aos adotados em formação política

de agentes pastorais e lideranças de movimentos sociais, têm nos cursos conveniados com a UNIJUÍ, seu centro de formulação e, nesta mesma linha de trabalho, a Embrater estabelece convênios com universidades, adotando um evidente discurso sociológico para interpretar a realidade e orientar a estratégia extensionista (SCHMITZ, 2010).

- 127 -

1990), quando a agricultura se transforma em ramo da indústria, tem seus recursos cortados na tentativa de que desapareça como política de estado (PEIXOTO, 2008, p.29).

A partir daí, a Extensão oficial entra numa profunda crise, obrigando-se a buscar parcerias que lhe garantisse a sobrevivência. Em muitos casos, o serviço extensionista vinculou-se às prefeituras, que custearam os escritórios locais. Em outras situações, instalou-se um processo de reengenharia e adoção de instrumentos de qualidade total, rompendo com a identidade histórica do extensionismo e, em muitos estados, obrigando as gerências regionais a vender serviços para captar recursos.

A Extensão Rural Oficial do país se desarticulou, chegando ao ponto de extensionistas rurais passarem a coletar pedágios em rodovias públicas para sustentar seu trabalho (PEIXOTO, 2008, p.29).

Com o fim da ditadura militar e início da redemocratização, começam ganhar força as organizações sindicais, as ONG e setores progressistas da Igreja que, somados ao Partido dos Trabalhadores e outros partidos da Esquerda Brasileira como o PC do B e PCB. Essa articulação de forças passa a pressionar fortemente o congresso e o governo para a instalação da Assembleia Constituinte e um amplo debate social levando a promulgação da Constituição Federal de 1988. Reconhecida como um dos maiores avanços democráticos da história contemporânea brasileira, a ―constituinte de 1988‖ traz uma série de avanços para o campo, inclusive para a Extensão Rural, determinando em seu artigo 187 que;

[...] a política agrícola será planejada e executada com participação efetiva dos setores da produção, comercialização, armazenamento e transportes levando em conta especialmente a Assistência Técnica e Extensão Rural (artigo 187). Além disso, a nova Carta Magna determina que a União deverá garantir os

- 128 -

serviços de ATER pública e gratuita aos pequenos agricultores (Lei Agrícola, cap. V da Constituição Federal).

Entretanto, estas e outras conquistas obtidas na constituinte de 1988, não se concretizaram conforme previsto e esperado pelos movimentos sociais do campo. Em 15 de março de 1990, a Extensão Rural oficial sofre o golpe mais duro desde a sua constituição (ABCAR em 1956 e EMBRATER em 1975) quando ocorre a extinção da Embrater, pelo então presidente Fernando Collor, recém eleito.

Ainda em 1990, o governo Collor cria o Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Agrário (MARA) e exclui, temporariamente, atribuições deste com a ATER. No entanto, inesperadamente, um mês depois é restabelecida a ATER junto ao próprio Ministério (PEIXOTO, 2010). No mesmo ano, porém, as atribuições da ATER são passadas para a Embrapa, que também era vinculada ao MARA.

Conforme destaca Peixoto (2010), tanto a Constituição Federal de 1988 quanto a Lei Agrícola de 1991 determinavam que a União mantivesse serviços de ATER pública e gratuita para os pequenos agricultores. Entretanto, as mudanças burocráticas de idas e vindas em relação a essa política pública e ao próprio Ministério recém-criado demonstravam que o Governo Central não tinha conhecimento ou compromisso com a luta que vinha se travando há décadas pelos movimentos sociais do campo. A ATER permaneceria neste vazio por mais de uma década, perpassando por três governos eleitos democraticamente; Collor, Itamar Franco e FHC (este por dois mandatos).

A partir do desmonte desse Sistema, a Extensão oficial representada pelas Ematers de cada Estado, obriga-se a buscar outras fontes de recursos. A maioria dos Estados aplicava muito pouco e, em alguns casos, como boa parte dos Estados do Norte e Nordeste, nada era aplicado (FASER, 2007). Uma das fontes de recursos encontradas pelas

- 129 -

Ematers foi à elaboração de projetos para o Programa Nacional de Apoio a Agricultura Familiar (Pronaf), criado em junho de 1996. Essa posição superava a concepção empresarial carregada por muitos anos pela Extensão oficial, mas submetia, principalmente, os extensionistas de base, a articulação junto aos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS).

Naquele momento, os Movimentos reconheciam que o Desenvolvimento Rural Sustentável passava, necessariamente, pelo fortalecimento da Agricultura Familiar. Esse segmento do campo apresentava características essenciais para o contexto, como o emprego de mão de obra, organização distributiva, diversificação de produção, rotação de culturas, maleabilidade do processo decisório, estabilidade, resiliência e equidade, podendo responder às grandes demandas não respondidas pela Revolução Verde, como a preservação dos recursos naturais e a produção de alimentos saudáveis (DIAS, 2008).

Devido à importância social que estes movimentos assumem, surge a necessidade de construir conceitos mais claros a respeito desse público e, através dessa caracterização, aumentar a força de pressão sobre os governos. Essa demanda estimulou estudos acadêmicos sobre a conceituação da agricultura familiar que deram respaldo político à Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e ao MST para a legitimação e reconhecimento dessa categoria.

Anos mais tarde, em 2006, um projeto de lei de iniciativa do deputado federal Assis Miguel do Couto do Partido dos Trabalhadores do Paraná transforma esse segmento em categoria profissional reconhecida pela lei nº 11.326/2006, conhecida como Lei da Agricultura Familiar (PEIXOTO, 2008, p.40).

Em 1996, após os ―massacres de Corumbiara e Eldorado de Carajás‖, a sociedade civil passa a pressionar fortemente o governo que institui o Gabinete do Ministro de Estado Extraordinário de Política Fundiária, o qual seria transformado, mais tarde (13 de janeiro de 2000),

- 130 -

em Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Ainda, no mesmo ano de 1996 é criado o Pronaf que, entre outras atribuições, na questão específica da ATER, passaria a destinar até 2% dos financiamentos agropecuários para a Assistência Técnica.

É bom que se considere de que por conta destes recursos entra em cena a disputa do terceiro setor (ONGs, sindicatos, cooperativas e associações) que em face da crise de repasses de recursos internacionais também buscam junto ao estado formas de viabilizar-se. Estes recursos mantiveram, por longo tempo, várias EMATERs estaduais e possibilitaram que muitas ONGs e Cooperativas da ATER se mantivessem minimamente garantindo suas estruturas (PEIXOTO, 2008, p.41).

Em 1997, para suprir a ausência das Ematers estaduais por conta do desmantelamento sofrido no início da década e da pressão do MST, cria-se o Lumiar, programa de Assessoria Técnica Social e Ambiental (ATES) que visava apoiar a organização, produção e comercialização junto aos assentados da reforma agrária. O Lumiar chegou a ter 1.400 técnicos e um público beneficiado superior a 100 mil agricultores assentados em 1.300 dos 3.800 assentamentos da época. No entanto, no ano de 2000, três anos após a sua criação, o programa foi extinto sem maiores esclarecimentos pelo governo Federal deixando estudantes, filhos de acampados, sem aula durante 4 anos seguidos (SCHMITZ, 2010).

No início de Agosto de 1997, realiza-se um grande seminário de ATER em Belo Horizonte que desencadeou, em todo o Brasil, um processo de realização de oficinas para debater sobre a construção de uma nova ATER. O resultado foi a participação superior a 5.000 (cinco mil pessoas) em todos os estados da federação (DIAS, 2008).

Em consequência do seminário de Belo Horizonte e das oficinas desencadeadas nos Estados, em outubro do mesmo ano, a Contag, Faser, Asbraer, PNUD, e Mara organizam um grande “workshop” em Brasília com a participação de delegados vindos das oficinas estaduais que orientaram a construção de uma nova proposta de ATER.

- 131 -

Os principais temas debatidos indicavam para a construção de uma política de ATER pública, descentralizada, plural, autônoma e gratuita. ―Como princípios, a proposta defendia ainda o desenvolvimento sustentável, exclusivo para a agricultura familiar, o controle social da gestão e organização em rede, com atuação articulada dos agentes‖ (PNUD, 1997 apud INSTITUTO INTERAMERICANO DE COOPERAÇÃO PARA A AGRICULTURA, 2013, p.17). Vale lembrar que estas propostas aprovadas neste encontro foram rediscutidas e aprofundadas na primeira conferência nacional de ATER, em 2003, contribuindo fundamentalmente para a elaboração e sustentação da Pnater.

Em outubro de 1999, foi constituído o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural (CNDR). Em junho de 2000 foi transformado em Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) e, em 2001, com a criação da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural passa a se chamar de Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural da Agricultura Familiar (CONDRAF). A partir deste, foi constituído o Comitê Nacional de ATER, formado por 32 membros (governamentais e da sociedade civil), tendo como atribuições, entre outras, o apoio à implementação da Pnater; a formulação e proposição de diretrizes nacionais para a ATER e a proposição de outras políticas complementares voltadas ao Desenvolvimento Rural Sustentável que envolvesse atividades de ATER (DINIZ, 2010).

[...] a PNATER resultou de um amplo processo de consulta a organizações, extensionistas e representações de agricultores. São pilares da política, a definição dos agricultores familiares como público prioritário para a ação extensionista, gratuidade, universalidade e caráter público dos serviços e a orientação das concepções, métodos e princípios pela agroecologia (BRASIL, 2010, p.2).

E define a ATER como:

Serviço de educação não formal, de caráter continuado, no meio rural, que promove processos de gestão,

- 132 -

produção, beneficiamento e comercialização das atividades e dos serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive das atividades agroextrativistas, florestais e artesanais (MDA/DATER, 2010a).

Apesar da prevalência do modelo de desenvolvimento convencional estruturado aos moldes da Revolução Verde, muitas alternativas foram sendo construídas e dando corpo a construção de uma nova proposta de Extensão Rural orientada para a construção do ―desenvolvimento rural sustentável‖. Questões como a preservação ambiental, segurança alimentar, combate a pobreza e geração de emprego, foram sendo reivindicadas, refletindo o anseio do campo para a construção de outra proposta de Extensão.

É dessa conjugação de fatores, que vai desde a reflexão crítica de Paulo Freire e outros pensadores, da efervescência dos movimentos populares que se fortalecem na disputa ideológica do rural brasileiro, da participação de muitos profissionais críticos que atuavam por dentro do Estado e do compromisso de um governo popular recém-eleito, que surge a proposta da NOVA ATER.

- 133 -

IV - A NOVA ATER: “uma nova concepção,