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ICAPÍTULO
PROFISSÃODOCENTE,QUALIDADEDEVIDAEFATORESDE
RISCO
2.1-PROFISSÃO DOCENTE: ALGUNS FATORES DE RISCO ASSOCIADOS
A profissão docente, nomeadamente nos níveis não-universitários, tem agregadas a si situações que envolvem risco para a Saúde e para o bem-estar. Algumas delas estão associadas a questões de ordem física e de ordem mental, como afeções ósseas e musculares, associadas ao sedentarismo e aos esforços repetitivos, ou ao stress, entre muitos outros.
O stress, é, atualmente, considerado pela Organização Mundial de Saúde como uma pandemia (WHO, 2001; WHO, 2002a; WHO, 2002b; WHO, 2003; WHO/FAO, 2003) por estar generalizado à população mundial, levando as Nações Unidas (UN, 1995) a considerá-lo a doença do século XXI.
Para Rita, Patrão, e Sampaio (2010), a definição refere-se à incapacidade de resposta adequada a situações de exigência superior, ou não adequada às possibilidades do indivíduo. Apesar de os autores considerarem que as situações de stress fazem parte da vida e são essenciais para a própria superação do individuo, motivando-o e incentivando-o a um nível de desempenho mais elevado, o stress também pode acarretar consequências prejudiciais. Estas consequências refletem-se no bem-estar físico, emocional e psicológico dos indivíduos das quais podem resultar comportamentos, atitudes e sentimentos negativos e, mesmo, extremos.
Para Marques-Teixeira (2002), o stress está intimamente associado, à atividade profissional dos indivíduos.
Segundo Hackman e Oldman (1980, cit. in Vaz Serra, 2002), para as pessoas se sentirem satisfeitas e motivadas com o trabalho, devem ser criadas várias condições psicológicas, a saber: (1) o sentido de responsabilidade que permite alguma autonomia face ao exercício da atividade; (2) sentir que o trabalho é significativo e que possibilita ao indivíduo
______________________________________________________________________- 27 - identificar-se com as tarefas e acreditar que o seu trabalho marca a diferença; (3) e por último, ter feedback do seu desempenho, dos colegas, supervisor e instituição.
Analisada a problemática do ponto de vista profissional, verifica-se que todos as atividades exibem caraterísticas inerentes à estrutura organizacional e ao seu conteúdo em particular. Algumas dessas características são comuns a múltiplas profissões e fortemente estudadas como potencialmente geradores de stress, outras são inerentes e específicas a algumas atividades, como é o exemplo da profissão docente.
A docência tem sido referida como uma das atividades profissionais associadas a elevados níveis de stress (Jesus, 2000; OCDE, 1990) a tal ponto que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) considerou, em 1981, o ofício de professor como uma profissão de riscos físicos e mentais significativos.
Quais são, por conseguinte, os fatores de risco envolvidos é o que importa esclarecer. No que concerne às questões de ordem física, dados da Unidade do Desporto da Direcção-Geral para a Educação e para a Cultura da Comissão Europeia (2009), referem não se tratar de um esforço físico vultuoso, mas, antes pelo contrário, da sua ausência. De facto, com a mecanização, o trabalho árduo foi muito diminuído nas sociedades atuais e na profissão docente não é, sequer, preponderante. Assim, o dispêndio de energia é muito reduzido e, mesmo, abaixo das recomendações atuais para a manutenção de um estilo de vida saudável. Simultaneamente, tais tarefas sedentárias podem criar um risco acrescido de desenvolvimento de doenças musculares e da estrutura óssea.
Ferrão (2012) refere-se à extensa carga horária dos docentes como causadora de problemas de Saúde de vária ordem. Ao nível físico, como os professores passam muitas horas numa atitude sedentária, sobrecarregando continuamente algumas partes do corpo (geralmente, um conjunto estrito) e deixando outras na inatividade, danos na coluna e enfraquecimento dos músculos e das articulações podem ocorrer. A este propósito, o estudo de Araújo et al. (2005) parece deixar algumas ideias concretas:
(…) 72,6% dos entrevistados referiram, pelo menos, uma queixa de doença. As queixas de doenças mais frequentes entre os docentes estudados estavam relacionadas ao uso intensivo da voz, à postura corporal adotada no exercício da atividade profissional, saúde mental e exposição à poeira e pó de giz. As queixas mais expressivas relacionadas ao uso intensivo da voz foram: dor na garganta (20,2%), rouquidão (18,5%) e perda temporária da voz (5,3%). Quanto às variáveis classificadas como decorrentes da exposição à poeira e ao pó de giz destacaram-se: rinite (26,6%), alergia respiratória (21,1%) e irritação dos olhos
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(13,5%). Os problemas associados à postura corporal mais referidos pelos docentes foram: dor nas costas (30,8%), dor nas pernas (28,3%) e dor nos braços (16,7%). As queixas relacionadas à saúde mental de maior prevalência foram cansaço mental (44,0%), esquecimento (20,3%), nervosismo (18,5%) e insônia (14,1%) (p. 12).
Ao nível emocional e psicológico, por falta de tempo de lazer e pela sobrecarga de trabalho, foca-se o stress, o cansaço e o desgaste mental, mas, também, problemas emocionais.
Estas questões de ordem psicológica e emocional, como o stress, foram abordadas por diversos investigadores, entre os quais Cardoso e Araújo (2000), os quais comparam resultados nacionais com resultados externos. Assim, referem que os docentes portugueses, ou de outros países, sentem stress na sua atividade profissional. Não obstante, na perspetiva dos próprios docentes portugueses, esta situação reveste etiologias distintas das de outros países e é, também, mais preocupante por ser mais elevada, já que um terço considera a profissão como causadora de stress e um sexto considera, mesmo, encontrar-se em estado de esgotamento emocional, ou cognitivo. Nas suas justificações para o stress, os docentes mencionam questões relacionadas com estatuto, currículo e programas; questões relacionadas com a pressão dos horários; e questões de ordem psicológica e emocional.
Como consequências, são apontados esgotamento, ansiedade e depressão na classe docente, mas, também, uma prestação docente desajustada e a ocorrência de situações de risco para a Saúde derivadas do consumo excessivo de álcool; ocorrência de úlcera gástrica, hipertensão, entre outras.
Anos antes, já o estudo de Jesus et al. (1992), sobre fatores de mal-estar na profissão docente apontava para a predominância das questões relacionadas com o processo de ensino e de aprendizagem, de “sobrecarga de trabalho e incontrolabilidade das tarefas”, mas, também, embora em menor grau, para as questões de sociabilidade, como as “relações com os colegas” (p. 57). Para estes autores, o risco para a Saúde emocional e o desgaste psicológico dos docentes estará, precisamente, na ocorrência sucessiva, ou seja, persistente e continuada de situações de mal-estar – como é o caso da crescente exigência profissional docente, com novas e acrescidas tarefas e responsabilidades.
O estudo de Rita, Patrão e Sampaio (2010) aponta precisamente para esta linha de pensamento ao referir-se a novas variáveis introduzidas, que acarretam mudanças nas mais diversas áreas da sua profissionalidade: progressão na carreira e avaliação do desempenho
______________________________________________________________________- 29 - profissional; salários e instabilidade profissional; aumento e rigor nas tarefas burocráticas; exigência dos novos programas; aumento do número de turmas/alunos, entre outros. O mesmo refere Jesus (2000) mencionando o panorama educativo que provoca a indefinição de funções e a dificuldade em realizá-las adequadamente.
As questões associadas à avaliação – entre as quais a avaliação das escolas (quer a avaliação externa, quer a autoavaliação) serão ainda outro foco de desgaste emocional, como refere Dias (2010), que alude à pressão e competição no seio dos agrupamentos.
Também outros investigadores, entre os quais António Nóvoa, António Teodoro, ou Manuela Teixeira, têm problematizado a profissão docente, desvendando as amarguras, incertezas e constrangimentos dos professores, colocados entre duas realidades distintas, cada uma das quais com suas exigências: entre a necessidade de ser um modelo e um mestre para os alunos e a sua condição de operários e assalariados, para a tutela: “é uma profissão em que a frustração quando acontece, pode ter um dos efeitos mais destruidores, uma vez que, quando não me realizo profissionalmente, não me construo como pessoa” (Teixeira, 1995, p. 161). Teodoro (2006, p. 93) acrescenta que “os professores nunca trabalharam tanto para ver tão pouco resultados…”.
A este propósito, atente-se, a título de exemplo, na legislação sobre horário de trabalho da profissão, como é o caso do Despacho n.º 6, de 26 de maio de 2014, dedicado à organização do ano letivo. Segundo se lê no seu preâmbulo, à semelhança de anos anteriores, pretende-se “conferir maior flexibilidade na organização das atividades letivas, aumentar a eficiência na distribuição do serviço”(p. 13449). Para o efeito, “adaptam-se algumas normas para conferir maior consistência à integração das várias componentes do serviço docente, procedendo-se à harmonização e flexibilização das horas da componente letiva. (idem).
Os reflexos, na prática, desta flexibilização, traduzem-se por uma substancial diminuição do tempo de que os docentes dispunham para preparar/avaliar as aulas e os alunos e uma sobrecarga letiva, ao incluir na componente não letiva situações de coadjuvação, de apoio individual a alunos com dificuldades de aprendizagem, substituições de docentes, ou vigilância de recreios. Acresce, ainda, a possibilidade de os docentes exerceram funções em outras valências, como o apoio ao estudo, ou as atividades de enriquecimento curricular.
______________________________________________________________________- 30 - Como se percebe pelo que fica dito, tempos que eram, anteriormente, dedicados à planificação, organização e avaliação das atividades letivas podem ser, agora, usados para lecionar implicando que os docentes retirem ao seu tempo não docente, ou de lazer para prosseguir o desempenho das suas tarefas profissionais.
Both et al. (2010) na sua investigação confirmam que o dispêndio de tempo para o exercício da atividade docente é enorme, tanto no ambiente escolar como nos momentos de preparação e organização das atividades pedagógicas em casa. Acrescentam ainda que a conduta comportamental dos docentes quer no interior quer no exterior do meio onde desenvolvem a sua atividade profissional podem interferir diretamente no estilo de vida individual e na qualidade de vida no trabalho e consequentemente, nas condições de vida do trabalhador docente.
Como consequência das mudanças introduzidas na profissão docente são avançados o desânimo e a desmotivação, influenciando, por sua vez, a qualidade profissional, mas, também, a Saúde e o bem-estar dos docentes.
Paralelamente, um estudo luso-brasileiro (Jesus, et al., 2011) coloca o enfoque não na avaliação do mal-estar, mas sim do bem-estar e equaciona a sua etiologia e consequências. Referem como indicadores do bem-estar, a motivação, as expetativas de eficácia e o projeto profissional.
Importa, agora, descortinar de que forma se pode contribuir para que estes indicadores estejam presentes no maior número possível de docentes.
Em síntese: no contexto deste estudo, interessa focar a interdependência entre o bem- estar na atividade profissional e as questões de saúde problematizando o conceito de Qualidade de Vida (QDV). Contudo, este conceito também está intimamente associado à proatividade, ou seja, à promoção da Saúde sendo que a prática da Atividade Física pelos docentes poderá ter alguma coisa a dizer.