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A FINALIDADE DA PENA

No documento Razões de punir: a teoria de H. L. A. Hart (páginas 54-58)

3 O CRIME E A PUNIÇÃO NA TEORIA RETRIBUTIVA

3.3 A FINALIDADE DA PENA

Roxin determina que a finalidade da pena não é outra senão a justiça: “a justificação de tal procedimento não se depreende, para esta teoria, de quaisquer fins a alcançar com a pena, mas apenas da realização de uma ideia: a justiça” (ROXIN, 2004, p. 16).

Para os retributivistas, ao punir o Estado exerce o seu jus puniendi, demonstrando ao infrator que sua punição é apenas a consequência direta da sua escolha em infringir a lei e que se assim não tivesse agido, não sofreria as consequências da pena, tais como a sua prisão.

Para Paulo Queiroz, o mais importante no fundamento retributivista é o reconhecimento de que toda pena tem como pressuposto o delito. Assim, a pena é sempre uma consequência proporcional ao crime:

O principal mérito da fundamentação retributiva radica no fato de que a pena, independentemente dos fins a que se destine, deve ter sempre o delito como pressuposto, isto é, o crime conceitualmente é retribuição de um “mal” e há de ser sempre proporcionada ao comportamento delituoso praticado, razão pela qual se presta, assim, a coibir abusos por parte do Estado na sua graduação (QUEIROZ, 2005, p. 23).

Gilberto Ferreira enfatiza que a pena é consequência do crime, independentemente de possuir outra finalidade. Assim, “a pena é justa em si e sua aplicação se dá sem qualquer preocupação quanto a sua utilidade. Ocorrendo o crime, ocorrerá a pena, inexoravelmente. O importante é retribuir com o mal, o mal praticado. (FERREIRA, 2000, p. 25).

A pena tem o fim de proteger a sociedade dos danos causados aos bens jurídicos importantes, só havendo a retribuição como razão para sua existência. Alguns doutrinadores defendem que a punição possui a peculiaridade da aflição, enquanto que para outros é um mero caminho para aquisição de certas vantagens, tanto para a sociedade como para o infrator.

Jescheck (1981, p. 96) entende que o retributivismo se lastreia na ideia de que o Estado é o defensor da justiça, protegendo as liberdades individuais:

[...] no reconhecimento do Estado como guardião da justiça terrena e como conjunto de ideias morais: na fé, na capacidade do homem para se autodeterminar e na ideia de que a missão do Estado perante os cidadãos deve limitar-se à proteção da liberdade individual. Nas teorias absolutas coexistem, portanto, ideias liberais individualistas e idealistas.

Jescheck, segundo Bitencourt (2016, p. 135), afirma que esta teoria não possui apenas um ângulo jurídico, mas também filosófico: “nesta proposição retribucionista da pena está subentendido um fundo filosófico, sobretudo de ordem ética, que transcende as fronteiras terrenas pretendendo aproximar-se do divino”.

Comumente tem-se confundido o retributivismo com a vingança, porém esses dois institutos têm conceitos peculiares e distintos. A vingança, além de ser pessoal, envolve sentimento; já a retribuição não necessita da vontade da vítima no sofrimento do infrator, mas apenas a realização da justiça. Moore (1997) declara que mesmo que não haja na sociedade o desejo de vingança, ainda haverá motivo retributivista para punir o infrator.

George Fletcher, professor da Columbia Law School, também defende que a teoria retributiva não se resume à vingança, ao declarar, em seu livro Rethinking Criminal Law, que o retributivismo “is not to be identified with vengeance or revenge, any more than love is to be

identified with lust”6 (FLETCHER, 2000, p. 417). A vingança é, porém, o sentimento

responsável pela grande aceitação popular da teoria retributiva.

A ação que merece como resposta a punição é aquela em que há violação intencional do direito de terceiros. Acerca das ações passíveis de serem punidas, Alec Walen explica:

The dimension of mens rea also matters for determining whether conduct can serve as a morally appropriate basis for punishment (Feinberg 1990: 147–150). As the level of culpability goes from purpose and knowledge through recklessness to negligence, it becomes progressively harder to justify a punitive response to any given rights violation [...] (WALEN, 2016).7

6 “[...] não deve ser identificado com vingança em nome próprio ou alheio ou vingança em nome próprio, assim como o amor não pode ser identificado com a luxúria”

7 A dimensão da mens rea também importa para determinar se a conduta pode servir como uma base moralmente apropriada para punição (Feinberg 1990: 147-150). Como o nível de culpabilidade vai de intencional e conhecimento por imprudência à negligência, torna-se progressivamente mais difícil justificar uma resposta punitiva a qualquer violação de direitos [...] (WALEN, 2016, tradução nossa).

O homem dispõe de livre arbítrio entre obedecer e desobedecer às leis, possuindo discernimento sobre seus atos. Desta forma, não seria apenas admissível senão imperativo que o Estado exigisse o cumprimento de suas normas. O autor da ação delitiva teve a faculdade de escolha entre cometer o crime ou não, lesar o bem jurídico ou não, e ao optar pelo caminho delitivo, o infrator deve receber como resposta estatal, a punição, não havendo qualquer outra finalidade da pena a não ser castigar. A teoria retributiva se concretiza pela aplicação de um mal justo previsto legalmente em retribuição a um mal injusto cometido pelo infrator.

Ao unir o discernimento ao livre arbítrio e à conduta delitiva, os retributivistas concluem que há requisitos suficientes para o imediato cumprimento da punição. O homem, possuidor de livre arbítrio, discerne qual atitude tomar, e uma vez escolhido e praticado um ato delitivo, ele merece ser punido.

Bitencourt (2016, p. 134) assevera que, para o retributivismo, a pena possui somente uma finalidade, que é fazer justiça, e seu fundamento está exatamente no livre-arbítrio:

Segundo este esquema retribucionista, é atribuída à pena, exclusivamente, a difícil incumbência de realizar a Justiça. A pena tem como fim fazer justiça, nada mais. A culpa do autor deve ser compensada com a imposição de um mal, que é a pena, e o fundamento da sanção estatal está no questionável livre-arbítrio, entendido como a capacidade de decisão do homem para distinguir entre o justo e o injusto. Isto se entende quando lembramos da "substituição do divino pelo humano" operada nesse momento histórico, dando margem à implantação do positivismo legal.

Muito se discute acerca da aplicabilidade da pena quando esta não atinge outra finalidade, diversa da retribuição. No tocante aos crimes mais graves, encontramos maior número de adeptos à imposição de punição, mesmo quando ela não produz qualquer efeito. Muitos defendem a punição até no caso hipotético de um estuprador estar fisicamente incapacitado a estuprar novamente, não possuindo qualquer necessidade de dissuadi-lo ou incapacitá-lo à prática do estupro.

Outro exemplo utilizado pelos adeptos da teoria retributiva é a hipótese de um infrator estar se divertindo em uma ilha enquanto são difundidas filmagens suas pré-fabricadas mostrando seu sofrimento na prisão, alcançando a dissuasão geral, sem, contudo, fazer justiça. Assim, é imprescindível que a punição devolva o mal produzido pelo criminoso, ao usar seu livre arbítrio na escolha de infringir a lei.

Ao optar pela prática criminosa, um infrator deve receber como recompensa o mal da punição, ou seja, punitur quia pecatum est, pune-se porque é pecado. A pena se torna um ente

que independe de finalidade; sua existência se justifica por si mesmo, possuindo natureza imperativa, e não associada a qualquer fim.

Por possuir responsabilidade moral, o homem recebe, como retribuição à sua escolha de infringir à lei, a punição, que nada mais é do que a tentativa de endireitar um mal injusto com o mal justo, consagrando a ideia de igualdade, responsável pela aplicação da justiça. Trata-se, portanto, de um justo castigo em retribuição ao crime injusto, restabelecendo a ordem jurídica desrespeitada.

A existência do livre-arbítrio serve de justificativa para a punibilidade dos infratores, uma vez que o direito estatal de punir fundamenta-se na escolha do indivíduo em desobedecer à lei, recebendo em retribuição um castigo.

Paulo S. Xavier de Souza ressalta que a pena é um fundamento em si mesmo: “as teorias retributivas são absolutas, porque não se vinculam a nenhum fim, concebendo a pena como um fundamento em si mesmo” (SOUZA, 2006, p. 70). A pena seria uma consequência do delito fundamentada no desejo do infrator ao decidir pelo injusto:

No esquema retribucionista, a imposição da pena tem a exclusiva tarefa de realizar justiça, devendo a culpabilidade do autor ser compensada com a imposição de um mal proporcional, a pena, como consequência jurídico-penal do delito, encontrando fundamento no livre arbítrio como capacidade do homem de decidir entre o justo e o injusto. (SOUZA, 2006, p. 70).

A pena é a materialização da reprovação da conduta delitiva praticada pelo infrator que, diante de seu livre arbítrio, escolhe conscientemente assim agir, sendo, portanto, responsável pela sua ação criminosa.

Paulo S. Xavier de Souza acrescenta que a pena está intrinsecamente associada às ideias de injustiça e culpabilidade do agente ao escolher livremente cometer um ilícito:

Em síntese, para a teoria retributiva, a pena assume aspecto de castigo talionalmente vinculado com a magnitude do injusto e reprovação da culpabilidade do delinquente, retribuindo a culpa do homem que atuou livremente (imputáveis), ao contrario das medidas aplicadas contra aqueles que não agiram (inimputáveis), que não podem ser reprovados. (SOUZA, 2006, p. 71).

A aplicação de uma sanção legal revela o poder do Estado ao restabelecer a ordem jurídica diante de um ilícito. O objetivo de punir é retribuir, através de medidas punitivas, como por exemplo o encarceramento, o mal que o infrator escolheu causar.

O jurista alemão Fran Von Listz afirma que "a objetivação da pena conduziu-se a isso, que, por premissa necessária da sua utilização, também o conteúdo e a extensão da razão em

função da espécie de pena vêm determinados e subordinados à ideia de escopo" (LISZT, 2005, p. 25).

O infrator deve se conscientizar de que sua pena deriva diretamente da sua livre decisão de desrespeitar as leis e a sociedade, merecendo, assim, a punição. O jurista Haroldo Caetano e Silva coaduna com esta ideia, afirmando que para o retributivismo a pena não tem outra finalidade que não seja recompensar a maldade com outra maldade:

Pela teoria absoluta ou retributiva, a pena apresenta a característica de retribuição, de ameaça de um mal contra o autor de uma infração penal. A pena não tem outro propósito que não seja o de recompensar o mal com outro mal. Logo, objetivamente analisada, a pena na verdade não tem finalidade. É um fim em si mesma. (SILVA, 2002, p. 35)

Para a Escola Clássica, o direito de punir está baseado na escolha que o indivíduo faz ao cometer o delito. A punição possui então um caráter retributivo, consagrando a sanção como castigo.

No documento Razões de punir: a teoria de H. L. A. Hart (páginas 54-58)