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4- Choque

4.2 Fisiopatologia Do Choque

Se o choque não for previamente tratado, irá ocorrer uma série de mecanismos neuro- hormonais compensatórios que promovem a estimulação do sistema renina-angiotensina- aldosterona (SRAA), de barorrecetores, assim como a de mediadores-quimiorrecetores de libertação de catecolaminas e subsequentemente a produção de hormonas como o glucagon, a hormona adrenocorticotrófica (ACTH) e o cortisol (Santoro-Beer & Silverstein, 2014).

A redução do volume circulatório, estimula os barorrecetores localizados nas grandes artérias torácicas (arco aórtico e carótida sinusal) e nos recetores de estiramento de baixa pressão localizados nas artérias pulmonar e aorta. Tal, ativa de imediato os reflexos simpáticos que irão provocar a vasoconstrição da maioria das arteríolas, de modo a aumentar a RVP e redirecionar o fluxo sanguíneo para os órgãos vitais, das vénulas, resultando num aumento do retorno venoso e na redução do volume vascular efetivo, e aumento da FC e consequentemente do débito cardíaco (Stanzani & Otto, 2012).

O aumento seletivo da RVP ocorre devido à circulação esplâncnica e cutânea, contribuindo assim para os sinais clínicos de choque como as MM pálidas, o aumento do TRC e as extremidades frias (Stanzani & Otto, 2012).

Os quimiorrecetores, também localizados na carótida e aorta, ativam o Sistema Nervoso

Central (SNC) em resposta à redução de O2 e ao aumento de ião hidrogénio e CO2 em circulação

(Stanzani & Otto, 2012). Esta ativação irá induzir um aumento na FR de modo a melhorar a

oxigenação e a eliminar o CO2 (Stanzani & Otto, 2012).

A ativação simpática promove uma resposta neuroendócrina com a segregação de angiotensina e vasopressina (ADH). A angiotensina é produzida durante a hipovolémia pelo SRAA em resposta à falta de estiramento das artérias glomerulares aferentes e com a redução da entrega de Na+ ao nível da mácula densa. A renina converte o angiotensinogénio em angiotensina I, que consequentemente é convertida em angiotensina II, que é um potente vasoconstritor, o que irá

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aumentar a retenção de Na+ e de água nos rins e promover a secreção de aldosterona que também contribuirá para a retenção de Na+ (Stanzani & Otto, 2012).

A ADH é segregada no hipotálamo e armazenada ao nível da neuro-hipófise. A produção desta hormona é regulada pela osmolaridade plasmática ao nível dos osmorrecetores hipotalâmicos. A secreção desta hormona ocorre, não só devido à hipovolémia, mas também devido à diminuição da PA ou do volume sanguíneo que ativam os recetores do estiramento de baixa pressão e os barorrecetores, por isso esta hormona também tem um efeito vasoconstritor (Stanzani & Otto, 2012).

O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal é ativado pelo SNS, a segregar a hormona libertadora de corticotrofina (CRH) da hipófise e cortisol da glândula adrenal. O cortisol com a hormona de crescimento, com a epinefrina e com o glucagon (da estimulação simpática do pâncreas) promove uma alteração do metabolismo para um estado catabólico o que aumenta a glucose extracelular disponível como reserva energética para a resposta de "luta ou fuga" (Stanzani & Otto, 2012).

A diminuição da PAM, com a vasoconstrição leva à descida da pressão hidrostática nos capilares ocorrendo a saída de fluídos do interstício para o espaço intravascular aumentando assim o volume circulatório (Stanzani & Otto, 2012).

Os baixos níveis de O2 estimulam a libertação de citoquinas incluindo o TNF-α (fator de necrose tumoral), IL (interleucina) -1 e IL-8 que possuem ação semelhante. O TNF-α, e IL-1β e as endotoxinas estimulam a produção de citoquinas inflamatórias através da ativação de NF-кB. O aumento dos NF-кB está associado a um pior prognóstico. As citoquinas causam hipotensão e reduzem a contractilidade do miocárdio, aumento da FC, da FR e da acidose lática. Também ativam os neutrófilos e induzem a libertação de IL-6 que irá ativar as células B e T induzindo uma resposta aguda. Ocorre ainda, a estimulação plaquetária para a libertação de histamina e serotonina. As plaquetas irão causar aumento da permeabilidade vascular, broncoconstrição e diminuição da PA. Os neutrófilos ativados produzem lesão endotelial aumentando também a permeabilidade vascular e o risco de trombose (Shaw, 2010). A produção de substâncias pró-coagulantes e a ativação da cascata do complemento conduz ao aparecimento de coagulação intravascular com o consumo dos fatores de coagulação, a fibrinólise e consequentemente a CID (Arnold, 2010).

A isquemia ocorrerá ao nível do trato gastrointestinal (GI), pâncreas, rins e pulmões. No trato GI haverá ulceração o que aumenta a translocação bacteriana promovendo ao aparecimento

de MODS. Os rins hipoperfundidos terão menor capacidade de reabsorção de glucose e de HCO3-,

e consequentemente ocorrerá acidémia e glicosúria. A morte das células tubulares irá exacerbar a insuficiência renal. Ao nível dos pulmões, a vasoconstrição pulmonar dificulta as trocas gasosas (Shaw, 2010).

Resumidamente, estas alterações vão aumentar o tónus vascular, ativar mediadores biomecânicos e estimular a resposta inflamatória o que contribui para o síndroma de choque (Santoro-Beer & Silverstein, 2014). Consequentemente, ocorre uma alteração da microcirculação, hipoperfusão, hipoxia e alteração do metabolismo celular, morte das células e ao aparecimento do MODS (Santoro-Beer & Silverstein, 2014).

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4.2.1 Fases Do Choque

O progresso do choque é normalmente dividido em três fases: choque compensatório inicial, choque descompensatório inicial e choque descompensatório. É crítico o reconhecimento dos diferentes sinais clínicos em cada fase e a progressão do choque.

4.2.1.1 Choque Compensatório Inicial

Nos estádios iniciais, os mecanismos compensatórios são acionados devido à libertação de catecolaminas e à ativação de respostas neuro-humorais como o SRAA. Durante esta fase, o paciente encontra-se relativamente estável, todavia pode apresentar taquicardia, aumento da taxa

de extração de O2 e do débito cardíaco (Esmond, 2012; Fletcher, 2011). Ainda num estado inicial,

as mucosas podem encontrar-se hiperémicas com TRC menor que um segundo e com estado mental e com PA normal (Esmond, 2012; Fletcher, 2011). Se o choque não for corrigido nesta fase, a progressão para os estádios descompensatórios resultaram num aumento da morbilidade e da mortalidade (Esmond, 2012; Fletcher, 2011).

4.2.1.2 Choque Descompensatório Inicial

O organismo continua a descompensar, todavia é preservado o DO2 ao coração e ao

cérebro devido ao redireccionamento do fluxo sanguíneo de outros tecidos como o do trato GI, da musculatura esquelética e dos rins (Esmond, 2012; Fletcher, 2011). Durante esta fase, o ATP é utilizado e as fontes de glucose são consumidas, resultando no metabolismo dos ácidos gordos para obtenção de energia (metabolismo anaeróbio). O paciente pode estar deprimido com o TRC prolongado, com as MM pálidas e frias, com as extremidades frias, com taquicardia e a PA pode estar normal ou diminuída (Esmond, 2012).

4.2.1. 3 Choque Descompensatório Final ou Irreversível

Na fase final ocorre descompensação total e normalmente desenvolvem hipotensão refratária, vasodilatação periférica e bradicardia (Fletcher, 2011). Neste estádio os principais órgãos

vitais (cérebro e coração) estão em hipoxia (Esmond, 2012). A hipoxia cerebral promove o

aparecimento do coma ou estupor com supressão dos centros respiratório e simpático neural (Esmond, 2012). A vasodilatação com diminuição do tónus vagal, a diminuição da contractilidade cardíaca e a bradicardia permitem a estase sanguínea (Esmond, 2012). O paciente não apresenta TRC, as MM estão frias e pálidas ou cianóticas, o pulso não é palpável ou fraco e há hipotermia com oligúria ou anúria e o paciente pode desenvolver edema pulmonar. Este estádio geralmente é irreversível (Esmond, 2012).

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