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A FORMAÇÃO DA CRISTANDADE

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N o t a d o A u t o r

Como primeiro ocupante da cátedra Charles Chauncey Stillman de Estudos Católico-romanos em Harvard, de 1 958 a 1 962, escolhi o tema CRISTANDADE. As palestras naturalmente se dividiram em três grupos - a formação da Cristandade, a divisão da Cristandade e o retorno à unidade cristã.

O segundo grupo, que cobre o período da Reforma Protestante

à Revolução Francesa, foi publicado em 1 965 no livro A Divisão da

Cristandade. O presente livro contém todas as palestras do primeiro

grupo e trata da formação da cristandade, das origens na tradição judaico-cristã até a ascensão e queda da unidade medieval.

PARTE 1

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I n t r o d u ç ã o a o P re s e n t e E s t u d o

Esta cátedra é uma criação recente e, até agora, o estudo do ca­ tolicismo romano não teve espaço algum no currículo da Harvard Divinity School. É fácil compreender as razões históricas disso. O Harvard College foi uma das primeiras instituições desta nação, assim, desde sua fundação até a independência dos Estados Unidos foi, em essência, uma instituição protestante, intimamente ligada à igreja de Massachusetts e à tradição da teologia puritana e calvinista. Quando a Faculdade de Teologia foi fundada, no início do século XIX, refletia as mudanças religiosas que ocorreram na Nova Inglater­ ra desde a independência e descobrira expressão intelectual no movi­ mento unitarista, que teve origem em Boston no final do século XVIII. Este foi, essencialmente, um movimento liberal que buscou ampliar e liberalizar os estudos teológicos, mas, é claro, seu liberalismo não ia tão longe a ponto de alcançar o catolicismo. É verdade que William Ellery Channing ( 1 780-1 842), talvez a principal influência no início da Faculdade de Teologia, foi um defensor do catolicismo, mas a sua concepção de "cristandade católica" (para usar a expressão por ele cunhada) estava mais distante do catolicismo histórico que mesmo a ortodoxia calvinista contra a qual lutava.

Ao longo do século XIX, o vínculo entre a Faculdade de Teolo­ gia e a igrej a unitarista aos poucos foi diminuindo até se tornar, à época do reitor Charles William Eliot ( 1 834- 1 926), simplesmente, uma faculdade não sectária de estudos históricos e científicos sobre

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religião. Nesse caso, não havia mais motivos para excluir o estudo daquela forma de cristianismo que ocupa o primeiro lugar em ex­ tensão, antiguidade e número de membros. Na ocasião, contudo, tal acréscimo era inconcebível. Caso venhamos a ler o discurso do reitor Eliot sobre a religião dos Pais da Pátria, proferido em 1 909, no curso de verão da Faculdade de Teologia, veremos que Eliot ti­ nha pouquíssimo interesse no cristianismo como realidade históri­ ca ou como estudo teológico, mas, antes, identificava religião e cul­ tura com a crescente preocupação ética de progresso social e saúde pública, de modo que o médico e o inspetor sanitário tomariam o lugar do presbítero ou do bispo como portadores e representantes de uma nova ordem.

Estou longe de querer depreciar a importância da questão cul­ tural - é exatamente o assunto que mais me interessa -, mas estou certo de que essa não é a abordagem correta. Caso fosse, a Faculdade de Teologia deveria fechar as portas e todos deveríamos ingressar na faculdade de Medicina ou de Saúde Pública.

A teologia deve ser soberana em sua casa. É um campo de estu­ do autônomo que não pode ser reduzido ao departamento de ética social, da mesma forma que a Igreja não pode ser reduzida a uma instituição filantrópica. Desde os dias de Eliot há um amplo reco­ nhecimento dessa realidade e um movimento genuíno de retorno à teologia e a uma nova compreensão do significado de Igreja. Esse movimento é comum a protestantes e católicos e, não há dúvidas, é o grande responsável pelo progresso do movimento ecumênico e o crescente interesse no problema da reconciliação cristã: movimento e interesse que estão destinados a se tornarem ainda maiores nos pró­ ximos anos. É impossível ir muito adiante nessas questões sem algum estudo do catolicismo, pois a existência da Igreja Católica é uma das grandes realidades objetivas da história. Sem ela é impossível escrever a história do cristianismo, e é igualmente impossível compreender a história de nossa civilização, já que o catolicismo é uma das maiores

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forças formadoras da história e deixou sua marca em muitas das ins­ tituições características da civilização ocidental.

Tal predominância cultural é devida, acima de tudo, ao fato de a Igreja Católica ter sido a responsável pela conversão da Europa Setentrional ao cristianismo e foi dessa igreja que os povos do Norte receberam os fundamentos da nova civilização que continuariam a desenvolver, durante séculos, sob influência católica. Por outro lado, contudo, devemos reconhecer que ao longo dos últimos quatro sécu­ los, desde a Reforma, tem sido cada vez mais difícil perceber os valo­ res comuns dessa herança cultural. O fato do catolicismo estar pro­ fundamente imiscuído na história e na cultura europeia do passado se tornou fonte de antagonismo, e não de unidade, já que os protestan­ tes, em especial, os calvinistas e puritanos da Inglaterra e dos Estados Unidos, vieram a considerar todo o passado cristão de um milênio como uma idade das trevas de superstição religiosa e idolatria, de barbarismo cultural, de onde emergiram as igrejas reformadas.

Assim, cresceu um forte antagonismo cultural, bem como uma oposição religiosa entre as duas metades da dividida cristandade. Cada vez mais as diferenças se fundiram com as divisões nacionais e políticas, de modo que católicos e protestantes não falavam mais a mesma língua ou pertenciam ao mesmo universo social. Tal tendência de fusões das divisões religiosas e culturais não era um fenômeno novo na história cristã. Os grandes cismas da Igreja antiga tendiam, mais uma vez, a seguir os caminhos da raça, da língua e da naciona­ lidade. O cisma, por exemplo, entre catolicismo e monofisismo foi parte de uma cisão entre o Oriente e o Ocidente, entre o Império Romano do Oriente e os súditos sírios e egípcios. Do mesmo modo, o cisma entre o Ocidente católico e o Oriente ortodoxo na Idade Média foi o resultado de uma crescente alienação cultural e social entre os súditos do Império Bizantino e os novos povos do Ocidente.

Em mudanças religiosas como essas, o elemento de responsabili­ dade individual é pequeno, às vezes, infinitesimal. Ao admitir tudo o

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que os Padres da Igreja nos séculos III e IV e tudo o que os teólogos posteriores disseram a respeito do cisma e da heresia como os maiores dos males; ao admitir que em todo o verdadeiro cisma e heresia al­ guns homens devem ser responsabilizados individualmente, é fato que homens e mulheres comuns, dificilmente, têm alguma parcela dessa culpa. Imperadores, reis e bispos tomaram decisões e os súditos não sabiam nada além de que tal decisão tinha sido tomada. Eram corpo­ ralmente arrebatados, numa espécie de esmagadora maioria sociorre­ ligiosa que mudava as relações eclesiásticas com o restante do mundo cristão, sem que eles mudassem as próprias crenças ou tradições.

Isso também era verdade, num grau mais elevado do que esta­ mos dispostos a admitir, para as mudanças que se seguiram à Re­ forma. O novo mapa eclesiástico da Europa era obra não dos re­ formadores, mas de políticos e soldados, e o resultado do conflito traçou uma divisão cultural bem nítida entre o Norte protestante e o Sul católico. E foi diante desse cenário de divisão cultural europeia que foram forjados os padrões religiosos predominantes do Novo Mundo. A protestante América do Norte e a católica América do Sul eram dois mundos diferentes que tinham muito pouco em comum. A possibilidade, portanto, de um debate religioso proveitoso entre um professor de Harvard e um professor da Universidade de San Marcos no Peru, no século XVII, era inconcebível, apesar dos siste­ mas educacionais partilharem inúmeras características comuns.

Apenas no século XIX tal estado de separação e de falta de comu­ nicação chegou ao fim, sobretudo nos Estados Unidos, que numa épo­ ca de grande imigração se tornou um "crisol de raças" e um ponto de encontro de diversas religiões. Em nenhum outro lugar os resultados foram mais notáveis do que na Nova Inglaterra, pois foi nessa região que a tradição protestante norte-americana mais se desenvolveu, do­ minando a cultura e as instituições de modo mais intenso. Não obs­ tante, foi também o local mais exposto à onda de imigração que levou para Boston e para outras cidades marítimas uma nova população

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quase toda católica. Como um dos historiadores desse movimento escreve, "por volta de 1 850, a nova Inglaterra era o lar de dois povos, cada qual possuía um modo de vida próprio, bem como padrões de conduta particulares e uma forte hostilidade entre si" . 1

Ao longo do século seguinte esse dualismo cultural foi aos pou­ cos superado. Os dois povos se tornaram um ao partilhar uma cul­ tura norte-americana. O processo de assimilação, todavia, recusara cruzar o portal da igreja. A justaposição social dos dois segmentos da população não gerou nenhum contato religioso ou espiritual mais próximo. O abismo permanecia muito grande - maior, talvez, que no Velho Mundo.

Tal situação era bastante natural no século XIX, quando a dife­ rença religiosa correspondia à divisão de classes; a tradição protes­ tante ainda mantinha o domínio político e social, ao passo que os imi­ grantes e seus filhos eram vistos como intrusos, ainda não totalmente incorporados ao modo de vida norte-americano. Hoje, no entanto, esse não é mais o caso. A grande imigração do século XIX se tornou parte da história norte-americana, assim como a vinda dos primei­ ros colonos, e os católicos norte-americanos são parte integrante da nação norte-americana. Tal situação, que surgiu do encontro de di­ ferentes religiões no âmbito de uma cultura comum, é um fenômeno distintivo dos Estados Unidos. Durante o mesmo período, no entan­ to, houve outro tipo de confluência - o encontro entre catolicismo e protestantismo ocorrido durante o século XIX, na Inglaterra. Essa foi uma situação que conheci de perto, intimamente, e que teve influência direta na minha vida religiosa. Refiro-me, é claro, ao Movimento de Oxford, que uniu católicos e protestantes, de modo particularmente íntimo, por 120 anos - uma espécie de guerra civil que dividiu ami­ gos, famílias e escolas de pensamento por gerações, mas que, não

1 Marcus Lee Hansen, The Immigrant in American History. Massachusetts, Peter Smith, 1 942, p. 1 1 0.

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obstante, sempre esteve acompanhada de uma considerável medida de compreensão pessoal e compaixão.

Esse movimento era, no início, nitidamente anglicano. Surgiu no âmago das autoridades constituídas - daquelas corporações clericais intimamente vigiadas que eram as faculdades de Oxford na época que antecedeu a reforma universitária -, e se fortaleceu pela tentativa dos teólogos de Oxford do início do século XIX de estudar e entender a natureza do catolicismo. Assim, enquanto na Nova Inglaterra o en­ contro de duas tradições religiosas se deveu a uma invasão externa de imigrantes católicos numa população protestante, na Inglaterra foi o resultado de uma mudança interna - uma revolução intelectual dentro da própria tradição protestante. Foi, é claro, um movimento de proporções muito pequenas, que começou na sala comunal de uma faculdade de Oxford e, aos poucos, espalhou-se, chegando a afetar a Universidade e, limitadamente, o clero e os leigos cultos da Igreja da Inglaterra. Apesar disso, teve efeitos de longo alcance na religião inglesa, em ambos os lados da fronteira religiosa. Por um lado, trans­ formou o espírito da Igreja da Inglaterra, ao introduzir novos ideais litúrgicos e novos padrões teológicos, em especial nos estudos patrís­ ticos; por outro, influenciou o catolicismo inglês ao produzir uma sucessão contínua de convertidos - cardeal John Henry Newman ( 1 80 1 -900) e Frederick William Faber ( 1 8 14-1 863), William George Ward ( 1 8 12- 1 8 82), cardeal Henry Edward Manning ( 1 808-1 892) e Robert Wilberforce ( 1 802-1 857), Lorde George Frederick Samuel Robinson ( 1 827-1 909), o primeiro marquês de Ripon, Lorde John Crichton-Stuart ( 1 847-1 900), terceiro marquês de Bute, Coventry Patmore ( 1 823-1 896) e Gerard Manley Hopkins S. J. ( 1 844- 1 8 89), uma torrente que continua a jorrar até os dias atuais, produzindo em nossa época homens como o monsenhor Ronald Knox ( 1 8 8 8- 1 957). A grande e singular importância desse movimento talvez não deva ser encontrada, em minha opinião, nos feitos intelectuais, embo­ ra, no caso de Newman, tenha produzido um pensador religioso de

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extraordinário mérito. Ela está, mais propriamente, no íntimo conta­ to social que produziu, pela primeira vez, entre católicos e protestan­ tes desde a Reforma. Isso funcionou de dois modos diferentes.

Primeiramente, pela divisão dentro de uma mesma família. Assim, Newman tinha um irmão unitarista, Francis William Newman ( 1 805- 1 8 97), e um cunhado anglicano, Thomas Mozley ( 1 806-1 893 ) . Os Wilberforces estavam divididos entre o influente bispo anglicano Samuel Wilberforce ( 1 805- 1 873) e dois irmãos ca­ tólicos: o já citado Robert Wilberforce, amigo de Manning, e Henry Wilberforce ( 1 807- 1 8 73 ) , amigo de Newman. A mais surpreenden­ te de todas foi a divisão na família Stanley, em que o irmão mais velho, Henry Stanley ( 1 82 7- 1 903 ), se tornou maometano, o irmão

mais novo, Algernon Stanley ( 1 843- 1 92 8 ) , se tornou bispo católico e a irmã, Katharine Russell ( 1 844- 1 8 74), mãe do filósofo Bertrand Russell ( 1 872- 1 970 ) .

O segundo modo e , quiçá, o mais importante, foi a divisão en­ tre amigos. Manning fora amigo íntimo de William Ewart Gladstone ( 1 809-1 898). Newman manteve a amizade pessoal com o pastor an­ glicano John Keble ( 1 792-1 866), com Edward Bouverie Pusey ( 1 800- 1 8 82) e com Richard William Church ( 1 8 1 5-1 890), o deão da cate­ dral de St. Paul. W. G. Ward era amigo de Alfred Tennyson ( 1 809- 1 8 92), de Arthur Stanley ( 1 8 1 5-1 8 8 1 ), o deão de Westminster, e de muitos outros vitorianos célebres.

Assim, embora ao longo do século XIX tenha continuado a exis­ tir na Inglaterra um abismo social entre católicos e protestantes, este já tinha deixado de existir nas altas esferas sociais e intelectuais, de modo que a ponte que fora construída sobre tal abismo nunca foi destruída. Creio - e falo do assunto como parte interessada - que esse movimento marca o momento de virada da história religiosa ociden­ tal nos últimos 130 anos, e é ainda mais significativo porque foi a obra de uma minoria muito ínfima, cuja influência agiu como fermen­ to na massa que a cercava.

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A situação nos Estados Unidos é, por essência, diferente. Resta a questão do impacto recíproco das duas grandes parcelas da popula­ ção de diferentes tradições religiosas. Não é uma questão de contato intelectual e religioso, pois esses dois grupos ignoram a existência um do outro na esfera religiosa. O resultado, no entanto, tem sido igual ou análogo, pois em ambos os casos ocorre o encontro de religiões há muito separadas dentro de uma mesma cultura: num dos casos pelo processo de descoberta religiosa ou redescoberta, e, no outro, por pura força das circunstâncias que levaram duas populações diferentes a se unir para formar uma nova unidade social. Em ambos os casos, as tradições dominantes da cultura eram protestantes, com muitas coisas em comum, já que partilhavam a mesma tradição linguística e, até certo ponto, a mesma literatura religiosa, em especial, a mesma versão da Bíblia em inglês. No lado católico, contudo, havia dife­ renças consideráveis entre a Inglaterra e os Estados Unidos. Neste, e particularmente na Nova Inglaterra, a influência predominante sem­ pre foi irlandesa, e o caso de um convertido como Orestes Brownson ( 1 803-1 876 ) era bastante excepcional. Na Inglaterra, por outro lado, o renascimento católico sempre foi predominantemente inglês e a influência dos imigrantes irlandeses foi secundária, embora estivesse longe de não ter importância.

Assim, pode parecer que as expressões norte-americana e inglesa nesse particular são complementares e que podemos aprender, consi­ deravelmente, de uma com a outra. Em comparação com os Estados Unidos, a gradual evolução inglesa foi uma questão bem menor, mas representa justamente o elemento faltante - o diálogo contínuo por mais de um século entre católicos e protestantes em um patamar cul­ tural relativamente alto. Do ponto de vista sociológico, no entanto, o desenvolvimento dos Estados Unidos é o mais importante, graças à magnitude das forças envolvidas e ao fato de a cultura em que ope­ ram ainda ser móvel e amoldável. Desse modo, a coexistência de duas tradições religiosas diferentes dentro de uma sociedade comum se

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tornou um dos traços distintivos da moderna cultura norte-america­ na e deve ser aceito como ponto de partida de nossa pesquisa.

Devemos admitir que, do ponto de vista religioso, tal tipo de so­ ciedade pluralista encerra sérias desvantagens. Ela tende a tornar a religião um assunto de importância secundária. Isso significa que o primeiro dever do homem não é religioso, mas político. Não pergun­ tamos se um homem é um bom cristão ou um bom católico, mas se é um bom cidadão ou um bom norte-americano. Caso o seja, sua reli­ gião é assunto que diz respeito somente a ele mesmo - e há o perigo ainda maior de que seja tratada como um passatempo privado, de modo que, o pertencer a uma igreja poderá não significar nada mais que a filiação a um clube de golfe.

Por outro lado, uma sociedade pluralista desse tipo traz, retri­ butivamente, certas vantagens para a religião. Confere um grande valor à responsabilidade espiritual e ao cristão individual. Ele não pode mais dar-se ao luxo de tomar por certa a religião. Caso tenha de permanecer firme nas areias movediças da opinião democrática, deve saber o que defende e o que pretende, e já que está em contato com várias formas de cristianismo, deve saber o que elas também defendem - em que concordam, em que diferem e até onde é possível ou necessário cooperar na defesa do interesse comum e dos valores espirituais comuns.

Tudo isso provoca um considerável esforço intelectual e moral, um esforço que nos é difícil, nos dias de hoje, quando há toda uma tendência da educação popular e da opinião pública modernas em concentrar a atenção nos problemas da atual democracia secular e da cultura tecnológica que se impõem à nossa atenção por intermé­ dio das milhares de línguas despudoradas da publicidade organizada. Não há dúvidas que aqui em Harvard estamos em uma posição extre­ mamente favorável. Esta faculdade é um oásis de cultura teológica em um mundo secularizado, e possui uma tradição de estudo teológico que remonta ao início da história norte-americana. Não obstante, no

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passado, tal tradição de estudo, por mais que tenha sido concebida com tolerância, não incluiu o estudo do catolicismo. No passado, era fácil estudar teologia cristã e história do cristianismo com nada mais do que uma breve pincelada na história do catolicismo, que continua­ va a ser um mundo estranho.

Isso não se deu somente aqui, nos Estados Unidos, mas na Eu­ ropa também, de tal modo que um dos mais cultos dos estudiosos protestantes de minha juventude, Adolf von Harnack ( 1 85 1 - 1 930), destaca esse como um dos defeitos mais notáveis do sistema de edu­ cação superior germânico. Ele escreveu:

Estou convencido, pela experiência constante, de que os alunos que dei­ xam nossas escolas têm as ideias mais desconexas e absurdas a respeito da história eclesiástica. Alguns deles sabem alguma coisa sobre gnos­ ticismo ou outro detalhe curioso, para eles, sem valor. Mas, da Igreja Católica, a maior criação religiosa e política conhecida na história, não sabem absolutamente nada, e perdem-se, sob esse aspecto, em noções completamente triviais, incertas e, muitas vezes, nitidamente sem senti­ do. Como originaram suas grandes instituições, o que significam na vida da Igreja, quão facilmente podem ser interpretadas de maneira errônea e por que funcionam de modo tão certo e impressivo: tudo, segundo minha experiência, lhes é, com poucas exceções, uma terra incógnita.2

A atual geração tem presenciado uma grande mudança nesse particular, como prova a fundação desta cátedra. Tal fundação teria sido inconcebível há cem ou cinquenta anos. Há apenas 130 anos, um cidadão da Nova Inglaterra escreveu que a instituição de uma Igreja Católica em Boston seria tão assombrosa quanto a criação de uma capela protestante no Vaticano! Mas o resultado de gerações

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