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CAPÍTULO II FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.5. Convenções de fonética e fonologia para o PE

2.5.4. Fonologia Segmental

A Fonologia, é a área da linguística que estuda os sistemas sonoros das línguas, que têm correspondência no conhecimento intuitivo e mental dos falantes. Tem como objecto de estudo as mais pequenas unidades da língua, os segmentos fonológicos, denominados “fonemas”(Mateus et al., 2005; Mendes et al. 2009).

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2.5.4.1. Teorias fonológicas e suas aplicações clínicas

Ao longo do século XX, a fonologia evoluiu passando do rotineiro uso de abordagens fonema a fonema, em que cada erro era considerado como uma entidade separada, passando a olhar para padrões de erros (Hodson, 2004). Como são e como eles são descritos, dependem da teoria que se pretender seguir.

Várias teorias, têm sido propostas para explicar como o sistema fonológico está organizado. Algumas delas, focam-se inteiramente na linguagem dos adultos em comparação com a produção das crianças (análise relacional), enquanto outras, se baseiam no desenvolvimento da aquisição fonética e fonológica da criança (análise independente). Embora, cada teoria tenha em conta um determinado fenómeno, nenhuma teoria contempla tudo, e até à data não existe nenhuma em que todos tenham concordado. As teorias existentes, as suas mais importantes aplicações clínicas e desvantagens/limitações, estão resumidas na Tabela 13.

Tabela 13. Resumo das teorias fonológicas

Data Nome Autor Vantagens/Desvantages Aplicações

Início do

século XX Teoria da linguística descritiva --- Análise estrutural dos aspectos da linguagem, primeiras descrições de fonemas e alofones

1952/69;1

966 Teorias behavoristas

Mowrer; Olmsted

Enfoque no estímulo-resposta e input e percepção dos sons entre o cuidador e a criança

1941/1968 Teoria da Ordem universal Jakobson Descrição do inventário de fonemas, denominada de princípio de contrastes máximos

1949 Teoria dos traços distintivos Jakobson Análise dos traços distintivos inteiramente articulatórios através dos traços binários

1968 Teoria da fonologia generativa Chomsky & Halle Análise dos traços distintivos e das regras fonológicas

1969/72/7

3 Teoria da fonologia natural Stampe Análise dos processos fonológicos e distinção entre processos naturais e regras fonológicas

1970/71 (teoria não segmental) Teoria da prosódia Waterson não segmentos (estadios iniciais de desenvolvimento < 2 anos) Análise da percepção e do input tendo em conta as palavras e

1970;1977 ;1974;197 5, 1981 Teoria cognitiva Menn; Kiparsky & Menn; Ingram; Ferguson &Farwell

A criança organiza, testa hipóteses e descobre a estrutura da linguagem através invenções de regras e experimentações activas e uso de estratégias (não existem processos inatos)

1979 Teoria fonológica métrica --- Análise da estrutura silábica (núcleo, rima, coda, níveis) segundo relações hierárquicas e aspectos prosódicos

1986 Teoria geométrica Sagey Análise das características que compõem os segmentos (consoantes) e que estão organizadas em hierarquias

1995 Teoria óptima McCarthy & Price Constrições no output levam a limitações na produção

1992;1997 gestual ou Teoria da Teoria da fonologia

fonologia articulatória

Browman & Goldstein;

Kent

Análise baseada na articulação e representações fonológicas, em que as unidades mínimas são os gestos. Fonte: Hodson (2004.)

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2.5.4.2. Descrição e classificação dos processos fonológicos

Os processos fonológicos são o conceito básico da teoria da fonologia natural. Os processos fonológicos são naturais e inatos (Yavas et al., 2002). Constituem mudanças sistemáticas que afectam uma classe ou sequência de sons e, são descrições de padrões universais que ocorrem regularmente durante a aquisição fonológica da criança, e traduzem- se em formas mais simples e distintas das produções verbais orais dos adultos (Gordon- Brannan & Weiss, 2007; Stampe (1969, citado por Grunwell, 1997).

Não existe consenso entre os investigadores quanto ao número de processos possíveis nem quanto ao número de processos mais comuns nas produções linguísticas das crianças.

Os processos fonológicos que afectam as vogais relacionam-se com: apagamento da vogal em posição átona que colocam a consoante em posição em coda, a omissão de vogais átonas em posição medial, alongamento vocal compensatório (devido à omissão da consoante em posição final de sílaba ou em grupo consonântico), a substituição entre vogais, e a desnalização de vogais (Freitas, 1997; Lamprecht et al., 2004; Lopes, 2006).

Os processos fonológicos, que afectam as consoantes, podem ser classificados de diferentes formas segundo diferentes autores. Segundo Weiss (1979, cit. por Grunwell 1997) podem ser processos de estrutura silábica; harmonia ou contraste. Grunwell (1985, cit. por Grunwell 1997) e Dean et. al. (1996, cit. por Grunwell 1997), separam-nos em apenas dois grupos, processos/simplificações estruturais e sistémicas. Khan e Lewis (2002) faz outra classificação processos de redução, de modo e posição e de vozeamento. Ingram (1981) classifica-os em processos de estrutura silábica, substituição e assimilação e actualmente é a mais utilizada (Bankson & Bernthal, 2004; Bowen, 1999; Gordon-Brannan & Weiss, 2007; Hodson, 2004; Mendes et al., 2009; Smit, 2004; Shipley & MacAfee, 2009; Weiner, 1979; Yavas et al., 2002)(Ver Tabela 14, 15 e 16).

Neste trabalho seguimos a classificação que reúne um melhor consenso entre os diversos autores. Como tal, temos: os processos de estrutura silábica, que incluem todos aqueles que alteram a estrutura da sílaba. Os processos de substituição, que incluem todos aqueles que causam qualquer tipo de substituição. E por fim, os processos de assimilação, que ocorrem quando as características de determinado segmento ou sequência influenciam outros na palavra (Yavas et al., 2002).

26 Tabela 14. Processos fonológicos de estrutura silábica

Processos fonológicos Definição Exemplo de alteração na palavra* Estrutura Silábica Omissão da consoante final (OCF)

Omissão da consoante (fricativa /ʃ/ e líquidas /l/ e

/ɾ/) em posição final de palavra /‟perɐʃ/  [perɐ] pêras CVCCV

Omissão da consoante (fricativa /ʃ/ e líquidas /l/ e

/ɾ/) em posição final de sílaba dentro da palavra /„pɛʃkɐ/  [pɛkɐ] pesca

Redução do grupo consonântico (RGC)

Redução de todo o grupo consonântico prato

/„pratu/  [tu] CCV Ø

Redução parcial do grupo consonântico (vogal) prato

/„pratu/  [atu] CCVV

Redução de um elemento prato

/„pratu/  [patu] CCVCV

Redução da sílaba átona pré- tónica (RSA)

Omissão da sílaba átona pré-tónica em palavras com dissilábicas ou polissilábicas

chapéu

/ʃɐ‟pɛw/  [„pɛw] CVØ

Metátese (MET)

Intrassilábica- Mudança de ordem de dois fonemas na sílaba

Extrassilábica-- Mudança de ordem de dois fonemas quando ultrapassa a fronteira silábica

dragão /„drɐgᾶw/ 

[dɐrgᾶw] CCVCVC

Migração

(MIG) Mudança de um som para outra posição na palavra /ʃɐ‟pɛw/  [„ɐpɛwʃ] chapéu CVV

Epêntese (EPE)

Adição de segmentos (vogais e consoantes) não presentes na palavra

prato

/„pratu/  [pɨratu] CVCCVCV

Reduplicação (RED)

Produção da forma CVCV. Na reduplicação total

a forma CV‟s é igual. /„bɔlɐ/  [bɔbɔ] bola CVCVCVCV

Produção da forma CVCV. Na reduplicação

parcial os C‟s ou as V‟s podem ser diferentes. /„bɔlɐ/  [bɔbɐ] bola CVCVCVCV

Legenda: *os exemplos são retirados do Testes Fonético-Fonológico ALPE

Tabela 15. Processos fonológicos de substituição Processos

fonológicos Definição

Exemplo de alteração na

palavra* Alteração no som

Anteriorização (ANT)

Substituição de dentais por lábio dentais ou bilabiais

Substituição de velares por dentais

Gato

/„gatu/  [datu] /t/[p] ; /d/[b] /s/[f] ; /z/[v]

/k/[t] ; /g/[d] Posteorização

(POST) Substituição de dentais por velares /„dedu/  [gedu] Dedo /t/[k] ; /d/[g]

Palatização (PAL)

Substituição de consoantes dentais ou alveolares por palatais Vassoura /va‟sorɐ/  [va‟ʃorɐ] /s/[ʃ] ; /z/[ʒ] ; /l/[λ] ; Despalatização (DESP)

Substituição de consoantes palatais (/ʃ/, /ʒ/ e /ʎ/)

por dentais ou alveolares /ʃɐ‟pɛw/  Chapéu

[sɐ„pɛw] /ʃ/[s] ou [f]; /ʒ/[z] ou [v]; /λ/[l] Simplificação de líquidas - Vocalização de líquidas (VOCL)

Substituição de uma líquida em posição final por uma vogal

Sol /„sɔɫ/  [„sɔi]

/l/[i] ou [u] (mais comuns) - Semivocalização

de líquidas (SL)

Substituição de líquidas (lateral ou vibrante) por semivogais (/j/ ou /w/)

Lua

/„luɐ/  [wuɐ] /l/[w] ou [j] ; /ɾ/[w] ou [j]

Substituição de

líquidas (SUBL) Substituição de uma líquida (lateral ou vibrante) por outra líquida (/l/ por /ɾ/ e vice versa) /ku‟mer/  [kumel] Comer /l/[ɾ] ; /ɾ/[l]

Oclusão (OCL)

Substituição de fricativas, laterais e nasais por oclusivas

Faca

/„fakɐ/  [pakɐ] /f, s, ʃ, v, z, ʒ, l, ɾ/ [p, t, k, b, d, g]

Desnasalização

(DESN) Substituição de palatal por dentais /ʃɐpɛw/  [sɐpɛw] Chapéu /ʃ, ʒ, ƞ/ [s, z, n]

27 Tabela 16. Processos fonológicos de assimilação

Processos

Fonológicos Definição

Exemplo de alteração

na palavra* Alteração no som

Assimilação labial (ASSL)

Progressiva- Substituição de um som por influência de outro que se encontra na mesma palavra (consoantes velares ou dentais por bilabiais) Regressiva- Igual ao anterior

Bola /„bald/  [„bɐp] Cobra /„kɔbɾɐ/  [„pɔbɐ] /t, d, k, g/ [p, b, m] /s, z, ʃ, ʒ/ [f, v] Assimilação alveolar (ASSD)

Progressiva- Substituição de um som por influência de outro que se encontra na mesma palavra (consoantes velares por alveolares) Regressiva- Igual ao anterior

Dragão /dɾɐ‟gᾶw/ [dɐ‟dᾶw] Gato /„gatu/  [datu] /k, g/ [t, d] /ʃ, ʒ/ [s, z] Assimilação palatal (ASSP)

Progressiva- Substituição de um som por influência de outro que se encontra na mesma palavra (consoantes alveolares por palatais)

Nariz

/nɐ‟ɾiʃ/  [nɐ‟ƞiʃ] /n, l/ [ʃ, ʒ, ƞ, ʎ]

Assimilação velar (ASSV)

Progressiva- Substituição de um som por influência de outro que se encontra na mesma palavra (consoantes bilabiais ou dentais por velares) Regressiva- Igual ao anterior

Dragão /dɾɐ‟gᾶw/ [gɐ‟gᾶw] Gato /„gatu/  [„gaku] /p, b, m, t, d/ [k, g] /f, v, s, z/ [ʃ, ʒ] Assimilação nasal das consoantes (NASC)

Progressiva- Substituição de consoantes não nasais por nasais

Regressiva- Igual ao anterior

Nariz / „nɐɾiz /  [´nɐniz] Cama / „kɐmɐ /  [´mɐmɐ] /p, b, t, d, k, g/ [m, n, ƞ] Assimilação nasal de V que precedem CNasais

Substituição de vogais orais por vogais nasais precedidas por consoantes nasais

Meza

/ „mezɐ /  [´mẽzɐ] /ɐ/[ᾶ] ; /e/[ẽ] /i/[ῖ] ; /o/[õ]

/u/[ũ]

Vozeamento (VOZ)

Substituição de uma consoante não vozeada para

uma vozeada /sɐ‟patu/  [zɐ„patu] Sapato /p/[b] ; /t/[d] /k/[g] ; /f/[v]

/s/[z] ; /ʃ/[ʒ] Desvozeamento

(DESV)

Substituição de uma consoante vozeada para uma

não-vozeada /„mezɐ/  [„mesɐ] Mesa /b/[p] ; /d/[t] /g/[k] ; /v/[f]

/z/[s] ; /ʒ/[ʃ] Legenda: *os exemplos são retirados do Testes Fonético-Fonológico ALPE

Existem divergências entre os vários autores acima referidos, especificamente no processo de reduplicação, que é classificado por Gordon-Brannan & Weiss (2007) como um processo de assimilação silábica. Conforme mencionado anteriormente, os processos de assimilação referem-se à partilha de determinadas características entre dois segmentos ou sequências, não alterando a estrutura da palavra. A influência pode ser exercida tanto do início para o final da palavra, tratando-se de assimilação progressiva, como em sentido inverso, assimilação regressiva (Yavas et al., 2002).

2.5.4.3. Co-ocorrência de Processos Fonológicos

Muitos dos exemplos citados são relativamente raros por ilustrarem apenas um único processo. Na realidade é bem mais comum e frequente a realização de dois ou mais processos simultaneamente na mesma palavra (e.g. /tɨlɨvi‟zᾶw/[tɨbi‟zᾶw]).

2.5.4.4. Outros Processos Fonológicos

Outro tipo de processos fonológicos, são aqueles que ocorrem sistematicamente na nossa língua e que se admitem como excepções às regras gerais dependendo do registo de

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fala, assim temos os processos lexicais, quando não estão sujeitos a variações ocasionais e os processos pós-lexicais que se situam num nível mais superficial da gramática.

Nos processos lexicais temos: 1) o vocalismo átono, é um processo de recuo ou elevação, acontece para /a/ que fica [ɐ], /e, ɛ/ que fica [ɨ] e /o, ͻ/ que fica [u], apenas o /i/ e /u/ não se alteram (e.g. vejamos o caso de palavras com o mesmo radical fonológico [bɛlu] [bɨleza]); 2) a nasalização, que se pode representar foneticamente de duas formas, [ĩ] quando está antes de consoante e [in] quando está antes de vogal (e.g. [ĩtẽsᾶw] e [inɐkɐbadu]) (Mateus et al., 2005). Nos processos pós-lexicais, poderemos encontrar no PE: 1) a velarização do /l/ em final de sílaba (ex: <sal> [„saɫ]); 2) a palatização do /s/ em final de sílaba ou de palavra (ex: <calças> [„calsɐʃ]); 3) a inserção de uma semivogal nasalizada [j], a seguir a uma vogal nasal (ex: <batem> [„batẽj]); 4) a dissimilação dos dois elementos dos ditongos nasais nas terceiras pessoas do plural dos verbos, passando e a vogal [e] para uma posição mais recuada, ou seja [ɐ] (ex: <telha> [tɐj‟ʎɐ]; 5) a supressão da vogal átona [ɨ] entre as consoantes ou no final de palavra depois de uma consoantes (ex: <meter> [m‟ter] ou <toque> [tɔk]) (Duarte 2000; Mateus et al., 2005).

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