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CAPÍTULO I: O CURRÍCULO

4. Desenvolvimento curricular

1.4.4 Fases do desenvolvimento curricular

Já frisamos que o desenvolvimento curricular é um processo continuo de conceção, implementação/operacionalização e avaliação de planos e programas de ensino, na medida em que se desenvolve em confronto com a situação concreta do ensino, à medida que vai cumprindo e realizando a intenção do que o norteia, (Gaspar & Roldão, 2008).

De modo geral, as grandes fases do desenvolvimento curricular são: Conceção, Implementação/operacionalização, avaliação e, por vezes, alguns autores acrescentam a reforma.

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1.4.4.1 Conceção

Na conceção do currículo integram-se a análise da situação a que o currículo a construir se destina, o estabelecimento articulado de objetivos e conteúdos e a orientação para as competências a desenvolver, (idem).

A análise da situação corresponde a avaliação das necessidades de formação da sociedade ou grupo em causa. No plano meso e micro, a análise da situação pressupõe um conhecimento prévio e analítico sobre a escola e os alunos e o seu enquadramento e ainda, o conhecimento sobre os alunos, o seu meio familiar, social, (Fernandes, 2011).

Sobre o aluno inclui-se o conhecimento sobre o seu percurso escolar anterior, as condições em que vive face às exigências do ambiente escolar. Todos esses aspetos devem ser analisados e não

apenas cataloga-los. Na prática, a análise da situação tem sido vista como uma rotina meramente

informativa, caraterizada pela acumulação exaustiva de dados, cujo uso é escasso.

Na verdade, não é sobre o meio e a família que a escola e o professor vão agir, mas é dentro destes condicionalismos e tendo os em conta. Essa perspetiva teórica permite desconstruir a representação de alegadas dificuldades de aprendizagens como sendo situadas nos alunos. É nesse campo que a escola e o professor têm de intervir procurando compreender e superar os inúmeros desajustes entre o funcionamento organizacional e curricular existente.

No que se refere aos objetivos e conteúdos visam explicitar a intencionalidade do currículo pretendido, que visa o aprofundamento dos conhecimentos, técnicas e atitudes ou no desenvolvimento de competências.

Os objetivos, sendo curriculares centram-se na aprendizagem do aluno, finalidade legitimadora da escola e do currículo. Cada formulação deve conter apenas um objetivo expresso de forma clara devendo ser formulado em tornos concretizáveis, quer dizer, ações observáveis. Os objetivos devem estar separados dos conteúdos, pois são entidades distintas: objetivos enunciam a finalidade pretendida e consequentemente o resultado esperado, (Gaspar & Roldão, 2008).

O conteúdo corporiza a substância dessa mesma aprendizagem dando visibilidade ao objetivo-a reflexão em torno dos conteúdos deve significar uma cuidadosa seleção e ordenação de acordo

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com o papel que cumprirá na educação do aluno, (Sancristán, 2008). Contudo, a sua relação é de

interdependência: não é possível expressar um objetivo28 que não contenha o conteúdo que serve

para atingir. O conteúdo, por sua vez, pode anunciar-se sem objetivos, mas fica totalmente desprovido de orientação sobre aprendizagem, visto que esta lhe é dada pelo objetivo, (Gaspar & Roldão, 2008).

As competências assumem relevância nesta conceptualização dos conteúdos na medida em que se assume que todo o saber produzido e consumido se investe numa apropriação e mobilização que permita torná-lo saber em uso. Saber que habilita o aluno na sua capacidade de pensar a ação e na sua competência de agir na vida pessoal e profissional, (Gaspar& Roldão, 2008).

1.4.4.2 Implementação /operacionalização

A terminologia mais técnica do currículo, de raiz anglo-saxónica, estabeleceu o termo implementação para designar esta fase. Esse termo está conotado com uma racionalidade técnica e aplicativa, que separa a conceção da implementação, como fases distintas de um processo rigidamente faseado.

A maior parte da teorização curricular mais recente, Goodson (1995), Kemmis (1988), Silva (2000) vem preferindo a expressão implementação do que a de operacionalização, que pressupõe a consideração de cada situação concreta e a reconceptualização do currículo enunciado em cada ação singular como parte dessa mesma operacionalização, que pretende analítica e reflexiva. Contudo, ambos os termos são legitimamente utilizados e aceites na literatura da área.

Nas palavras de Pacheco (2001), esta fase corresponde à prescrição curricular, quer dizer a apresentação de um currículo oficial que pode ser um core currículo (mínimo e comum), específico as experiências educativas destinadas a todos os alunos. Dentro da estrutura centralizada, a prescrição curricular é considerada como um dos pontos inquestionáveis já que se aceitam regras educativas destinadas a possibilitar a formação do aluno nas suas múltiplas vertentes.

28O objetivo dá a forma e sentido de aprendizagem ao conteúdo, explicitando o que o professor se propõe a fazer

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Segundo Kirk (1986,p.82) para que o currículo seja de âmbito nacional exige-se, pelo menos, os seguintes critérios: “ser determinado através de um processo de consulta democrática, adotar a forma de uma informação sobre estrutura geral e não uma especificação geral de conteúdos, refletir uma justificada organização dos conhecimentos e das disciplinas, incluir a escolha do aluno e considerar a variação do ritmo de aprendizagem dos alunos”.

Nos países de tradição descentralizada, como já fizemos referência mais acima, o currículo apresentado tem o formato de um projeto educativo. Segundo Pacheco (2001) a ideia de um projeto curricular coloca-se perante a questão de adaptação do currículo pelos professores tendo em atenção a prescrição existente e o contexto escolar em que se desenvolve, representando a articulação das decisões da administração central com as decisões dos professores tomadas no contexto de cada escola e funcionando como elo de ligação intermédio entre o currículo base e o projeto educativo da escola.

Quando a escola participa ativamente na construção curricular, então pode-se dizer que o desenvolvimento curricular é uma prática que faz parte de um amplo movimento de descentralização administrativa e aprofundamento democrático em que a escola se torna na unidade estratégica de qualquer reforma educativo (Sancristán, 1998).

A intervenção da escola, no nível meso, na definição do currículo significa a atribuição de competências para a sua implementação, através de métodos pedagógicos, gestão do tempo escolar, etc. Esta fase, representa a organização curricular horizontal enquanto decisão decorrente da organização vertical determinada pela administração central, para os professores, alunos e encarregados de educação.

Ao nível meso, os órgãos administrativos têm uma participação decisiva no desenvolvimento curricular, pois devem dar a oportunidade da participação dos professores na discussão do currículo, não apenas quando surgem problemas, garantir que os professores trabalhem em áreas de seu interesse, assumir uma parte do trabalho na área curricular a que pertence mas sem dirigir o grupo, assistir ocasionalmente as discussões de grupos de trabalho, envolver os professores nas reuniões dos órgãos de decisão, associar o trabalho do pessoal não docente ao trabalho didático, (Figari, 1992).

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Efetivamente, toda e qualquer proposta curricular emanada da administração central passa pelo filtro da escola e é analisada à luz da política e práticas aí existentes. Assim, à escola compete organizar horizontalmente o conjunto de diversas atividades letivas e não letivas proporcionando as condições para que se promova a aprendizagem e o sucesso educativo dos alunos na conformidade da diversidade curricular, (Pacheco, 2001).

A fase final da implementação, micro, representa o currículo em ação, operacionalizado através de um plano de ensino, trabalhado pelos professores. O desenvolvimento curricular pelo professor depende da responsabilidade que se tem dentro do currículo. Analisando uma estrutura centralizada e vertebrada, o professor pode ser por um lado, um ator curricular que tem a tarefa da implementação e de execução de decisões prescritas, por um lado, goza de autonomia funcional que lhe advêm da existência (ou inexistência) de ineficazes instrumentos de controlo curricular, (Clark & Yiner, 1979).

O professor é árbitro de toda a decisão curricular já que é protagonista das decisões que lhe parecem determinar. Ele não tem autonomia para selecionar e organizar os conteúdos, devido a existência de programas traçados a nível nacional, mas tem no âmbito da programação do grupo de docência na definição da sequência e profundidade de modo que sejam compreendidos pelos alunos, (Gaspar & Roldão, 2008).

O grau de liberdade com que o professor dá conteúdos faz parte de uma autonomia subjetiva que é dos aspetos fundamentais do currículo oculto, mesmo perante a obrigatoriedade de cumprir ou não com o programa, quanto às atividades e recursos didáticos o professor goza de uma autonomia, na gestão do tempo de aprendizagem sem que esteja submetido a um referente prescrito, o livro não impede a produção e utilização de outros materiais curriculares, na avaliação o professor dispõe de autonomia subjetiva na aplicação dos critérios pelos quais avalia, (Pacheco, 2001).

Esta ação corresponde a planificação que se afigura competência específica e imprescindível ao

professor29 e lhe permite configurar, através de um plano mental ou escrito, os vários elementos

29Neste sentido, o professor age em conformidade com um conhecimento profissional base e aplica técnicas

fundamentadas que pressupõem a investigação e a experiência educativa, por isso precisa de tomar decisões pré- activas que são aquelas que o professor toma na ausência dos alunos, o que implica uma maior racionalidade, Jackson (1968).

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didáticos nos quais se baseará para estruturar o processo de ensino-aprendizagem proporcionando uma redução de incerteza e insegurança.

Clark e Yinger (1979) concluíram que os professores planificam para satisfazer em primeiro lugar as suas necessidades pessoais (reduzir a ansiedade), definir uma orientação que lhes dê confiança e segurança e depois para determinar os objetivos a alcançar no final do processo de instrução e para traçar as estratégias de atuação durante o ensino.

Na planificação da aula o professor deve ter em conta os seguintes fatores: informação sobre os alunos, indicação das catividades dos alunos e estratégias materiais.

Dentre vários modelos de planificação o de Tyler (1949), tem grande aceitação nalguns contextos, principalmente nas situações de supervisão do ensino no âmbito da formação que é submetido a um processo de avaliação. Esse modelo segue uma perspetiva tecnicista, determinada pelos objetivos comportamentais que são o ponto de partida do professor. Neste sentido, a planificação corresponde a formulação de objetivos prescritos, a escolha de meios para alcança-los e à avaliação dos resultados, comparando os com os objetivos previamente planificados.

1.4.4.3 Avaliação curricular

Avaliação curricular é uma das fases importantes do desenvolvimento curricular, centra-se na avaliação do processo e resultados obtidos. O significado mais usual de avaliação é de dar nota, é este sentido dado por Tyler, para o qual avaliar é determinar até que ponto objetivos educacionais são, efetivamente, alcançados pelo programa de currículo e instrução, (Pacheco, 2001). A avaliação é considerada o dispositivo central da regulação de todo o trabalho desenvolvido, essa avaliação situa-se a dois níveis: nível de regulação e verificação das aprendizagens conseguidas pelos alunos, relativamente aos objetivos visados e o nível de regulação do processo do desenvolvimento curricular, da sua pertinência, coerência e adequação, (Gaspar & Roldão, 2008).

Quanto ao desenvolvimento curricular, avalia-se quer a conexão dos contextos de decisão e fases de desenvolvimento, com a distinção das funções e competências dos intervenientes curriculares,

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quer o grau de descentralização ou desconcentração do currículo e a abrangência da coordenação curricular através do coletivo de professores, (Pacheco, 2001).

Avaliação das aprendizagens dos alunos é encarada no ensino como uma entidade autónoma, com vida e lógicas próprias. Ela impõe um corte na marcha normal das aulas. Isto ilustra o divórcio entre o ensino e a avaliação, que se traduz na ausência de uma cultura verdadeiramente escolar e exprime uma perspetiva mecanicista de ensino fundada na análise dos processos de ensino aprendizagem escolares enquanto processos de desenvolvimento curriculares, (Gaspar & Roldão, 2008).

Utilizar os resultados de rendimento escolar proporcionados pelas avaliações realizadas pelos professores como única informação disponível para avaliação do sistema supõe meter-se à validade mecânica de realidade de métodos desenvolvido por eles. O modo como esses procedimentos expressam os valores do professor e do sistema escolar, a capacidade crítica que tal informação tem sobre a realidade do currículo e a qualidade do ensino é muito baixa. As notas escolares, como dados expressos pelo sistema educativo, reproduzem todas as práticas e valores dominantes nesse sistema educativo, por isso não servem como informação para discutí-los. É importante não identificar resultados do sistema com qualidade do mesmo, enquanto não se esclarecem os critérios, os conteúdos e os processos que enfatizam e ponderam os procedimentos através dos quais os dados do rendimento escolar são obtidos, (Sacristán, 2008,p.311). Efetivamente, esta corresponde a autoavaliação, abrangendo os professores, o processo de cada aluno, o funcionamento da turma, o clima institucional, as exigências feitas pelas instituições que prestam uma educação posterior ou pelo mercado de trabalho, (Pacheco, 2001).

Um sistema que não dispõe de mecanismo de informação sobre o que produz fica fechado à comunidade imediata e a sociedade inteira. É difícil que o currículo que não se avalia, ou que faz somente através da avaliação de professores, entre numa dinâmica de aperfeiçoamento constante. Sem informação sobre o funcionamento qualitativo escolar e curricular os programas de inovação ou reforma podem ficar na expressão de um puro voluntarismo, (Apple, 1999b).

Muitos projetos curriculares fracassaram na prática, na longa história da inovação curricular, enquanto as atividades metodológicas das aulas não foram mudadas, mantendo-se as mesmas tarefas académicas que vinham sendo praticadas. Por isso, a inovação curricular implica relacionar propostas novas de conteúdos com esquemas práticos e teóricos nos professores. A tarefa é o elemento intermediário entre as possibilidades teóricas que o currículo prescreve e os seus efeitos reais.

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Muito ao contrário da avaliação das aprendizagens, avaliação do desenvolvimento curricular, avalia todo o processo desenvolvido, no sentido de regulação e reorientação, quer mobilizando a função formativa como sumativa. Este processo, diz respeito ao questionamento a partir dos resultados obtidos nas aprendizagens conseguidas e nos processos de aprendizagens desenvolvidos pelos alunos, procurando investigar e reapreciar os aspetos do processo que estarão na origem do sucesso ou insucesso da escola e dos professores face a intenção de aprendizagem de que se partiu, (Gaspar & Roldão, 2008).

A avaliação do desenvolvimento curricular é o dispositivo mais importante para a melhoria da qualidade do ensino e das aprendizagens, pela auto-reflexão e análise crítica que se proporciona aos atores responsáveis pelo processo, permitindo que a escola se transforme numa instituição reflexiva.

A qualidade da escola não se obtêm somente pela eficácia e eficiência, mas essencialmente pela capacidade de inovação e de reflexão. As escolas reflexivas caraterizam-se pela mudança e inovação para as quais surgem muitos obstáculos externos e internos. Nos externos enumera-se a escassez de recursos, já que as escolas estão subfinanciadas e pela pressão dos pais e da sociedade em geral. Nos internos, apontam-se os problemas de ordem moral, o controlo e a ordem institucional, ausência de experimentação crítica, a ameaça a identidade de professores, (Pacheco, 2001).

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