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Embora a gastrite, enquanto doença seja estudada como um problema local, a possibilidade de ela ser uma doença auto-imune torna necessária uma avaliação sistêmica do organismo. Esse

estudo global de interações locais do sistema imune não é novo. Jerne (1974) propôs a teoria da rede idiotípica, segundo a qual os anticorpos presentes em um dado organismo estariam com suas especificidades conectadas, sendo que a modificação em uma parte da população poderia ter um efeito sobre todos os outros componentes do sistema.

Esta forma integrada de trabalhar com sistema (Haury et al., 1994; Coutinho e Kazatchkine, 1995; Nobrega et al., 1998) demonstra a solidez do sistema imune e permite estudar alterações globais frente a uma patologia qualquer. O estudo de anticorpos naturais tem sido uma ferramenta poderosa nesse tipo de abordagem (Janeway, 2001; Marchalonis et al., 2002). Esses anticorpos naturais ocorrem na ausência de imunização deliberada ou agressão microbiana. Na sua maioria são auto- reativos e participam da manutenção da homeostase imune em condições fisiológicas (Bayry et al., 2004). Podem tanto prevenir quanto produzir doenças autoimunes (Ochsenbein et al., 1999; Kazatchkine e Kaveri, 2001). Situações aparentemente locais, como um quadro de esquistossomose murina de sintomatologia hepatoesplênica, ao serem estudadas através da observação desses anticorpos, possibilitaram a identificação de padrões de reatividade que puderam ser correlacionados com a gravidade da doença (Vaz et al., 2001). A utilização da técnica desenvolvida por Nóbrega tem permitido verificar padrões de comportamento das imunoglobulinas do soro que refletem modificações sistêmicas da imunidade. O que aponta para um valor preditivo da

utilização da técnica no estudo de algumas infecções, e doenças auto- imunes. Isto poderia torná-la um importante instrumento para a avaliação da eficácia de um determinado tratamento, assim como o acompanhamento de estados de tolerância ou quebra deste estado (Haury et al., 1994).

A técnica consiste em separar uma mistura antigênica por eletroforese e imobilizar os antígenos separados em uma membrana de nitrocelulose. Uma vez pronta essa membrana, os soros são colocados sobre ela utilizando-se um cassete especial de incubação que não permite a mistura entre os soros. Após a revelação, aparece um conjunto de bandas de reatividade nos locais onde os soros foram incubados.

Nóbrega e Haury criaram um “macro” para o programa de análise gráfica Igor®, que permite, a partir da imagem digitalizada da membrana, transformar o conjunto de bandas de reatividade do soro em uma curva de densidades ópticas (Nóbrega et al., 1993). Nessa curva, os picos correspondem às bandas de reatividade. Além disso, o programa é capaz de corrigir distorções na posição da curva, fruto de eventuais problemas na separação dos antígenos na eletroforese. Isso tornou possível fazer ajustes de curvas densitométricas para a comparação entre os soros. Permitiu também a construção de uma matriz numérica, em que uma linha corresponde a um soro, e cada coluna a uma banda de reatividade, sendo que, para uma dada posição dessa matriz, estava um valor representando a intensidade com que cada soro tinha reagido para cada banda. Dessa forma, esta técnica deixa de ser qualitativa e se

torna semiquantitativa, pois os valores das intensidades das bandas, em termos de densidade óptica, foram passíveis de comparação.

Uma aplicação clínica dessa nova metodologia de abordagem global do repertório é, ao detectar-se a diferença no perfil de reatividade na fase de remissão ou de atividade das doenças, acompanhar o perfil desses pacientes, a fim de detectar essas alterações precoces, indicativas de remissão ou atividade (Hecker, 1996).

Silva-Neto (2000), ao padronizar a técnica de Westernblot para a comparação dos repertórios de anticorpos no modelo eqüino, trabalhando com potros antes e após a ingestão de colostro, e testando-os frente a um painel de antígenos de E. coli, observou uma grande constância dos perfis de reatividade dos anticorpos IgM e IgG, entre as amostras dos pares égua-potro. Os resultados levaram o autor a pensar na existência de uma forte conservação dos fatores que determinam a restrição do repertório de anticorpos dentro da espécie eqüina, em especial para a IgM.

Em trabalho mais recente, Silva-Neto (2005) identificou a existência de padrões de reatividade das imunoglobulinas que podem ser associadas tanto a condições fisiológicas quanto patológicas. Identificou padrões de reatividade de IgM nas espécies eqüina e suína que tendem a se instalar cedo na lactação e perdurar até a vida adulta. Além disso, a identificação de uma grande estabilidade nas IgG de cavalos imunizados com venenos de serpentes e infectados com vírus da anemia

infecciosa, aponta para uma grande conservação e robustez dos mecanismos que geram esses perfis de reatividade. Trabalhando com suínos foi possível inclusive comparação dos perfis de IgG de leitões amamentados por amas de leite, que se mostraram semelhantes aos perfis de seus irmãos legítimos e distintos dos seus irmãos adotivos (Silva-Neto, 2005).

Por outro lado, Silva-Neto (2005) observou modificações sofridas no soro de pacientes com malária, que apontam para um grande potencial da técnica em explorar padrões de comportamento imune como uma forma de avaliação prognóstica de doenças. E, até mesmo em doenças nas quais esse envolvimento é apenas uma suspeita, como no caso do soro de pacientes com miocardite.

Em experimentos com soros de camundongos infectados com Leishmania major, ficou claro que nos animais sensíveis à infecção, a partir de um determinado período, as modificações nos perfis de reatividade de IgG convergiam praticamente sempre para a mesma região dos gráficos bidimensionais, F1XF2, o que inclusive permitiu discriminar entre animais C57B16 e Balb/C infectados, no teste com extrato de L. major (Silva- Neto, 2005).

2.4.1 Análise de Componentes Principais

Nóbrega et al. (1993) introduziram a Análise de Componentes Principais na análise estatística do comportamento das curvas obtidas pelo immunoblot, o que torna possível não apenas comparar

os soros banda por banda de reatividade, mas comparar os soros usando todo o conjunto de bandas simultaneamente. Essa globalização da análise transformou esse immunoblot em um immunoarray, ou seja, em um teste no qual o que importa é a análise simultânea de todas as bandas em todas as curvas. A introdução dessa técnica permitiu observar fenômenos relacionados à coletividade das imunoglobulinas do soro e não apenas de natureza clonal.

Nesse método, o conjunto de vetores é aproximado por uma interpolação com um espaço dimensional de, no máximo, cinco ou seis dimensões, chamados eixos fatoriais. Desse modo, cada vetor de 52 coordenadas é reduzido a um vetor de cinco ou seis coordenadas, chamadas de fatores. Assim sendo, é possível comparar de maneira objetiva a similitude ou a divergência das amostras, analisando-se os dados nos planos fatoriais formados pelos 5 ou 6 eixos. Os eixos fatoriais representam uma média ponderada de cada seção de reatividade, algumas contribuindo mais que outras na definição de cada eixo. Essa ponderação é feita de maneira a selecionar as seções que são mais significativas para se diferenciar entre as amostras (Nóbrega et al., 1993). Técnicas com a capacidade de observar de forma mais ampla um determinado fenômeno, utilizando ferramentas de análise estatística multivariada, são conhecidas na biologia molecular como analises de arrays (conjuntos, coleções) (Watson e Akil, 1999). Sua orientação básica é justamente observar simultaneamente um grande número de componentes do sistema e, a partir dessas informações, identificar padrões

de comportamento que a observação das partes isoladas não torna possível identificar. Entre esses, a análise de componentes principais é uma ferramenta poderosa utilizada por e c o l o g i s t a s , p o r e x e m p l o , p a r a interpretar dados amplos e complexos, referentes aos ecossistemas (Grotti et al., 1999; Mariottini e Leardi, 2000).

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