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Formas de atuação do Ministério Público

No documento Ministério público e políticas de saúde (páginas 66-69)

2.5 MINISTÉRIO PÚBLICO E DIREITO À SAÚDE

2.5.2 Formas de atuação do Ministério Público

Os membros do Ministério Público dispõem de diversos instrumentos para o exercício de suas atribuições, o que permite a atuação em juízo ou fora dele. Desde o texto da Constituição, passando pela Lei n.º 7.347/85, pela Lei n.º 8.625/93, pela Lei complementar n.º 75/93 e pelas leis estaduais, como a Lei complementar estadual n.º 34/94, de Minas Gerais, constata-se a disponibilidade de medidas que podem levar à solução negociada de demandas, assim como buscar a observância de normas e direitos por meio dos mecanismos que garantam sua imperatividade, valendo-se dos instrumentos de coerção estatal. Conforme a prevalência de uma ou outra estratégia de atuação, Marcelo Pedroso Goulart (1998) classificou dois modelos: Ministério Público demandista e Ministério Público resolutivo.30

Tradicionalmente, a atuação do Ministério Público usa o Estado como marco de referência, vale-se do Poder Judiciário como espaço exclusivo de atuação e o direito posto pelo Estado como única fonte normativa (GOULART, 1998). Como decorrência, tem-se o modelo de Ministério Público demandista, o qual adota, como horizonte, a atuação perante o Poder Judiciário, seus membros orientam-se como meros agentes processuais e transferem para o Poder Judiciário as questões que lhe são postas pela sociedade e dele se torna dependente (GOULART, 1998).

De outro lado, Marcelo Pedroso Goulart enxerga as possibilidades de uma nova forma de atuação, qual seja, o modelo de Ministério Público resolutivo. Para tanto, a instituição “deve atuar levando em conta o mundo globalizado” (GOULART, 1998, p. 111) e “aprender a lidar

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Também adotam essa classificação em estudos sobre o Ministério Público Gregório Assagra Almeida (2012) e João Gaspar Rodrigues (2012).

com a complexa realidade normativa, reconhecendo-a e articulando-a com o direito positivo, no sentido de afirmar, política e juridicamente, em novos espaços de negociação, os interesses

da cidadania e buscar sua efetividade” (GOULART, 1998, p. 111). No modelo resolutivo, o

Ministério Público busca a solução direta das questões afetas aos interesses sociais, esgotando as possibilidades políticas e administrativas, e atua de forma integrada e em rede. Assim, prestigiando a atuação desjurisdicionalizada, o Ministério Público busca a solução judicial apenas quando esgotadas as possibilidades (GOULART, 1998).

Examinando os instrumentos disponíveis para utilização pelo membro do Ministério Público, mostra-se possível classificar o modelo de atuação conforme prevalecer o uso da estratégia judicial ou extrajudicial, cujas medidas estão distribuídas no quadro abaixo.

Quadro 1 – Modelos de atuação do Ministério Público, segundo a utilização dos instrumentos de atuação disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro

Ministério Público demandista Ministério Público resolutivo

Ação penal pública Acordo referendado pelo Ministério Público

Ação civil pública Atendimento ao público

Ação de inconstitucionalidade Audiências públicas Ação para fins de intervenção do Estado nos

municípios

Recomendações

Manifestações em processos Medidas administrativas para a garantia de direitos fundamentais

Mandado de segurança Compromissos de ajuste de conduta Interposição de recursos

Elaboração própria

Analisando as possibilidades de atuação do Ministério Público e aproximando-se dessa classificação, Cátia Aida Silva (2001), em estudo sobre o Ministério Público do Estado de São Paulo, logrou êxito em identificar dois tipos ideais de promotores de justiça na defesa de direitos e interesses coletivos e sociais: promotores de fatos e promotores de gabinete. Segundo a autora:

As novas atribuições constitucionais do Ministério Público na defesa de interesses metaindividuais resultam, conforme o grupo estudado, em distintas formas de atuação, devido à abrangência da legislação recente e à independência funcional – que garante,

como vimos no cotidiano dos promotores, uma considerável autonomia dos membros do Ministério Público. O tipo promotor de fatos indica a tendência do alargamento das funções dos promotores para muito além da esfera jurídica, tornando-os verdadeiros articuladores políticos nas comunidades em que trabalham. O tipo promotor de gabinete indica a leitura das novas atribuições do promotor dentro das fronteiras da esfera jurídica, definindo-o como agente judiciário cuja prioridade é o trabalho “processual” – propor e acompanhar medidas judiciais – e cuja ação na defesa dos interesses metaindividuais se dá, sobretudo, pela via judicial. (SILVA, 2001, p. 140)

É possível perceber certa correspondência entre os modelos de atuação classificados por Marcelo Goulart e os tipos ideais de promotores de justiça identificados por Cátia Aida Silva. Nesse sentido, há uma correlação entre as atividades do promotor de gabinete e o modelo de Ministério Público demandista, assim como entre o promotor de fatos e o modelo de Ministério Público resolutivo.

À luz da teoria crítica dos direitos humanos, Rodrigo Cançado Anaya Rojas (2012) discute como o Ministério Público deve se conduzir para promover a efetividade dos direitos metaindividuais – dentre os quais se inclui o direito à saúde – e agir com legitimidade social. Para ele, os direitos humanos e os direitos fundamentais são produtos culturais, decorrentes de processos culturais, construídos a partir de práticas sociais que pressupõem espaços para a participação popular. Dessa forma, não compõem elencos fechados nem têm conteúdo homogêneo e definitivo. Sendo assim, para torná-los efetivos, o Ministério Público deve levar em conta não apenas as condições para eficácia jurídica estatal, mas também a normatividade não estatal e os contextos culturais.

Incumbe ao Ministério Público atuar como agente transformador da realidade social. Para isso, “firmará compromisso permanente, crescente e irreversível com a construção de processos culturais empoderadores e emancipadores de todo o corpo social, de maneira plural,

aberta e em completa participação” (ROJAS, 2012, p. 145).

Na prática, propõe-se que a judicialização não seja a única via a ser utilizada pelo membro do Ministério Público em relação às demandas que lhe forem apresentadas, mas apenas uma das muitas possibilidades. É necessário considerar outras estratégias que permitam efetivar os direitos coletivos a partir de uma prática participativa, estabelecendo-se entre as pessoas uma relação sujeito-sujeito, sendo certo que “o campo mais fértil de atuação com potencial transformador é o espaço extrajudicial, onde as soluções podem ser melhor construídas

demandas, uma vez que “as soluções não estão previamente colocadas e devem ser costuradas, em processos dialógicos e abertos” (ROJAS, 2012, p. 165).

A defesa de uma atuação do Ministério Público segundo um modelo resolutivo é fortemente enfatizada por João Gaspar Rodrigues (2012). Para o autor, o Ministério Público tem sua atuação fortalecida quando atende, com eficiência, aos interesses da sociedade. Para tanto, a instituição tem o desafio de, a um só tempo, agir com independência em relação aos demais poderes do Estado e desenvolver trabalho cooperativo com outras instituições do Estado e da sociedade civil.31 No trato das matérias que lhe são afetas, o Ministério Público deve ser proativo e resolutivo. Assim, cabe ao membro da instituição abandonar o modelo burocratizado e processual de atuação e prestigiar os mecanismos extrajudiciais de atuação (RODRIGUES, 2012).

Resta perceptível, portanto, que a utilização de um ou outro modelo de atuação pelo Ministério Público poderá gerar diferentes resultados para a efetivação do direito à saúde.

No documento Ministério público e políticas de saúde (páginas 66-69)