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Capítulo I Partidos e Sistemas Partidários na Europa do pós guerra

2. França e Reino Unido

Em França e no Reino Unido a democracia liberal mostrou estar consolidada e preparada para suportar a difícil experiência da I Guerra Mundial e da grande depressão dos anos trinta, tendo as suas economias liberais e o seus sistemas políticos permanecido com profundos elementos de continuidade. Nestes dois países não se avançou para a representação proporcional ampla, tendo esta situação favorecido a formação de coligações partidárias de centro-direita e de centro-esquerda, de tendência centrípeta, que conseguiram consolidar à sua volta as classes médias, deixando as forças radicais de esquerda e de direita isoladas e relativamente ineficazes. A capacidade do Estado em assegurar a manutenção da “ordem pública e cívica” e a ausência de clivagens significativas entre a burguesia e o operariado permitiu criar uma plataforma de entendimento da maioria da população que aderiu ao liberalismo e ao parlamentarismo numa crescente democratização do sistema político. A aliança entre os partidos liberais e o operariado travou e subordinou as reivindicações dos movimentos sindicais e socialistas, já divididos e debilitados, à consecução de um compromisso, onde o operariado acabaria por também sair beneficiado pelos avanços conseguidos na política social. O movimento operário e os partidos socialistas não representaram um desafio à ordem liberal, mesmo quando chegaram efemeramente ao poder no Reino Unido em 1924 e 1929 e em França em 193652.

Durante a I Guerra Mundial o governo francês da “União Sagrada” desgastou os partidos liberais moderados e em particular o Partido Radical53, tendo ganho protagonismo a direita com o crescimento do nacionalismo de via tradicionalista e fascista e a esquerda com a ascensão de um Partido Socialista pacifista. A nova lei eleitoral, aprovada em Julho de 1919, incentivava alianças entre vários partidos, dado que foi aprovada a representação proporcional, mas com um prémio para a lista maioritária54. A direita mostrou maior capacidade de entendimento, tendo apresentado o

Bloco Nacional Republicano; pelo contrário, a esquerda apareceu dividida nas eleições

de 1919, o que lhe valeu uma pesada derrota. O Bloco Nacional Republicano obteve 433 deputados, o Partido Republicano Radical 86 deputados, o Partido Republicano Socialista 26 deputados e o Partido Socialista 68 deputados. Após a vitória da direita o Partido Radical francês não foi completamente marginalizado, tendo sido chamado a ocupar algumas pastas ministeriais e iniciou uma reorganização e adaptação à política

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Cf., Giovanni Sartori, Partidos y sistemas de partidos, 2.ª edição, Madrid, Alianza Editorial, 1997; Gregory M. Luebbert, Liberalismo, Fascismo o Socialdemocracia... op. cit.; Nancy Berneo, “Getting Mad or Going Mad? Cidadãos, escassez e o colapço da Democracia na Europa de Entre as Guerras”, Penélope, n.º 19-20, Lisboa, Edições Cosmos, 1998, pp. 11-42.

53 Este partido republicano serviu de inspiração e modelo a alguns partidos portugueses e em particular ao

Partido Republicano Português. O Partido Radical francês caracterizou-se pela cruzada a favor da laicização do Estado e por um certo anticlericalismo militante enquadrado na filosofia positivista. Tinha uma organização moderna fundada no recrutamento de aderentes, com uma densa rede de comissões políticas e sociedades de pensamento organizadas numa estrutura piramidal e unidas por um programa de modernização da sociedade francesa. No entanto, situava-se numa posição intermédia entre os tradicionais partidos de quadros e os novos partidos de integração social de massas. A tensão oligárquica, própria de todas as formações políticas, permaneceu activa enfrentando a tendência democrática do partido. Cf., Daniel Bardonnet, Évolution de la Structure du Parti Radical, Paris, Éditions Montchrestien, 1960; Serge Bernstein, Histoire du Parti Radical. La Recherche de L’Age D’Or (1919-1926), Paris, Presses de la Fondation National des Sciences Politiques, 1980; Gérard Baal, Histoire du Radicalisme, Paris, Éditions La Découverte, 1994.

de massas55 e à situação de crise económica, tendo conseguido estagnar a perda de apoio eleitoral, ao contrário do que ocorreu com os partidos liberais alemães (Partido Democrático Alemão, DDP; Partido Popular Alemão, DVP) que entraram em clara decadência no final dos anos vinte56. Em França procurou criar-se uma plataforma disciplinadora e duradoura no governo, evitando temas divisórios e conflituais, como por exemplo o tema religioso57, face a outros temas mais prementes como as greves, os conflitos e os motins. A oposição de esquerda acabou por se integrar no sistema, tendo a alternância para o Cartel das Esquerdas (aliança entre o Partido Radical e o Partido Socialista Francês), que venceu as eleições de Maio de 1924, não significado uma alteração substancial do sistema político. Os radicais de esquerda, personificados pelo Partido Comunista Francês, fundado em 1920 e os radicais de direita representados pela

Action Française, permaneceram longe do poder, tendo a República parlamentária dado

provas de conseguir resolver os problemas surgidos no pós-guerra através de uma política de compromisso58 e de introdução do Estado Providência, ainda que a instabilidade governativa tivesse permanecido. As eleições seguintes continuaram a ser marcadas por uma alternância entre coligações de direita e esquerda, tendo os primeiros vencido em 1928 e os segundos em 1932 e 1936, tendo nesta última eleição a Frente Popular já contado com a participação do Partido Comunista59.

Em França a elite dos partidos conservadores e dos partidos liberais de direita continuou a ser dominada pelos parlamentares que tinham maioritariamente uma formação universitária (60% a 80%), em particular em Direito, o que contrastava com a elite do Partido Socialista e principalmente do Partido Comunista que possuíam uma formação universitária mais reduzida. A elite política francesa iniciava-se, por norma, na esfera local, passando posteriormente para esfera nacional. Desta forma a maioria dos políticos franceses chegavam ao Parlamento com uma idade mais avançada (45-47 anos) do que em Portugal, onde os Parlamentares chegavam muitas vezes ao Congresso Republicano (37-43 anos) sem experiências políticas anteriores. A principal profissão da elite política francesa continuou a ser a advocacia. Os homens de negócios ligados à indústria, ao comércio, e principalmente à agricultura continuaram com um peso importante nas estruturas dirigentes dos partidos franceses60.

55 Houve, por exemplo, um progressivo envolvimento dos grupos de jovens no partido, associando a

“República dos notáveis” à “República dos jovens”, cf., Gilles Le Béguec, “Gruppi giovanni e partiti politici durante la III Repubblica”, Ricerche di Storia Politica, Bologna, Il Mulino, N.º 6, 1991, pp. 81- 97.

56 Cf., Marcus Kreuzer, “Efeitos institucionais no desenvolvimento dos partidos. O desempenho eleitoral

dos liberais na França e na Alemanha de entre-guerras”, Penélope, n.º 19-20, Lisboa, Edições Cosmos, 1998, pp. 71-98.

57 O governo do “Bloco Nacional” restabeleceu as relações diplomáticas com o Vaticano e praticou uma

política de abertura e deferência às congregações religiosas.

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Veja-se, por exemplo, o governo de União Nacional de 1926-1928.

59 Serge Bernstein, Histoire du Parti Radical... op. cit.; Serge Bernstein, “La crisi del sistema politico

francese al’indomani della prima Guerra Mondiale” in Fabio Grassi Orsini; Gaetano Quagliariello (a cura di), Il partito político dalla Grande Guerra al Fascismo... op. cit., pp. 105-127; Frédéric Bon, Les

élections en France. Histoire et Sociologie, Paris, Éditions du Seuil, 1978, pp. 58-63; Alistair Cole; Peter

Campbell, French electoral systems and elections since 1789, Andershot, Gover, 1989, pp. 63-69; Pierre Lévêque, Histoire des Forces Politiques en France, 1880-1940, Tome 2, Paris, Armand Colin, 1994; Michel Dobry, “France: An Ambiguous Survival” in Dirk Berg-Schlosser; Jeremy Mitchell, (Edited by),

Conditions of Democracy in Europe, 1919-39. Systematic Case Studis, London, Macmillan Press, 2000,

pp. 157-183; Paolo Pombeni, Partiti e Sistemi Politici nella Storia Contemporanea (1830-1968), Bologna, Il Mulino, 1994, 311-336; João Manuel Garcia Salazar Gonçalves da Silva, O Partido

Reconstituinte... op. cit., pp. 22-23.

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Heinrich Best; Daniel Gaxie, “Detours to Modernity: Long-term Trends of Parliamentary Recruitment in Republican France 1848-1999” in Heinrich Best; Maurizio Cotta (Edited by), Parliamentary

O Reino Unido saiu debilitado da I Guerra Mundial, mas continuou a ter um poder económico e um império de dimensão mundial. O sistema eleitoral manteve-se inalterado, permanecendo a representação maioritária e a nível político conservou-se o consenso que existia antes do conflito. Contudo, houve uma alteração no tradicional sistema bipartidário britânico, dado que transitoriamente coexistiram três partidos com forte representação parlamentar – tripartidarismo provisório. Os anos vinte marcaram a consolidação do Partido Conservador como principal partido do sistema político, o declínio de um Partido Liberal dividido e a ascensão do Partido Trabalhista (Labour

Party) que tinha fortes ligações ao movimento operário em ascensão. Mas este partido

integrou-se perfeitamente na sociedade britânica e aceitou as regras do sistema democrático-liberal, não representando uma ameaça para o regime. Os movimentos de massas extra-parlamentares foram diminutos e a violência política era considerada ilegítima, numa sociedade tradicional caracterizada pela tolerância. O sistema político deu respostas satisfatórias e de compromisso para resolver os problemas criados pela guerra e pela crise do final dos anos vinte61.

As eleições de Dezembro de 1918 marcaram um avanço significativo na plena democratização do sistema político, tendo as mulheres maiores de trinta anos alcançado o direito ao voto62. O Partido Conservador conseguiu uma vitória expressiva com maioria no Parlamento, mas a facção do Partido Liberal, liderada por Lloyd George foi a segunda força política em número de deputados, sendo chamada a fazer parte de um executivo de coligação. O Partido Trabalhista conseguiu ser a segunda força política mais votada, embora isso não significasse ainda um número de mandatos parlamentares correspondentes, dado que o sistema de círculos uninominais e os acordos entre o Partido Conservador e o Partido Liberal em alguns locais favoreceram este último. O novo governo avançou com algumas medidas de carácter social que acalmaram temporariamente o movimento operário63.

As eleições de 1922 e 1923 acentuaram a decadência do Partido Liberal e a ascensão do Partido Trabalhista, que se converteu no partido mais forte da oposição. O Partido Conservador solidificou o seu domínio do sistema político formando um governo monopartidário em 1922. Contudo, nas eleições de Dezembro 1923 os conservadores apenas conseguiram a maioria relativa no Parlamento, tendo o Partido Trabalhista e o Liberal chegado a acordo para formarem um governo de coligação em 1924. Este foi o primeiro governo do Partido Trabalhista, presidido por James MacDonald. A alternância política não provocou uma alteração significativa nas

Representatives in Europe 1848-2000. Legislative Recruitment and Careers in Eleven European Countries, Oxford, Oxford University Press, 2000, pp. 88-137; Pedro Tavares de Almeida; Paulo Jorge

Fernandes; Marta Carvalho dos Santos, “Os Deputados da 1.ª República Portuguesa: Inquérito Prosopográfico”, Revista de História das Ideias, Instituto de História e Teoria das Ideais, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Volume, 27, 2006, pp. 399-417.

61 Cf., Stephen Constantine; Maurice W. Kirby; Mary B. Rose, (Ed.), The First World War in British

History, London, Edward Arnold, 1995; Jeremy Mitchell, “United Kingdom: Stability and Compromise”

in Dirk Berg-Schlosser; Jeremy Mitchell, (Edited by), Conditions of Democracy in Europe, 1919-39.

Systematic Case Studis, London, Macmillan Press, 2000, pp. 449-463; G. R. Searle, The Liberal Party: Triumph and Disintegration, 1886-1929, London, Macmillan Press, 1992; Duncan Tanner; Pat Thane;

Nick Tiratsoo, (Edited by), Labour’s 1st Century, Cambridge, Cambridge University Press, 2000; Stefan Berger, The British Labour Party and the German Social Democrats, 1900-1931. A Comparative Study, Oxford, Oxford University Press, 1994.

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No entanto, só em 1928 as mulheres passaram a votar numa base de igualdade face aos homens, podendo votar todos os maiores de 21 anos.

63 Cf., Jeremy Mitchell, “United Kingdom: Stability and Compromise” in Dirk Berg-Schlosser; Jeremy

Mitchell, (Edited by), (Edited by), Conditions of Democracy in Europe... op. cit., pp. 449-463; Paolo Pombeni, Partiti e Sistemi... op. cit., pp. 246-254.

grandes linhas orientadoras da política interna, embora o receio de conexões do movimento comunista inglês com o Komintern tivesse levado à dissolução do Parlamento em Outubro de 1924. As novas eleições realizadas nesse mês voltaram a dar maioria absoluta ao Partido Conservador, que governaria o país até 1929. Nesse ano o Partido Trabalhista teve a sua primeira vitória eleitoral, ao eleger 287 deputados contra 260 do Partido Conservador e 59 do Partido Liberal. Os trabalhistas contaram com o apoio do Partido Liberal, governando entre 1929 e 1931 com uma política socialista muito moderada, próxima das posições do liberalismo de esquerda e não questionando as linhas centrais do sistema democrático-liberal. O acentuar da grande depressão levou à demissão do executivo e à formação de um “Governo Nacional” de coligação, chefiado novamente pelo trabalhista MacDonald, apoiado pelo Partido Conservador e pelo Partido Liberal em Agosto de 1931. A oposição ao governo concentrou-se em torno da maioria do Partido Trabalhista que não se revia na estratégia do seu anterior líder, originando a divisão do partido. As eleições de Outubro de 1931 reforçaram a política do “Governo Nacional” com os conservadores a conseguirem uma maioria confortável, apoiados pelas facções do Partido Liberal e Trabalhista que apoiavam a estratégia do executivo. MacDonald manteve-se como primeiro-ministro até Junho de 1935, num “Governo Nacional” dominado pela maioria conseguida pelo Partido Conservador no Parlamento e reforçada pelo apoio do Partido Liberal e pela facção “Nacional” do Partido Trabalhista. Num momento de crise económica e social o governo era apoiado pela mais ampla coligação de sempre, o que favoreceu a estabilidade e uma política de compromisso no sentido de superar a depressão64.

No Reino Unido do pós-guerra a maioria dos dirigentes do Partido Conservador e do Partido Liberal tinham uma formação universitária (50% a 70%), com uma ligeira vantagem para o primeiro destes dois partidos. Os líderes do Partido Conservador destacavam-se ainda por terem frequentado os colégios e as universidades britânicas mais prestigiadas e por terem nas suas fileiras muitos membros da aristocracia. Pelo contrário, os dirigentes do Partido Trabalhista tinha frequentemente, nesse período, uma formação básica, sendo muito poucos os que tinham frequentado as universidades. Ter alguma experiência na política local passou a ser mais relevante para a ascensão na hierarquia dos partidos, em particular no Partido Trabalhista. As profissões ligadas à agricultura perderam relevância na estrutura social da elite dos partidos políticos, embora os homens de negócios ligados ao comércio, à indústria e à banca, tivessem mantido uma posição importante. Já os advogados, embora tivessem uma presença proeminente nas estruturas partidárias (10 a 30%), estavam longe da relevância que tinham nos países da Europa do Sul. O operariado ganhou uma importância crescente na vida política inglesa fruto do crescimento do Partido Trabalhista, onde era o grupo profissional mais relevante65.

64 Michael Freeden, “Partiti Ed Ideologie Nella Gran Bretagna Posbellica” in Fabio Grassi Orsini;

Gaetano Quagliariello (a cura di), Il partito político dalla Grande Guerra al Fascismo. Crisi della

rapresentanza e riforma dello Stato nell’età dei sistemi politici di massa (1918-1925), Bologna, Il

Mulino, 1996, pp. 147-156; Jeremy Mitchell, “United Kingdom: Stability and Compromise” in Dirk Berg-Schlosser; Jeremy Mitchell, (Edited by), Conditions of Democracy in Europe... op. cit., pp. 449- 463.

65 Michel Rush; Valerie Cromwell, “Continuity and Change: Legislative Recruitment in the United

Kingdom” in in BEST, Heinrich; COTTA, Maurizio, Parliamentary Representatives in Europe 1848-

2000. Legislative Recruitment and Careers in Eleven European Countries, Oxford, Oxford University

Press, 2000, pp. 463-492; Pedro Tavares de Almeida; Paulo Jorge Fernandes; Marta Carvalho dos Santos, “Os Deputados da 1.ª República Portuguesa: Inquérito Prosopográfico”, Revista de História das Ideias, Instituto de História e Teoria das Ideais, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Volume, 27, 2006, pp. 399-417.

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