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2.2 Síndrome da úlcera gástrica eqüina

2.2.2 Fatores predisponentes

A causa básica da ulceração gástrica em cavalos não é conhecida. Um estudo

comparativo das úlceras gastroesofageanas em humanos e eqüinos (Collier e Stoneham, 1997), mostrou, distintamente dos humanos, mais úlceras na mucosa escamosa adjacente à margo plicatus. Essa estrutura é similar ao esôfago humano e não à mucosa glandular, levando os autores a deduzirem que as ulcerações da mucosa escamosa no estômago eqüino sejam similares à esofagite humana. Úlceras iatrogênicas, produzidas por drogas antiinflamatórias não esteróides, tendem a se localizar na mucosa glandular.

Pagan (1998) considera as ulcerações gástricas eqüinas como uma doença produzida pelo homem, uma vez que essa patologia raramente é vista na natureza. Os cavalos evoluíram como herbívoros nômades, com o sistema

digestivo desenvolvido para consumo constante de alimento volumoso.

Os eqüinos são animais sociais de manada e evoluíram seus organograma ecológico e fisiologia durante milhões de anos, para se adaptar ao seu meio ambiente. Por meio de sua evolução dispendem grande parte do dia em pé e caminhando lentamente enquanto pastejam. Quando este organograma ecológico do tempo não lhes é permitido, é possível que sua saúde geral fique comprometida (Heleski et al., 2002).

A dieta e o comportamento alimentar afetam a prevalência de úlceras gástricas nos cavalos. O pastejo está associado à incidência mais baixa, enquanto a alimentação com concentrados e períodos de jejum estão associados com taxas mais elevadas (Orsini, 2000), assim como com o aumento da concentração sérica de gastrina (Smyth et al., 1989).

Murray e Grady (2002) utilizaram um regime de jejum alimentar, por 24h, alternando com períodos de alimentação por 24h, durante seis dias, como um protocolo de indução de úlceras gástricas. Ao término do período, sete, de oito pôneis, desenvolveram úlcera gástrica.

Segundo Andrews et al. (1998), a alimentação com alfafa e grãos resulta em um pH mais elevado e diminuição da injúria péptica na mucosa escamosa quando comparada com alimentação de feno de gramínea. Os autores especulam que o alto teor de proteína e cálcio podem tamponar o HCl. Fatores que podem contribuir para a influência nutricional são o comportamento alimentar do cavalo (pastejo versus

alimentação parcelada), os constituintes naturais das gramíneas, o processo de fenação (fermentação) e alimentos processados e a resposta fisiológica individual aos diversos alimentos.

Um grupo de cavalos jovens, portadores de aerofagia, foi examinado endoscopicamente e constatou-se ulceração gástrica. Após divisão randômica, um grupo recebeu tratamento antiulceroso e foi observada uma significativa melhora da condição gástrica, assim como uma redução do comportamento estereotipado (Nicol e Davidson, 2002).

Murray e Eichorn (1996) sugerem o estabelecimento de um regime alimentar que promova uma alimentação relativamente contínua, já que o jejum produz ulceração gástrica de forma consistente.

Parece haver um efeito do exercício, independentemente da alimentação (Murray, 1992a; Orsini, 2000). A incidência de úlceras, durante treinamento, é alta, e o período de um mês de repouso é suficiente para a redução das lesões. Furr et al. (1994) detectaram níveis elevados de gastrina em cavalos em treinamento. Além disso, cavalos em treinamento respondem de forma menos favorável à terapia por antagonista de H2 do que

aqueles em repouso (Murray, 1992a). Entretanto, Sandin et al. (1998) não comprovaram que a gastrina seja o hormônio que possa medir o estresse nos cavalos, pois sua elevação ocorre independente do tipo de alimento. Aparentemente, o volume de ingesta e a conseqüente distensão gástrica têm papel importante na liberação da gastrina.

Murray et al. (1996), realizando duas endoscopias com intervalo de três meses, demonstraram que a cura espontânea não é comum e que as lesões tenderam à agravação, quando os animais permaneciam em treinamento. Quando a intensidade do treinamento aumentava, a severidade das lesões também crescia.

Vatistas et al. (1999a) produziram ulceração gástrica de forma consistente e constante, trabalhando os cavalos em esteira, por 56 dias. Não foram administradas drogas antiinflamatórias não esteroidais (AINEs) nem períodos de jejum. Os autores sugerem que a ulceração gástrica se deve a uma combinação de desempenho, apetite e condições corporais. Além disso, os autores encontraram uma associação (P=0,0139) entre a presença de ulcerações gástricas e diminuição do desempenho.

Hartmann e Frankeny (2003) trabalharam com 23 cavalos de esportes eqüestres e os avaliaram antes e após três dias consecutivos de competição, encontrando uma prevalência de úlceras de 17,4% antes e uma taxa de 56,5% após, o que revela uma evolução de 47,4%, a partir do grau zero, e um agravamento da condição, em 75% dos casos de lesão pré-competição.

Drogas antiinflamatórias não esteroidais são causa de ulceração gástrica na maioria das espécies, incluindo cavalos (Traub-Dargatz, 1988; Traub-Dargatz et al., 1988; MacAllister e Sangiah., 1993), porém a prevalência de úlceras é elevada mesmo em cavalos sem histórico de medicação (Hammond et al., 1986; Vatistas et al., 1994).

Segundo Borrow (1993), os AINEs produzem lesões gástricas caracterizadas por ulceração e hemorragia, tanto pelo rompimento da barreira epitelial da mucosa quanto pelo bloqueio da atividade da ciclo- oxigenase, inibindo a biossíntese de prostaglandinas com ação citoprotetora. A hipotensão é um elemento comum a uma série de doenças graves. Estudos experimentais demonstram que o choque hemorrágico, mesmo breve, causa ulceração gástrica superficial. Um aumento do tônus simpático pode eventualmente levar à isquemia da mucosa gástrica, com falhas na proteção da mucosa e conseqüente ulceração (Geor e Papich, 1990).

A ulceração parece ser resultado da reduzida perfusão capilar focal, secundária a contrações de alta amplitude e baixa velocidade do estômago. Essas contrações provocam uma saída do sangue dos capilares e, quando prolongadas, limitam a perfusão, por tempo suficiente para que a lesão pelo ácido possa ocorrer (Murray, 1991b).

Em potros, é observado um retardo do esvaziamento gástrico. Esse fenômeno sugere que a desmotilidade gástrica ou duodenal é a causa da ulceração gastroduodenal, permitindo um tempo mais prolongado de contato da mucosa com o ácido e a pepsina (Geor e Papich, 1990). Campbell-Thompson e Merritt (1988) sugerem a presença de gastroenterite, de origem viral ou bacteriana ou secundária à ulceração, como causa deste retardo.

O estresse supostamente contribui para a ulceração gástrica e produz desconforto epigástrico em humanos

(Orsini, 2000). Borrow (1993) descreveu três casos de ulceração gástrica e perfuração duodenal em potros com estresse, pelo manuseio e medicação, mas principalmente pelo transporte. Este último, envolve diversos fatores potencialmente estressores, sendo físicos o barulho e a vibração, e emocionais o ambiente desconhecido e o reagrupamento social. Pacientes humanos em Unidade de Tratamento Intensivo estão sujeitos a hemorragias, sendo um fator complicador em casos graves. O estresse é um dos fatores mais importantes na gênese dessas gastrites. O mecanismo é explicado pela liberação de catecolaminas, com conseqüente vasoconstrição, isquemia da mucosa, perda da resistência, descamação e retrodifusão de ácido para a lâmina própria (Meirelles Filho e André, 2000). A patogênese da ulceração gástrica em potros neonatos severamente doentes pode ser similar à das úlceras por estresse em humanos, causada por septicemia, uremia, coagulopatia e trauma ou cirurgia de grande porte (Geor e Papich, 1990; Murray, 1997). Furr e Murray (1990) observaram potros nessa condição com tendência a ulcerar na porção glandular da mucosa. Estudo posterior não observou diferenças nas concentrações séricas de triiodotiroxina (T3) e tetraiodotiroxina (T4) em potros estressados clinicamente (Furr et al., 1992).

Não foram detectadas diferenças nas lesões gástricas entre potros estressados ou não. Foram consideradas causas de estresse a infestação por carrapatos, problemas respiratórios, doença cutânea, babesiose, espessamento

umbilical, diarréia, problemas ortopédicos e miíase (Dearo et al., 1998).

O estresse do parto em potros, bem como o do treinamento e confinamento em cavalos adultos, pode levar a um excesso de corticosteróides endógenos, que podem inibir a síntese de prostaglandinas (Andrews e Nadeau, 1999).

Segundo Pfeiffer (1992), por ser a úlcera péptica uma doença comum no ser humano, ela tem sido extensamente estudada em animais de laboratório, tais como ratos, camundongos, outros roedores, cães, gatos e ferretes. Entretanto, a ulceração gástrica ocorre também nos grandes animais domésticos, aves e animais selvagens, inclusive mamíferos marinhos. Há uma alta incidência de úlceras gástricas espontâneas em bovinos, suínos, eqüinos e frangos.

Estudos sobre a erosão cuticular do proventrículo de frangos trouxeram algumas informações interessantes: a bile previne a erosão, as lesões surgem histologicamente de hemorragia capilar na submucosa, podendo ser reduzida pela presença de areia ou leite na dieta e agravada pela adrenalina, em pintinhos, antes da eclosão assim como pela presença de histamina em alimentos malconservados.

Em bovinos, as ulcerações podem ser vistas em todas as câmaras gástricas, principalmente no abomaso (1,6% à necropsia) e, por motivos econômicos, animais severamente afetados são sacrificados. Em suínos, úlceras esofagogástricas podem ser letais, devido à massiva hemorragia intragástrica, ocorrendo em todas as

raças, a qualquer idade e sexo. A relação com estresse foi comprovada, incluindo a contenção, transporte, parto e superpopulação. Outro fator é o alimento finamente triturado, demonstrando que essa patologia, de causa multifatorial, envolve fatores ambientais e dietéticos.

2.2.3 Patofisiologia das úlceras

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