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Os discursos sobre essa temática mostraram-se em diferentes perspectivas e, segundo Ireland et al. (2007) três correntes podem ser destacadas. A primeira, acerca do dom, sustenta a ideia de que a capacidade intelectual de aprender seria da natureza anatomofisiológica da pessoa. Ideias advindas desde a antiguidade, com Platão, que “já falava de três tipos de almas: a alma racional do filósofo, a irascível do guerreiro e a concupiscível dos artesãos e agricultores” (IRELAND et al., 2007, p. 27), de forma que somente aqueles com o dom da alma racional do filósofo pudessem desenvolver-se intelectualmente. Bem mais tarde, no século XIX, a frenologia de Gall24 vem firmar a ideia de que as capacidades morais e intelectuais

das pessoas são inatas e têm localização específica no cérebro. As diferenças anatômicas levavam os defensores da ideia a inferir que isso facultaria às pessoas as diferenças intelectuais. Teoricamente, esse postulado já está ultrapassado por sua inconsistência, mas ainda persiste profundamente enraizado na ideologia educacional para explicar “fracassos inexplicáveis”. A ideia persiste como forma de autoproteção da carreira docente, possibilitando justificar o problema do fracasso, uma vez que não se pode culpabilizar o docente se, por natureza, o aluno não é bem dotado.

A segunda teoria, relativa à reprodução social, defende a ideia de que a escola contribui para a reprodução da desigualdade social, transmitindo uma cultura que não é neutra e que privilegia os conhecimentos valorizados pelas classes dominantes. Existem versões diferenciadas sobre esse postulado, como as de Bauldelot e Establet na França, Bowles e Gintis nos Estados Unidos25 e Willis, na

24 Franz Joseph Gall (1758-1828), médico e anatomista austríaco. Disponível em:

<www.cerebromente.org.br/n01/frenolog/frenologia_port.htm>. Acesso em: 18 jul. 2015.

25 Christian Baudelot, Roger Establet, Samuel Bowles e Herbert Gintis. Suas ideias são advindas das

proposições de Louis Althusser(1974) acerca dos aparelhos ideológicos do Estado. A sociedade constrói habilidades para aceitar o seu ligar na divisão social do trabalho e a escola tem a função de produzir a submissão ideológica (Ireland et al, 2007 apud Althusser, 1974).

Inglaterra26. No entanto, destaca-se a elaborada pelos franceses Pierre Félix

Bourdieu e Jean-Claude Passeron27.

A terceira, na perspectiva de conceitos como mobilização, atividade e relação com o conhecimento, propõe que o sucesso ou o fracasso escolar é construído a partir de um conjunto de relações, além da história pessoal, institucional, cultural e social do aluno. Esta corrente ultrapassa a teoria da reprodução sem, contudo, negar que as desigualdades sociais interferem no desempenho dos alunos ou que a escola legitima as desigualdades. No entanto, a história social do sujeito não é determinante para o seu sucesso ou fracasso na escola. São vários os estudiosos defensores dessas ideias, dentre eles o francês Bernard Charlot (IRELAND et al., 2007). De acordo com esse estudioso, o fundamental é o sentido que a escola faz para o aluno e, na sua opinião, o fracasso escolar não existe. Ele

não passa de um nome genérico, um modo cômodo de designar um conjunto de fenômenos que têm, ao que parece, algum parentesco. [...] O “fracasso escolar” não existe; o que existe são alunos fracassados, situações de fracasso, histórias escolares que terminam mal. Esses alunos, essas situações, essas histórias é que devem ser analisados, e não algum objeto misterioso, ou algum vírus resistente, chamado “fracasso escolar” (CHARLOT, 2000, p. 16).

Em suas análises, o autor critica as formas de compreensão do “fracasso escolar” como se fosse uma “praga” a ser exterminada e não como o resultado de um modelo de relação que a escola estabelece com os alunos nos processos de escolarização. Assim, é esse modelo que precisa ser reeditado. Se a escola não faz sentido, independente da classe social à qual o aluno está inserido, ele não aprenderá. A educação é um processo de humanização, socialização e subjetivação. O aluno é um ser singular e ao mesmo tempo social e a sua relação com o saber está na encruzilhada do individual, da desigualdade social e do próprio saber (CHARLOT, 2000). Nesse viés, conforme Barboza (2006), a sociologia da educação tem enfatizado, sem negar a origem do sujeito e suas condições

26 Paul Willis

– Baseia-se na ideia de que os alunos de classes populares não são somente vítimas da sociedade excludente, ao contrário, contribuem, involuntariamente, para o processo de reprodução na medida em que resistem à escola desvalorizando suas regras, desprezam os “estudiosos” (CDFs) etc (Ireland et al, 2007 apud WILLIS,1977; trad. em 1991).

27 Principal livro foi La Reproduction. Há destaque para a sua teoria por trazerem conceitos

específicos que explicam as formas de reprodução e legitimação das desigualdades sociais pela escola como o da autonomia relativa, habitus, capital cultura e arbitrário cultural (Ireland et al, 2007).

socioeconômicas, que as ações internas da escola têm relevante influência no desempenho dos alunos.

Assim, essas ideias podem nos conduzir a um caminho de investigação cotidiana dentro da escola para melhores práticas. Combater o fracasso escolar requer combater as desigualdades fora e dentro da escola. Mas, é mais do que isso: requer compreender que o aluno, para aprender, precisa desenvolver uma atividade intelectual que, por sua vez, é desenvolvida naquele que está mobilizado por um desejo. Essa mobilização somente acontece de acordo com o sentido que a escola e o novo conhecimento fazem para o aluno.

Nesse caminho de buscas para a melhoria da qualidade da educação, nos deparamos anualmente com os milhares de alunos em distorção de idade-série nas escolas públicas brasileiras, um problema que tem atravessado o tempo e fronteiras. As políticas de aceleração de aprendizagem têm sido uma alternativa e o Projeto Entrelaçando da RME-BH se faz como uma delas. Entretanto, no bojo das discussões sobre essas políticas, há discordâncias de opinião e defesas diferentes são apresentadas. Nesta próxima seção, apresento alguns pontos de vista acerca dos projetos para a correção de fluxo, evidenciando a polêmica existente sobre a validade do projeto, o que pode ser um dos elementos de reflexão sobre a baixa adesão das escolas municipais de BH ao mesmo.

2.2 Aceleração de estudos para correção de fluxo escolar: pontos

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