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Experiência e Necessidade: sobre a cientificidade da experiência

Ciência e a Experiência: sobre a passagem da ciência da experiência da consciência para a Ciência

3.1 Da Experiência à ciência da experiência da consciência.

3.1.1. Experiência e Necessidade: sobre a cientificidade da experiência

efetivação de sua essência no elemento do conceito, como ciência. A ciência da experiência da consciência é assim a realização do espírito no elemento do saber, como saber de si ou saber do saber. Com efeito, nesse itinerário a cientificidade da experiência da consciência está imbricada com a sua necessidade imanente de ser espírito que se sabe em e para si. É o reconhecer dessa necessidade na experiência realizada pela consciência, que torna a Fenomenologia uma ciência, isto é, ciência da experiência da consciência.

3.1.1. Experiência e Necessidade: sobre a cientificidade da

experiência

A ciência da experiência da consciência é apresentada neste itinerário, no qual cada configuração da consciência se torna uma totalidade da própria autoconsciência.

197 F.e. I, p.66 (p.72) 198 Idem, ibidem, loc. cit.

Esse movimento de formação do todo ou do Absoluto na consciência se apresenta como o desenvolvimento da forma universal nas experiências particulares dos conteúdos desenvolvidos e conceitualizados da coisa mesma, ou melhor, em cada figura e suas múltiplas determinações – conceituais e “históricas”. A experiência é exatamente a forma mediativa que permite este movimento, que se expõe na diferença entre o sujeito e o objeto, de um lado, e de outro nos graus de perfectibilidade do saber de si da consciência. É esta perfectibilidade que impulsiona a consciência a sua pureza e à perfeição absoluta: a necessidade de se libertar de todo o limitado, de todo o finito e perfazer-se como totalidade, como espírito autoconsciente em e para si.

O desenvolvimento das figuras, em que a consciência se torna consciente de si no momento de seu ser como saber de sua efetividade, é necessário no transcurso de seu reconhecimento como espírito; é a necessidade do espírito de ter que ser compreendido a partir de sua própria essência. A essência do espírito é ser para si no elemento do saber; de fato, ser saber é a sua capacidade mesma de se determinar ou de se mediar. Desta capacidade de determinação – entendida, por Hegel, como negação – é que advém a ciência no espírito segundo sua necessidade de mediação e de sua conceitualização através do movimento de apresentação. Nesse movimento, o espírito se expõe pelo seu conceito, que “não precisa de nenhum estímulo externo” 199, e

o faz por:

sua natureza própria, que encerra em si a contradição da simplicidade e da diferença, e por esse motivo [é] inquieta, impele-o a efetivar-se, a desenvolver a diferença só de modo ideal presente nele mesmo – isto é, na forma contraditória da ausência da diferença – em uma diferença efetiva; e por essa suprassunção de sua simplicidade como uma deficiência de uma unilaterialidade; [impele o conceito] a formar efetivamente o todo, do qual inicialmente só contém a possibilidade.200

Assim, se torna clara a asserção da necessidade do trajeto que a alma prescreve, por sua natureza, suas configurações201, pois o conceito possui um impulso interno de superação da simplicidade indefinida e formal da possibilidade do todo inicial, em que se encontra, e se põe no movimento teleológico de determinação de si próprio como

199 Enc. III, § 379, p. 12. 200 Idem, ibidem, loc. cit. 201 F.e. I, p.66 (p.72).

conceito e como efetividade concreta. Como “a consciência é para si [mesma] seu conceito”202, a necessidade de reconhecer-se como tal torna-se uma insurgência do todo na consciência; pois, “o conceito mesmo põe um limite ao seu autodesenvolver-se, ao dar-se uma efetividade que lhe corresponde plenamente”203, e esta plena

correspondência é o “alvo” de seu trajeto. Neste movimento teleológico podemos dizer que o desenvolvimento do espírito se impulsiona rumo a sua plena efetivação, superando a dicotomia fixa do entendimento entre o conceito (neste ponto de vista, o subjetivo) e o efetivo (com seu caráter objetivo), expondo sua auto-efetivação como conceito de si para si, ou seja, a unidade entre Si mesmo e sua efetividade, o que é a verdade em e para si. Desta forma, o desenvolvimento do espírito em sua totalidade não é nada além do reconhecimento de si da verdade do espírito reconduzido às suas diferenciações ao conceito, como diferenciação interna de si mesmo do conceito (que neste ponto não é apenas subjetivo, mas também objetivo). Destarte, este movimento é síntese entre o conceito e sua efetividade, através do desenvolvimento sistemático- dialético necessário que torna toda a apresentação (Darstellung) da formação do espírito para ciência uma ciência.

Desta forma, o que torna a Fenomenologia do espírito uma ciência é o reconhecimento dessa necessidade do movimento científico-sistemático que se imbrica no movimento dialético da experiência. Tal compreensão nos conduz a uma pergunta: como é reconhecida esta necessidade na experiência? Esta questão leva a uma análise da relação entre a contingência da experiência e a necessidade da apresentação do absoluto, levantando, por conseguinte, o problema do segundo capítulo, relativo à diferença entre dialética (apresentação do absoluto e seu reconhecimento no para-nós) e experiência (forma fenomênico-consciencial do desenvolvimento enquanto para-ela). Primeiramente, vê-se logicamente que a relação de oposição entre a necessidade e a contingência, ou ainda, entre os juízos contingentes da experiência e os juízos especulativos necessários, leva à exposição da relação entre o conceito e a efetividade. Com efeito, a experiência imediatamente tem, de um lado, a contingência, que a caracteriza em sua sensibilidade, principalmente na posição abstrata do empirismo; do

202 Idem, p. 68 (p. 74). 203 Enc. III, §379, p.12.

outro lado, a efetividade, a realidade do real, como posição necessária do todo no interior da própria consciência. De início, na experiência, em sua imediatidade cindida entre interno e externo, se mostra pura possibilidade em seu caráter abstrato subjetivo, sua certeza puramente formal, em que, como tal, ainda não se pôs como essência o seu ser, sua existência, fincando retida apenas ao real contingente. Nesta posição, a experiência é reduzida a este “possível”, como se dá em Kant na “experiência possível”, tematizada na Crítica da razão pura, recaindo em uma modalidade abstrata, em que a forma (a priori, interna, universal e necessária) está cindida de seu conteúdo (a posteriori, externo, particular e acidental). Haveria, assim, nesta experiência, uma separação entre a interioridade conceitual-ideal e a exterioridade efetivo-real, como bem se expressa na modernidade pelo elemento do entendimento.

Para Hegel, a experiência, que tem por sujeito universal o espírito, desenvolve a totalidade do que “é” em sua efetivação que se apresenta como necessária. A superação da cisão entre externo e interno, entre o necessário e o contingente, está na mediação promovida pela negatividade, ou mediação da própria experiência, em que o espírito, na sua apresentação fenomenológica, efetiva seu objeto, espiritualizando sua exteriorização (Entäusserung), segundo a qual se torna para si um Outro. A capacidade de “ser Outro”, através desta exteriorização de si, é própria da possibilidade, que nesta posição negativa se enriquece de todo conteúdo acidental (experiência do conceito), mas que possui no retorno a si sua determinação necessária, através de seu reconhecimento (conceito). Destarte, o externo objetivado é o próprio espírito que, ao retornar, reconhece no externo o interno que é, tendo por conteúdo sua pura forma objetivada e efetivada, como “coisa mesma”. Esta relação necessária entre o interno e o externo constitui um movimento imanente da própria experiência, na qual a consciência atinge o seu próprio conceito se referindo a si mesmo. Todavia, para-ela, todo este movimento é uma associação de circunstâncias puramente possíveis e contingentes, que culminam no surgimento do “novo objeto”. Desta maneira, o que há é uma alienação (Entfremdung) do processo constitutivo do próprio objeto, o não- reconhecimento como necessário do desenvolvimento especulativo de sua apresentação genética. No entanto, para-nós, o reconhecimento da necessidade interna do próprio conceito, que se exteriorizou e se efetivou no conteúdo e retornou

para si na apresentação, constitui a própria ciência, no elemento autoconsciente do espírito. Com efeito, este movimento se expõe especulativamente como a história de formação do “novo objeto”, como a formação de si do espírito. Este retorno ao Si (Selbst) do conceito marca sua própria necessidade interna de ser efetivo em e para si, tal como o movimento lógico do universal, que mediado pelo particular retorna ao universal efetivo através da dialética-especulativa, que na apresentação da Fenomenologia do espírito se estabelece como movimento científico da experiência.

Assim, a relação entre experiência e ciência começa a se tornar clara, pois, ao invés de principiar imediatamente pela ciência, Hegel mostra a necessidade da mediação da experiência para efetivar o próprio conceito do que “é” (o espírito). Deste modo, a experiência possui no método fenomenológico hegeliano uma importância na efetivação teleológica da ciência, que mesmo estando em seu aparecer, já se mostra como ciência, ainda que como ciência da experiência da consciência. A efetivação necessária da cientificidade da experiência é o saber absoluto, em que o conceito corresponde absolutamente ao seu objeto, ou mais, sendo este objeto seu saber mesmo como conceito. Esta autocorrespondência do conceito é sua simplicidade, que a si mesmo retorna neste movimento da consciência efetiva que se torna sujeito autoconsciente e tem por objeto a si próprio. Este movimento dialético-especulativo da experiência, que tem na negação sua essência motriz, acaba se autonegando no “saber absoluto”. O “saber absoluto” articula, então, as determinações que se expuseram através do movimento de formação do espírito em suas essencialidades puras. O que, por fim, se conclui neste movimento especulativo de formação do espírito é que “o espírito, que se sabe desenvolvido assim como espírito, é a ciência. A ciência é a efetividade do espírito, o reino que para si mesmo constrói em seu próprio elemento”.204

3.2 Experiência e totalidade: sobre o desenvolvimento histórico-