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A palavra argamassa abrange um vasto campo de aplicações e, como tal, antes da escolha da argamassa a aplicar num edifício, é necessário saber qual o tipo de obra e a sua função. Ou seja, é imprescindível saber se a argamassa é para construção nova ou para reabilitação de um edifício e, ainda, qual a função que esta irá desempenhar – se vai ser aplicada no assentamento de alvenaria, se as juntas da alvenaria vão ficar à vista ou vão ser revestidas, se vai ser aplicada num reboco exterior ou interior, se num refechamento de juntas, se numa reparação localizada, por exemplo.

Com o passar do tempo, a constituição e forma das paredes exteriores dos edifícios foram-se modificando de região para região. Mas apesar disso, as paredes exteriores tinham características em comum (desde a antiguidade até à época do betão armado em toda a Europa): juntavam a função resistente com a função de proteção em relação aos agentes climáticos e às ações externas em geral; os materiais utilizados antigamente eram mais porosos e deformáveis do que os utilizados nos dias de hoje; a sua espessura proporcionava capacidades de resistência e proteção (Veiga 2003). Uma grande diferença na funcionalidade de paredes exteriores antigas das atuais é relativa ao acesso da água e à humidade. Na construção atual, umas das principais preocupações com as alvenarias é que estas não permitam entrada de água vinda do exterior ou pelo menos que, em conjunto com o revestimento, impeçam a progressão da água até ao interior, e como tal dimensionam-se as paredes exteriores com esse intuito. O mesmo não acontece com as alvenarias de construções antigas, em que é suposto que a água tenha acesso às paredes. A espessura e a porosidade das paredes impediam a permanência prolongada de água, tentando então promover a sua fácil e rápida saída para o exterior.

Quando se pretende intervir num edifício antigo, a primeira opção deverá ser, sempre que pos- sível, a conservação. No entanto, a estratégia de intervenção mais apropriada é bastante difícil de determinar. Ao nível dos rebocos de paredes podem assim distinguir-se quatro grandes níveis possíveis de intervenções (Veiga 2003):

 Primeira: conservação do revestimento antigo através de operações de manutenção e de re- paração pontual;

 Segunda: consolidação do revestimento existente, se o edifício ou o revestimento for de valor elevado;

 Terceira: substituição parcial em alguns paramentos, com recurso a revestimentos semelhan- tes aos antigos;

 Quarta: substituir a totalidade do reboco.

Estas opções devem ser escolhidas por ordem de severidade das anomalias, sendo que a primeira corresponde a anomalias pontuais e a última a anomalias com severidade elevada.

Em conservação, a enfase prioritária deve ser sempre a durabilidade da alvenaria que a arga- massa protege, ao contrário do que se passa na construção nova, em que a maior preocupação é a durabilidade da nova argamassa (Henriques et al. 2006). Assim, o principal objetivo num projeto de

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conservação é a preservação física dos materiais e estruturas existentes. A argamassa escolhida deve contribuir para este objetivo durante todo o período em que esteja funcional e deve também ser passível de ser removida quando perder essa funcionalidade. Este último aspeto denomina-se de reversibili- dade1, e constitui um importante fator a ter em conta na definição das características mecânicas e físicas da nova argamassa.

A durabilidade de argamassas é garantida através de diversas características: resistência me- cânica (aos choques), boa coesão interna, boa aderência ao suporte e entre camadas (mas não exces- siva para não impedir a reversibilidade), boa resistência química (aos sais existentes nas alvenarias), bom comportamento face à água (absorção lenta e facilidade de secagem) e ainda resistência à colo- nização biológica. Relativamente a argamassas de cal, a sua durabilidade está fortemente relacionada com a sua estrutura porosa, pois esta controla a capacidade de transportar, reter e expulsar água por evaporação. No entanto, a durabilidade das argamassas não se prende exclusivamente com as suas características intrínsecas. Diversos fatores como as técnicas de preparação e aplicação, condições climáticas e de cura e a preparação do suporte são igualmente importantes (Veiga 2003).

Os objetivos da utilização de uma argamassa em edifícios existentes podem passar por rebo- cos de proteção de alvenarias (contra ações externas ou internas), refechamento de juntas (em que as argamassas sejam inexistentes ou não-funcionais), injeções (de caldas) em alvenarias com problemas estruturais, argamassas de assentamento (criação de juntas entre novos elementos) ou ainda, repara- ção estética de elementos de pedra (Henriques et al. 2006). Estas duas últimas funções de argamassas excluem-se do âmbito da conservação2, passando a pertencer às ações de restauro3 ou reconstrução. De forma simplificada, podem resumir-se as funções e exigências principais de determinada argamassa da forma apresentada na Tabela 2.3 (Henriques et al. 2006).

Tabela 2.3 – Funções e exigências funcionais de argamassas (Henriques et al. 2006).

Tipo de argamassa Função Exigências funcionais

Rebocos exteriores Proteção contra a ação da água (liquida ou vapor) Baixa absorção de água e elevada permeabilidade ao vapor de água Rebocos interiores Proteção contra ações mecânicas Boa dureza superficial

Refechamento de juntas

Proteção contra a água e estabilidade estrutural

Baixa absorção de água, elevada permeabili- dade ao vapor de água e expansibilidade Injeções Estabilidade estrutural Facilidade de injeção

1Reversibilidade – possibilidade de um dado material ou solução construtiva poderem ser removidos no

final da sua vida útil sem causar danos aos restantes materiais que com eles contactem (Henriques 1991).

2 Conservação – conjunto de ações destinadas a prolongar o tempo de vida duma dada edificação histó-

rica (Henriques 1991).

3Restauro – conjunto de operações destinadas a restabelecer a unidade da edificação do ponto de vista

Estado do Conhecimento

Relativamente a argamassas utilizadas para rebocos exteriores, estas devem possuir as se- guintes características:

 Devem possuir a menor absorção capilar de água possível (quer em termos de coeficientes de capilaridade quer em termos de valor assimptótico);

 A água que inevitavelmente consegue penetrar na argamassa deve poder evaporar e para tal, a permeabilidade ao vapor de água é uma característica importante;

 Devem ter estabilidade dimensional, tanto numa fase inicial (retrações) como a longo prazo (variações dimensionais);

 Devem ter boa aderência ao suporte;

 Tanto quanto possível, as argamassas não devem libertar sais solúveis. No entanto, e devido aos sais que inevitavelmente existem em alvenarias, a resistência aos sais solúveis deve ser a maior possível;

 As resistências mecânicas devem conseguir suportar a ação anterior e outras, tais como ações de gelo/degelo e ações devido a choques;

 As argamassas devem fazer presa num período de tempo curto, por forma a impedir deteriora- ções devido a resistências mecânicas inicias fracas.

Argamassas correntes têm sido escolhidas para intervenções em alvenarias de edifícios anti- gos, como, por exemplo, as argamassas de cimento. Estas não são a escolha mais apropriada para tal devido a vários aspetos, tais como: o aspeto final da superfície, a presença de sais solúveis no seu interior que posteriormente migram para o suporte, rigidez excessiva e capacidade limitada de permitir a secagem da parede sobre a qual está colocada. Por outro lado, as argamassas que mais se aproxi- mam das vernaculares são as argamassas de cal aérea. Estas permitem assegurar a compatibilidade estética e funcional com os materiais pré-existentes. No entanto, estas argamassas têm vindo a apre- sentar problemas de durabilidade, principalmente quando expostas à chuva e, ainda mais, ao gelo (Veiga 2003).

Na escolha de uma argamassa para rebocos de edifícios antigos, as características a ter em conta podem ser agrupados em dois grupos (Henriques et al. 2008):

 Características que garantem a proteção da parede: - Absorção e evaporação de água;

- Resistências mecânicas; - Libertação de sais solúveis; - Estabilidade dimensional.

 Características que previnem a degradação das argamassas: - Resistência aos sais solúveis;

- Resistência ao gelo/degelo; - Evaporação de água;

- Resistências mecânicas (incluindo tempo de presa).

Assim, é necessário ter em conta todos estes aspetos na escolha de uma argamassa de re- vestimento para um edifício antigo.

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Algumas destas características possuem valores recomendados para que, quando cumpridos, possam ter melhor eficácia. Relativamente a argamassas a aplicar em edifícios antigos, como gama de valores que se pode ter em conta surge a apresentada na Tabela 2.4 (Veiga 2010). Esta gama de valores foi estabelecida com base em experiência na área sendo portanto meramente indicativa.

Tabela 2.4 – Requisitos estabelecidos para as características, aos 90 dias, das argamassas de revestimento para edifícios antigos (Veiga 2010)

Função Características mecânicas aos 90 dias

Comportamento com a água Rt [N/mm2] Rc [N/mm2] Ed [N/mm2] CC [kg/(m2.min1/2)] Reboco exterior 0,2-0,7 0,4-2,5 2000-5000 <1,5; >1,0 Reboco interior 0,2-0,7 0,4-2,5 2000-5000 - Refechamento de juntas 0,4-0,8 0,6-3,0 3000-6000 <1,5; >1,0

A norma EN 998-1 (CEN 2010) define também algumas gamas de valores que as argamassas para rebocos devem possuir, não sendo estas específicas para edifícios antigos:

Tabela 2.5 - Classificação para as propriedades de argamassas no estado endurecido EN 998-1 (CEN 2010)

Propriedades Categoria Valores

Resistência à compressão aos 28 dias

CS I 0,4 a 2,5 MPa

CS II 1,5 a 5,0 MPa CS III 3,5 a 7,5 MPa

CS IV ≥ 6 MPa

Absorção de água por capilaridade

W 0 Não especificado W 1 CC ≤ 0,40 kg/(m2.min1/2) W 2 CC ≤ 0,20 kg/(m2.min1/2)

Condutibilidade térmica T 1 ≤ 0,1 W/m.K

T 2 ≤ 0,2 W/m.K

Um fator que influencia fortemente a durabilidade e comportamento de uma argamassa de revestimento é a sua aplicabilidade, ou seja, a sua técnica de aplicação. Desta forma, é importante referir os seguintes aspetos (Veiga 2003):

 A quantidade de água introduzida no processo de amassadura deve ser minimizada, o que conduz a uma argamassa mais consistente. Embora se torne mais difícil de aplicar, resulta num revestimento mais compacto, com maior capacidade resistente, menor tendência para fissurar e menor absorção de água;

 É preferível que a amassadura seja realizada manualmente ou com berbequim, evitando a betoneira;

 Por forma a garantir maior compacidade e menor suscetibilidade à fendilhação, é importante apertar a argamassa contra o suporte;

 Um maior número de camadas, de menor espessura cada uma, diminui as tensões de retração, e também a fissuração. Consegue-se também melhorar a capacidade de impermeabilização;

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 Uma forte exposição solar facilita o endurecimento da argamassa mas também poderá aumen- tar a fissuração. Por outro lado, uma fraca exposição solar atrasa a carbonação e compromete o comportamento a longo prazo.

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