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FATOS JURÍDICOS E SUA CLASSIFICAÇÃO

2. FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO

2.2. FATOS JURÍDICOS E SUA CLASSIFICAÇÃO

Dentro do escopo do trabalho, cumpre fazer, neste e no item subseqüente, uma distinção conceitual86 dentre as várias categorias de fatos jurídicos em sentido amplo, tomando-se como

83 Cf. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4.ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 63.

84 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais.

Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 35-6: ―Quando se cuida de ato jurídico, ou de tipo, que nada mais é que um ato ou conjunto de atos jurídicos operando, no seu todo, como suposto de uma conseqüência jurídica específica, denominamos de pressuposto ao que precede ao ato e é para ele juridicamente relevante; qualificamos como condição tudo quanto a ele se segue e é exigido para a produção dos efeitos específicos que ao ato ou tipo se associam, chamando de requisitos tudo quanto integra a estrutura executiva do ato. (...) Sujeitos, objeto e forma são, por conseguinte de consideração necessária para determinação da pertinência, ao ato, dos mencionados pressupostos, requisitos e condições. Correlacionando uma coisa a outra, fala-se em pressupostos subjetivos, objetivos e formais, procurando-se precisar o que é exigido, com precedência, para que o ato se tipifique ou se caracterize como ato jurídico perfeito e específico se esses pressupostos são atendidos, há adequação nesse primeiro momento. A adequação, entretanto, não se exaure aí. Reclama-se, ainda, a correspondência da estrutura executiva do ato invocado ou comprovado com a estrutura executiva do previsto normativamente. Havendo correspondência, há, também, adequação neste segundo momento. Satisfeitos os pressupostos e requisitos, tem-se a validade do ato. No comum das situações, ocorrendo a validade, dela é conseqüência necessária a eficácia, isto é, aptidão do ato para produzir os resultados pretendidos. Há situações, entretanto, menos comuns, em que a eficácia só ocorre após a prática de um ato ou da ocorrência de um fato posterior. Eles não integram a estrutura executiva do ato cuja eficácia se pretende, mas integram o tipo, porque reclamados para que se tenha o suposto plenamente atendido‖.

Cf. CARNELUTTI, Francesco. Teoria general del derecho. Metedología del derecho. Traducción española de Carlos G. Posada. Granada: Comares, 2003, p. 228-30, 251-2 e 343-6.

85

Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. ―Contribuição ao estudo da incidência da norma jurídica tributária‖. In. Direito tributário moderno. José Souto Maior Borges (coordenador). São Paulo: José Bushatsky editor, 1977, p. 28.

86

Cf. BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 257-8: ―A definição de um conceito jurídico deve descrever sua substância e revelar seus critérios distintivos. Assim, ela deve identificar

critério os elementos que compõem o suporte fático da norma jurídica respectiva que dá ao fato da vida a qualificação jurídica87.

Fato jurídico em sentido amplo já foi objeto de conceituação acima: acontecimento natural ou humano ao qual o direito prevê conseqüências jurídicas, i.e., criação, modificação ou extinção de situações jurídicas lato sensu. É o gênero que comporta uma primeira divisão: fatos lícitos, praticados em conformidade com o direito; e fatos ilícitos, praticados em contrariedade com o que dispõe norma cogente. Os fatos lícitos — que são os mais relevantes para o presente trabalho — subdividem-se em: fatos jurídicos em sentido estrito, atos jurídicos em sentido amplo e atos-fatos jurídicos88.

Se o suporte fático de incidência delimitado pela norma não põe a atuação humana como parte integrante, têm-se os fatos jurídicos em sentido estrito. Noutros termos, na composição do suporte fático desses atos entram apenas acontecimentos naturais, independentemente de ato humano89 (ex.: aluvião, avulsão etc.); é o evento da natureza, previsto no antecedente normativo, que fará irradiar efeitos jurídicos.

Quando a lei coloca no núcleo do suporte fático de incidência a atuação humana, concernente a uma exteriorização consciente da vontade, que tenha por objeto obter um resultado juridicamente protegido — ou não defeso — e possível, está-se diante dos atos jurídicos em sentido amplo. Estes, de rigor, têm como elementos: a) um ato humano volitivo; b) a

os elementos constitutivos do conceito considerado e caracterizar as relações que os unem.

Portanto, ela deve de início enunciar os elementos que sempre estão reunidos nele, por exemplo este elemento material e aquele elementos intencional destinados à realização deste objeto e empregado por aquele meio nas relações entre esta e aquela pessoa‖.

87

Cf. BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 270-1: ―Devem-se poder reconhecer com sinais claros as categorias utilizadas pelos juristas. Portanto, é preciso, no tocante a cada categoria, descobrir os traços comuns a todas as situações que ela reúne, independentemente das diferenças que elas podem comportar. Os critérios de determinação das categorias jurídicas expressam a presença de certos elementos particulares, até mesmo a ausência de outros elementos, e os laços que unem entre eles os elementos constitutivos da definição delas. [...]

Em outras palavras, a determinação dos critérios das categorias jurídicas consiste em isolar ao mesmo tempo os traços comuns a todas as espécies que elas agrupam e os caracteres pelos quais todas as espécies das diferentes categorias se distinguem das outras‖.

88 Os fatos ilícitos podem ser classificados em: a) segundo o suporte fático, o ato lícito criminal (crime e

contravenção penal); e o fato ilícito sticto sensu, o ato-fato ilícito e ato ilícito civil; esses três últimos comportam a subdivisão entre absoluto e relativo; b) segundo a eficácia, podem ser classificados em ato ilícito indenizativo, ato ilícito caducificante e ato ilícito invalidante (Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 12.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 119 e 231-259).

89

Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 12.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 127.

consciência da exteriorização de vontade; e c) que o ato se dirija à obtenção do resultado materialmente possível e protegido pela ordem jurídica90.

Nos atos jurídicos lícitos em sentido amplo, a vontade humana é posta pela norma jurídica como elemento integrante e relevante do suporte fático. O ato jurídico lato sensu comporta uma outra subdivisão: atos jurídicos em sentido estrito e o negócio jurídico.

Quando o suporte fático do ato jurídico tem como elemento nuclear a exteriorização unilateral de vontade, sendo que os respectivos efeitos são pré-determinados de modo absoluto pela norma, não sendo possível à pessoa qualquer escolha de categoria jurídica eficacial, está a se tratar de ato jurídico em sentido estrito91. Noutro giro verbal, esta espécie de ato jurídico põe no suporte fático a manifestação da vontade, colocando-a como causa de produção de efeitos jurídicos que a própria norma pré-fixa, sem que o sujeito tenha a mínima liberdade de, voluntariamente, alterá-los. Em uma só nota: a vontade é relevante para a formação do ato,

mas não tem relevância para a mensuração de seus efeitos. São exemplos de atos jurídicos

em sentido estrito: reconhecimento de paternidade, estabelecimento de domicílio, gestão de negócios, confissão etc.

Há uma outra categoria de atos jurídicos em que a vontade tem importância não apenas na sua formação, mas também no plano da eficácia. Vale dizer, a declaração consciente da vontade, além de ser elemento essencial do suporte fático, pode influenciar na própria determinação de resultados do ato praticado. Trata-se dos negócios jurídicos. Como bem leciona Marcos Bernardes de Mello92 a respeito dessa categoria de atos jurídicos em sentido amplo, ―o sistema jurídico faculta às pessoas, dentro de limites predeterminados e de amplitude vária, o poder de escolha de categoria jurídica e de estruturação do conteúdo eficacial das relações jurídicas respectivas‖.

Nos negócios jurídicos, a manifestação consciente da vontade, além de ser parte integrante do suporte fático, pode delimitar e imputar — com espeque na norma — as conseqüências

90

Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 12.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 138.

91 Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 12.ª ed. São Paulo: Saraiva,

2003, p. 159.

jurídicas, a eficácia jurídica do ato; i.e., a vontade humana pode ditar o conteúdo da relação jurídica ou situação jurídica resultante do ato. São espécies de negócios jurídicos: os contratos (em todas as suas modalidades), o testamento etc.

Várias são as classificações dos negócios jurídicos. Os limites e o objetivo desse trabalho, contudo, apenas permitem exame em apertadíssima síntese, das classes em item mais adiante93.

Justamente porque a vontade integra os respectivos suportes fáticos é que apenas os atos jurídicos em sentido estrito e os negócios jurídicos submetem-se ao plano da validade. Esta, como visto, diz respeito ao preenchimento perfeito (logo, sem defeitos) do suporte fático de incidência.

Como visto acima, o fato jurídico em sentido amplo que não ultrapassa o plano da existência não pode ser analisado sob prisma da validade nem da eficácia. É o ato que não integra o mundo jurídico; não é reconhecido pela fenomenologia jurídica e, por conseguinte, não irradia efeitos jurídicos. Apenas o ato existente comporta exame de validade e de eficácia94.

Os atos jurídicos existentes, por sua vez, comportam análise de validade, assim como de produção de conseqüências jurídicas; de criação, modificação ou extinção de situações ou relações jurídicas; vale dizer, de sua eficácia jurídica.

Interessa o exame mais particularizado, pois, daqueles fatos jurídicos em sentido amplo em que há uma conduta humana no suporte fático de incidência da norma.

93 Têm-se como critérios mais recorrentes na doutrina: quanto ao número de sujeitos, podem ser os negócios

jurídicos unilaterais, bilaterais, plurilaterais; quanto aos efeitos, dispositivos (aquisitivos, modificativos ou extintivos) ou declaratórios, inter vivos ou mortis causa; quanto à causa de atribuição patrimonial, negócios a título oneroso (comutativos ou aleatórios) e a título gratuito; segundo a composição, simples e complexos; quanto à forma, negócios formais e não-formais, solenes e não-solenes. Cf. GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 13.ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 297-362. Interessante e mais ampla é a classificação trazida por Marcos Bernardes de Mello. Cf. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 12.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 193-215.