• Nenhum resultado encontrado

No pr´oximo cap´ıtulo resolveremos uma EDP dispersiva do tipo Airy.

Nossa principal ferramenta ser´a a transformada de Fourier e o m´etodo das curvas caracter´ısticas.

A ideia do m´etodo das caracter´ısticas para resolver equa¸c˜oes de primeira ordem ´e obter curvas ao longo das quais a EDP ´e uma derivada total. Essas curvas s˜ao chamadas curvas caracter´ısticas da equa¸c˜ao.

Antes de apresentar esta t´ecnica, daremos algumas informa¸c˜oes e de-fini¸c˜oes que ser˜ao utilizadas no processo. Ao trabalharmos com equa¸c˜oes diferenciais parciais, o espa¸co das vari´aveis independentes ´e multidimensio-nal. Procuramos por solu¸c˜oes em um aberto Ω ⊆ Rn e impomos condi¸c˜oes no bordo ∂Ω de Ω.

Para sistematizar o conceito de condi¸c˜oes iniciais para EDPs, considera-mos que teconsidera-mos mais de uma vari´avel dependente, xetpor exemplo, fixamos uma das vari´aveis, por exemplot= 0 e impomos o valor da solu¸c˜ao e de suas derivadas parciais em rela¸c˜ao `a vari´avel fixa como fun¸c˜ao das outras vari´aveis.

No cason= 2 e vari´aveisx, t,isso significa impor o valor da solu¸c˜ao e de suas derivadas ao longo da curva t = 0. De forma an´aloga, no caso n = 3 com vari´aveisx, y, t, fixart= 0 significa olhar a solu¸c˜ao e suas derivadas, quando for o caso, ao longo da superf´ıcie t= 0.Assim, podemos obter o conceito de condi¸c˜oes iniciais impondo o valor da solu¸c˜ao e de suas derivadas ao longo de uma curva ou superf´ıcie inicial. Este problema ´e denominadoproblema de Cauchy ouproblema de valor inicial (PVI).

Ao trabalharmos com um PVI, normalmente buscamos informa¸c˜oes sobre a existˆencia e unicidade de solu¸c˜oes. Para falar sobre a existˆencia, devemos explicitar a classe de fun¸c˜oes onde procuramos solu¸c˜ao e em que sentido as condi¸c˜oes iniciais s˜ao satisfeitas. Caso a solu¸c˜ao exista, podemos verificar a validade da unicidade.

Consideremos o seguinte PVI linear:

tu(x, t) +∂xu(x, t) = 0, x, t∈R

u(x,0) = u0(x). (3.10)

Supondo que o problema (3.10) tem solu¸c˜ao e que esta ´e ´unica, podemos definir uma fun¸c˜ao que a cada condi¸c˜ao inicial u0 em um espa¸co Y associa uma ´unica solu¸c˜ao u em um espa¸co X, onde X e Y s˜ao espa¸cos de Ba-nach. Essa fun¸c˜ao ´e chamada de fluxo e est´a bem definida pela existˆencia e unicidade de solu¸c˜ao.

Defini¸c˜ao 14. Dizemos que um problema de Cauchy linear ´e localmente bem posto no sentido de Hadamard em Hs se:

• i) Dado u0 ∈Hs existe T >0 e uma ´unica solu¸c˜ao u de (3.10) tal que upertence ao espa¸co das fun¸c˜oes cont´ınuas definidas de [−T, T]em Hs denotado por C([−T, T], Hs) e u(x,0) =u0.

• ii) O fluxo ´e cont´ınuo, ou seja, para cada T0 ∈[0, T] a fun¸c˜ao u0 ∈Hs 7→C([−T0, T0], Hs)

´e cont´ınua. Dizemos que u´e a solu¸c˜ao associada `a condi¸c˜ao inicialu0, isto ´e, a solu¸c˜ao depende continuamente da condi¸c˜ao inicial.

Um problema de Cauchy ´e globalmente bem posto emHs se podemos escolher T = +∞.

Agora, voltaremos ao m´etodo das caracter´ısticas. Para introduzir esta t´ecnica, usaremos o seguinte PVI de primeira ordem

a(x, y)ux+b(x, y)uy =c(x, y)

u(σ(t), ρ(t)) =f(t), t∈I (3.11) onde I ´e um intervalo aberto finito ou infinito. O leitor interessado em aprender curvas caracter´ısticas com mais detalhes pode consultar [Io].

Em (3.11), (σ, ρ) ´e a parametriza¸c˜ao da curva inicial plana γ. Esta curva, contida numa regi˜ao aberta deR2 deve ser coberta por curvas caracter´ısticas planas que intersectam a curva γ em exatamente um ponto.

Se C ´e uma curva caracter´ıstica plana parametrizada por (α, β) ent˜ao a derivada total de u ao longo de C ´e, pela regra da cadeia

d

ds[u(α(s), β(s))] =α0(s)ux(α(s), β(s)) +β0(s)uy(α(s)β(s)). (3.12) Por outro lado a equa¸c˜ao (3.11) parametrizada tem a seguinte forma a(α(s), β(s))ux(α(s), β(s)) +b(α(s), β(s))uy(α(s), β(s)) = c(α(s), β(s))

Comparando as duas ´ultimas equa¸c˜oes vem α0(s) = a(α(s), β(s))

β0(s) =b(α(s), β(s))

Assim, nossa equa¸c˜ao pode ser reescrita com uma derivada total do lado esquerdo e obtemos ent˜ao

d

ds[u(α(s)β(s))] =c(α(s), β(s)).

Agora basta integrar!

Essa discuss˜ao pode ser formalizada no seguinte teorema:

Teorema 14. Sejam Ω ⊆ R2, I ⊆ R um intervalo aberto, γ uma curva suave em Ω parametrizada por γ(t) = (σ(t), ρ(t)), t ∈ I, f ∈ C1(I) e a, b, c∈C1(Ω). Suponha que a(x, y)2 +b(x, y)2 6= 0∀(x, y)∈Ω e

a(σ(t), ρ(t)) b(σ(t), ρ(t)) σ0(t) ρ0(t)

6= 0, ∀t∈I.

Ent˜ao, o problema (3.11) tem uma ´unica solu¸c˜ao de classe C1 em uma vizi-nhan¸ca da curva γ em Ω.

Apresentamos a seguir um exemplo onde o m´etodo das caracter´ısticas ´e utilizado.

Exemplo 8. Considere o problema

−y∂xu+x∂yu= 4xy

u(x,0) = f(x), x >0. (3.13) Vamos come¸car calculando as curvas caracter´ısticas planas para a EDP em (3.13). Procuramos ent˜ao curvas s7→(α(s), β(s)) satisfazendo

α0(s) = −β0(s) β0(s) =α0(s).

Multiplicando a primeira equa¸c˜ao por α(s), a segunda por β(s) e somando, obtemos

α(s)α0(s) +β(s)β0(s) = 0 (3.14)

⇒ d

ds[α(s)2+β(s)2] = 0 (3.15)

⇒α(s)2+β(s)2 =constante. (3.16) Portanto, as curvas caracter´ısticas planas para a EDP em (3.13)s˜ao c´ırculos centrados na origem. Como a curva inicial ´e o semi-eixo y = 0, x > 0, a curva inicial intersecta ortogonalmente cada caracter´ıstica plana em exata-mente um pontoe e todos os pontos em R − {0} est˜ao em alguma dessas caracter´ısticas.

Figura 3.2: Curvas caracter´ısticas Ao longo do c´ırculo de raio r a EDP fica

d

dθ[u(rcos(θ)rsen(θ))] = 4r2sen(θ)cos(θ).

Usando coordenadas polares para integrar a EDP, obtemos u(x, y) =

Z θ(x,y)

0

4r2sen(θ)cos(θ)dθ+u(r,0)

= 2r2sen2(θ)

θ=θ(x,y)

θ=0

+f(r)

= 2y2+f(p

x2+y2).

Portanto, a solu¸c˜ao do problema (3.13) ´e u(x, y) = 2y2 +f(p

x2+y2), (x, y)∈R2− {(o,0)}.

Note que na origem, comop

x2+y2 n˜ao ´e diferenci´avel, a diferenciabilidade de u depende de f.

Boa Coloca¸ c˜ ao

4.1 KdV linear

Nesta se¸c˜ao trabalharemos com o seguinte problema de Cauchy envol-vendo a KdV linear

tv(x, t) +∂x3v(x, t) = 0, x, t∈R

v(x,0) = v0(x). (4.1)

Provaremos a boa coloca¸c˜ao no sentido de Hadamard em espa¸cos de Sobolev Hs para s > 72, ou seja, que dada uma condi¸c˜ao inicial v0 ∈ Hs (s > 72), existe uma ´unica solu¸c˜ao v ∈C(R, Hs) de (4.1) e que o fluxo ´e cont´ınuo.

Mostraremos inicialmente a existˆencia de solu¸c˜ao.

Considere o problema (4.1) com v0 ∈ Hs. Aplicando a transformada de Fourier em rela¸c˜ao a x e utilizando a linearidade, obtemos

tˆv(ξ, t) + (iξ)3v(ξ, t) = 0ˆ ξ∈R ˆ

v(ξ,0) = ˆv0(ξ). (4.2)

Multiplicando a primeira equa¸c˜ao em (4.2) pelo fator integrantee(iξ)3t, obte-mos

tv(ξ, t)eˆ (iξ)3t+ (iξ)3ˆv(ξ, t)e(iξ)3t= 0, o que implica

t(ˆv(ξ, t)e(iξ)3t) = 0.

Integrando em ambos os membros em rela¸c˜ao a t, obtemos ˆ

v(ξ, t)e(iξ)3t= ˆv(ξ,0) = ˆv0(ξ) e portanto

38

ˆ

v(ξ, t) = ˆv0(ξ)e3t. (4.3) Agora, para recuperar a fun¸c˜ao original v, aplicamos a transformada in-versa de Fourier em (4.3) e obtemos

v(x, t) = (ˆv0(ξ)e3t). (4.4) Conclu´ımos ent˜ao que o problema (4.1) tem solu¸c˜ao. Mostraremos agora que (4.4) ´e deriv´avel em t no sentido usual do c´alculo.

Temos de (4.4) que

v(x, t) =c Z

R

ˆ

v0(ξ)e3teixξ

onde c ´e uma constante. Pelo Teorema da deriva¸c˜ao sob o sinal da integral (Teorema 6) v ´e deriv´avel em t. Como consequˆencia, temos que (4.4) ´e cont´ınua t, ou seja,

kv(x, t)−v(x, t0)kHs →0 quando t→t0. Agora provaremos que a solu¸c˜ao ´e ´unica.

Multiplicando a primeira equa¸c˜ao de (4.1) porv e integrando em rela¸c˜ao a xobtemos

Do Teorema 12, como s > 72, temos que v decai no infinito e portanto esta

´

ultima equa¸c˜ao ´e equivalente a d

e portanto

Integrando (4.5) de 0 `a t obtemos Z t que pelo Teorema Fundamental do C´alculo ´e equivalente a

1 de onde conclu´ımos que

Z ou seja, a massa ´e conservada.

Suponhamos agora que o problema (4.1) possua uma outra solu¸c˜ao u ∈ Hs,s > 72. Temos ent˜ao que u(x,0) =v0(x).

Seja w=v −u. Como estamos trabalhando com uma equa¸c˜ao linear, repe-tindo o processo anterior temos de (4.6) que

1

0 =w=v−u.

Logo, v =u e a solu¸c˜ao ´e ´unica.

Provaremos agora a continuidade do fluxo. J´a mostramos, via transfor-mada de Fourier, que dada uma condi¸c˜ao inicial v0 ∈ Hs, existe uma ´unica solu¸c˜ao v(x, t)∈C(R, Hs) de (4.1). Portanto, o fluxo

v0 ∈Hs 7→v ∈C(R, Hs) est´a bem definido.

Agora, seja hsolu¸c˜ao de (4.1) com condi¸c˜ao inicialh0. Temos ent˜ao, pelo teorema de Plancherel que

kh(t)kHs =

(1 +|x|2)s2ˆh] L2 =

(1 +|x|2)s2ˆh

L2. (4.7) Como h´e solu¸c˜ao, obtemos, por (4.4), que (4.7) ´e igual a

(1 +|x|2)2s (e3tˆh0) L2 =

(1 +|x|2)s2e3t0 L2

=

(1 +|x|2)s20

L2

=kh0kHs. Portanto

sup

t

kh(t)kHs =kh0kHs ou seja

kh0kHs =kh(t)kC[R,Hs]. (4.8) Mostraremos que, dado > 0, existe δ > 0 tal que, para v0 fixado, se kv0 −u0kHs < δ ent˜ao kv−ukC[[0,∞),Hs]< .

Fixemos ent˜aov0 ∈Hs. Sabemos que existe ´unica solu¸c˜aov de (4.1) com condi¸c˜ao inicial v0. Tome u0 ∈ Hs de forma que ku0 −v0k < δ. Para este u0 existe tamb´em ´unica solu¸c˜aoucom condi¸c˜ao inicialu0. Devemos mostrar ent˜ao queku−vkC[[0,∞),Hs]< . Definaw0 :=u0−v0 ∈Hs, poisHs ´e espa¸co vetorial. Assim, existe ´unica solu¸c˜ao w com condi¸c˜ao inicial w0. Por (4.8), temos que kw0ksH =kwkC[[0,∞),Hs]. Ent˜ao, tomando =δ temos o desejado.

Note que pela unicidade da solu¸c˜aow=u−v . Com isso, temos a continui-dade.

Documentos relacionados