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EXPERIÊNCIA(S) DE APRENDIZAGEM E METACOGNIÇÃO

2 INSTITUCIONALIZAÇÃO DA APRENDIZAGEM NO COTIDIANO ESCOLAR:

5.2 EXPERIÊNCIA(S) DE APRENDIZAGEM E METACOGNIÇÃO

Entendendo a experiência como algo que se processa na coletividade e que agrega dimensões culturais, sociais e geracionais de diferentes sujeitos históricos, mas que é necessariamente significada na subjetividade, que aspectos precisam ser previamente considerados quando se deseja olhar para as experiências dos sujeitos que vivenciam o cotidiano da Educação Básica? Como (re)conhecer experiências de aprendizagem a partir de suas narrativas sobre as situações experienciais

deflagradas pelos(as) professores(as) ou sem a sua supervisão? De que modo a metacognição e a memória atuam na percepção e validação dessas experiências?

As experiências dos(as) estudantes com o vivido nas escolas estão imensamente atravessadas pelo social, pelo cultural e pelo econômico, assim como por memórias escolares que foram constituindo os seus processos identitários e que são reveladoras dos lugares sociais que eles(as) ocupam. Sendo assim, quanto mais distinto for o universo social em que estiverem inseridos(as), mais heterogêneas serão suas identidades e os sentidos atribuídos às suas experiências. O universo social diverso que compõe a escola e que traz para a socialização identidades heterogêneas impede que se fale em uma única experiência de aprendizagem, mesmo que os sujeitos compartilhem tempos e

espaços comuns – aliás, na escola, onde ocorrem tantos embates, alguns deles se

dão, justamente, pela recusa dos(as) estudantes à padronização.

Proporcionada no coletivo a partir de modelos sociais externos aos sujeitos – em que, como afirma Dubet (1994), várias unidades geracionais se entrecruzam –, a experiência escolar não deixa de ser sentida individualmente. Essa especificidade, ao mesmo tempo em que "empurra" os(as) estudantes para a homogeneidade, faz com que esses(as) se sintam constantemente desafiados(as) a manter sua identidade.

É comum que a exigência de aprendizagem feita pela escola, ao definir o que é (in)útil aprender, padrão de sucesso e insucesso escolar, altere a lógica da identidade das crianças e adolescentes, uma vez que o dilema entre atender ao projeto social externo e aos seus próprios interesses se torna recorrente nesse contexto. Afinal, qual a sintonia entre o que a escola e a legislação indicam ser útil e necessário aprender e as expectativas dos(as) estudantes?

E quais os impactos disso num contexto de monitoramento ou validação da aprendizagem? Será que é possível saber sozinho(a) sobre a própria aprendizagem ou somente alguém de fora é capaz de dizer o que foi aprendido – e o que não foi – ou que deveria ter sido aprendido? Será que nesse processo, os sujeitos da aprendizagem também não fazem suas escolhas (entre o que aprender e o que não

aprender, por exemplo)? Será que os(as) estudantes são sujeitos94 de suas

aprendizagens?95

Essas problematizações iniciais dão indícios da complexidade que é referenciar experiências de aprendizagem de estudantes da Educação Básica. Quando se almeja reunir experiências e aprendizagens,entende-se que o primeiro passo é explicitar essas concepções e de que modo se pensa ser possível articulá- las. Por isso, já tendo sido discutidas questões que envolvem a aprendizagem e, antes de aprofundar a dimensão da experiência, considera-se importante adentrar teoricamente em duas outras concepções: a de metacognição e a de memória(s).

A teoria da metacognição, de acordo com os estudos de Grendene (2007)96,

vem sendo discutida desde os anos de 1970, a partir dos estudos de Flavell (1979). Embora ela ainda careça de um consenso em termos de definição teórica e, como consequência, de instrumentos psicométricos que permitam analisar e mensurar o processo cognitivo em etapas e em profundidade, a metacognição tem sido entendida "como o conhecimento que o indivíduo tem sobre seu próprio conhecimento." (GRENDENE, 2007, p. 11).

Como explica o autor, a metacognição diz respeito ao conhecimento que o sujeito tem sobre seus processos cognitivos: como pensa seus pensamentos; como conhece o que conhece; como reflete sobre suas ações; como as qualifica; avalia; redireciona; enfim, como se comporta durante e para a aprendizagem.

Tendo vínculo com a consciência dos sujeitos sobre os próprios processos cognitivos, a metacognição, por conseguinte, tem relação direta com as formas pelas quais um sujeito os autocontrola e os automonitora. Essa tríade (consciência, autocontrole e automonitoramento) faz com que a metacognição adquira importância no reforço das capacidades cognitivas e dê ao sujeito maior estímulo e potencialidade para aprender.

94 A concepção de "sujeito" foi desenvolvida anteriormente no capítulo "Sobre Direito e

aprendizagem", no subitem "Do mito da ineficiência à maquinaria de destruição da educação pública".

95 A problematização expressa considera que se entender sujeito de um processo é também ter

condições de conscientemente perceber a transitoriedade, a transitividade e a historicidade que acompanham o processo de tornar-se humano.

96 Para saber mais, sugere-se a leitura da dissertação de mestrado de Grendene (2007), indicada nas

referências. Nela, o autor apresenta uma revisão conceitual da metacognição e examina procedimentos e instrumentos psicométricos utilizados em sua mensuração, além de propor um novo instrumento, denominado Inventário de Atividade Metacognitiva (IAM).

Beber, Silva e Bonfiglio (2014, p. 145) explicam que "ao aprendente cabe desenvolver a auto-observação para despertar suas competências até então adormecidas, superando seus receios e obstáculos [...]", uma vez que pela autoconsciência de seus processos cognitivos, adquire compreensão sobre o que determina a aprendizagem e se torna capaz de autoaprender na mesma medida em que é capaz de superar os fatores que a limitam.

A partir desse entendimento e retomando o questionamento anteriormente posto acerca da possibilidade de o sujeito saber sozinho sobre a própria aprendizagem, diante das possibilidades de compreensão dos processos cognitivos oferecidas pela teoria da metacognição, a resposta é, sim, assim como é assertiva a possibilidade de alguém de fora ser capaz de dizer o que foi ou não foi aprendido pelo outro.

Contudo, apesar de possíveis, cabe frisar que as duas capacidades exigem atenção plena aos processos cognitivos que conduzem à aprendizagem para cada pessoa, pois nem sempre os sujeitos conseguem verbalizar seguramente como os seus processos cognitivos são controlados.

Certamente, essa não é uma tarefa fácil. Em se tratando de educação formal, professores(as) e estudantes precisam ser ativos e atentos aos processos que regem o aprender, conforme ressaltam os autores: "Aprender nada mais é do que mobilizar sistemas cognitivos que proporcionam mudanças dos conhecimentos independe dos fatores e/ou do contexto. Quando o sujeito produz aprendizagem efetiva, esta se torna duradoura e, por conseguinte,modifica o comportamento." (BEBER; SILVA; BONFIGLIO, 2014, p. 146).

Diante do desafio que o aprender impõe, a postura ativa do(a) estudante para adquirir consciência, autocontrolar e automonitorar os processos cognitivos que favorecem sua(s) aprendizagem(s) e, do(a) professor(a), para identificá-los,

compreendê-los e estabelecer relações com o ensino é indispensável97. Nessa

97 No âmbito do Ensino Superior, alguns países europeus utilizam ferramentas (adaptadas da

proposta do Barômetro da Sustentabilidade) de medição e visualização de dados como o Fincoda e o Barometer. Por meio delas, pode-se conhecer tendências a partir de tópicos que sintetizam indicadores, dados e características dos(as) participantes, além de habilidades e necessidades específicas etc. Em âmbito local, a Universidade de Caxias do Sul (UCS) vem usando o Barômetro desde 2018 (originalmente, o barômetro, como instrumento, serve para medir a pressão atmosférica; como método, serve para mensurar o progresso das nações em direção ao desenvolvimento sustentável, a partir da agregação de uma análise bidimensional: bem-estar humano e bem-estar ecológico).

perspectiva, há de se problematizar a respeito de quais instrumentos a escola lança mão para que o(a) estudante monitore sua própria aprendizagem.

Há de se concordar com a definição trazida, especialmente em relação à profundidade do aprender, que ultrapassa a dimensão do tempo presente e dos contextos socioculturais, e sua incapacidade de ficar circunscrito a uma determinada etapa escolar. Embora o aprender esteja muito fortemente vinculado à educação formal, não se aprende só na escola, tampouco exclusivamente pelas experiências pedagógicas supervisionadas pelos(as) docentes.

Ainda assim, como parte do todo que compõe o sujeito e abrangendo aspectos intelectuais, biológicos e emocionais – que contribuem ou afetam a relação

dos sujeitos com a própria aprendizagem –, emoção e motivação, seguidas pelas

questões culturais e contextuais, suas intervenções também contam muito. Por essa razão, não se pode negligenciar que um conjunto de experiências de aprendizagem

favoráveis à metacognição98 pode, como resultado, fazer com que os sujeitos

aprendizes alcancem novos níveis cognitivos99 e de desenvolvimento.

No cotidiano escolar, em vista das aprendizagens previstas – e não previstas – que lá se desencadeiam, além de a metacognição contribuir para o sujeito compreender a forma pela qual aprende e ampliar suas possibilidades de construir conhecimentos e constituir saberes, ela também fornece aos(as) professores(as) pistas desses mecanismos, possibilitando-o a escolha de intervenções pedagógicas propícias à reflexão e à superação dos obstáculos ao conhecimento, conforme mencionado.

A metacognição, portanto, além de favorecer a construção de conhecimentos em aspectos e habilidades que lhe são fortes, colabora para a libertação dos processos de alienação, contribuindo para o desenvolvimento da consciência crítica, e oportuniza um rearranjo das estratégias ineficazes, de modo que o sujeito possa subsidiar aquelas habilidades e competências que lhes são enfraquecidas.

Como argumentam os autores Beber, Silva e Bonfiglio (2014, p. 146), "a metacognição como processo da aprendizagem é o conhecimento dos próprios

98 O autor observa que "ao acrescentar emoção, motivação e contexto cultural à metacognição,

ratificam-se as dificuldades de generalizar resultados em qualquer estudo sobre esta temática, pois nenhuma metodologia até hoje conseguiu isolar estas variáveis." (GRENDENE, 2007, p. 17).

99 É importante situar que pela perspectiva de Vigotsky, os níveis cognitivos superiores não são

inatos. Para serem alcançados, precisam ser desenvolvidos por intermédio de interações humanas.

produtos cognitivos, isto é, o conhecimento que o sujeito tem sobre seu conhecimento" e, sendo assim entendida, por meio dela o sujeito, compreendendo seu perfil cognitivo, em vista de atividades que o desafiam, regula seus processos cognitivos e aprende.

Quando o sujeito possui conhecimento de suas especialidades, eficácias e limitações consegue ter mais clara a estratégia adequada para a realização de determinada tarefa e, por consequência, domina as ações que serão necessárias para serem colocadas em prática. (BEBER; SILVA; BONFIGLIO, 2014, p. 147).

Esse mecanismo de apropriação, relevante para a aprendizagem, é complexo e depende, muitas vezes, de intervenções e atividades específicas, intencionais e planejadas para acontecer. Diante da relevância da teoria da metacognição para a aprendizagem e para as experiências de aprendizagem no cotidiano escolar, se poderiam indicar dois princípios para o trabalho docente voltado ao favorecimento dos processos cognitivos superiores, se esse fosse o objetivo desta pesquisa.

O primeiro princípio é de que não existe o não saber. O segundo princípio é que é preciso encontrar estratégias pedagógicas que permitam ao(a) estudante atentar para seu próprio processo de aprendizagem, ou seja, observar como recebe e retém as informações que lhe chegam, como define estratégias para o desenvolvimento de determinada atividade cognitiva, de que modo examina as facilidades e as dificuldades das questões que lhe são postas, como opera a solução dos problemas e as avalia, redireciona, revê etc.

Aprender como se aprende, como se pode perceber, não é uma habilidade instintiva. Por outro lado, ela pode ser favorecida no âmbito pedagógico pelo(a)

professor(a)100 e uma das maneiras de ser fazer isso é discutir com os sujeitos

aprendizes suas aprendizagens e não aprendizagens.

E isso não é uma contradição, pois ainda que a metacognição seja tarefa subjetiva, seu processo pode ser iniciado pelo(a) docente, seja por meio de atividades e estratégias diferenciadas de resolução de problemas e desafios, seja

100 Para Beber; Silva; Bonfiglio (2014, p. 147), referenciando Pozo (2002), "atentar para o motivo [do

aprender], partir do conhecimento prévio, dosar com qualidade adequada, condensar os conhecimentos básicos, diversificar as tarefas, planejar situações para recuperação, organizar e ligar uma aprendizagem a outra, promover reflexão sobre conhecimento, proporcionar tarefas cooperativas e instruir planejamento e cooperação" são atitudes do(a) mediador(a) frente às ações de aprendizagem.

por meio de uma atitude emocional ativa de encorajamento e estímulo que permita

ao sujeito aprendiz encontrar a maneira de aprender que mais funciona para si101.

O processo de regulação realizado pelo professor(a) aos poucos dará espaço para processo de autorregulação gerido pelo sujeito aprendiz.

A construção do conhecimento surge da capacidade de usar as informações que facilitam o aprender e a capacidade de se desenvolver na relação com o grupo através de interações para alcançar a construção cognitiva. Nessa relação de troca, a aprendizagem não ocorre somente na relação aprendiz- aprendiz, mas na relação mediador-aprendiz e aprendiz-mediador- aprendiz,onde o mediador tem o papel de apontar o caminho,a fim de se chegar ao ideal para aprender. (BEBER; SILVA; BONFIGLIO, 2014, p. 149).

No entanto, apesar da propensão, como não se deseja cair nas armadilhas da prescrição pedagógica, o que se quer com a teoria da metacognição é encontrar subsídios para (re)conhecer experiências de aprendizagem a partir de narrativas estudantis sobre situações experienciais deflagradas pela escola, com ou sem a supervisão docente.

O desejo potencial é entender de que modo a metacognição e a memória atuam na percepção e validação dessas experiências, sabendo que a memória é o processo cognitivo básico mais acessado para isso. Vale reiterar que, se um sujeito pode pensar, ele pode saber como pensa. Se há um processo cognitivo, há um processo metacognitivo e não importa se a consciência ocorre em paralelo, antes ou depois de uma determinada tarefa ou atividade.

Pelas razões destacadas e considerando as contribuições da teoria da

metacognição – que atenta prioritariamente para o sujeito aprendiz, sem descuidar

da ação pedagógica no favorecimento da compreensão e aprendizagem dos processos cognitivos e de sua regulação pelo(a) próprio(a) estudante, planejando, organizando e desencadeando as ações pedagógicas mais pertinentes aos processo –, justifica-se a relevância de considerar as percepções dos(as) estudantes acerca de suas experiências de aprendizagem.

Não se quer aqui mensurar a atividade metacognitiva dos(as) estudantes ao longo de suas trajetórias no Ensino Fundamental, mas, humildemente, induzi-la por meio da evocação da(s) memória(s) e da exteriorização do vivido por intermédio de

101 Para Grendene (2007, p. 35), a metacognição envolve três processos hierárquicos, "a primeira

hierarquia sendo a ancoragem básica das próprias cognições, a segunda, o monitoramento (dar- se conta) e a terceira, a regulação (emissão de modelo explicativo)."

narrativas reflexivas sobre suas experiências de aprendizagem, pois considera-se que a aprendizagem depende tanto dos fatores externos aos sujeitos quanto dos cognitivos e metacognitivos.