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A velocidade de produção de novos conhecimentos e tecnologias com as quais a sociedade passou a operar, impõe a crença na necessidade de investimento contínuo em formação. Uma vez que os conhecimentos hoje adquiridos são rapidamente superados, e as mercadorias tornam-se obsoletas, apregoa-se que é preciso estar sempre “atualizado”. Adquirir novas qualificações é requisito até mesmo para lidar com essa velocidade e quantidade de informações circulantes.

Contudo, é preciso analisar por onde passam os programas de formação engendrados. As aceleradas mudanças no contexto sócio-político influenciam a docência e muitos professores buscam, na formação continuada, saídas para viver em meio a essas transformações. Sabe-se que o investimento na formação em serviço tem aumentado a cada dia, mas a análise sobre de que forma essa formação tem tocado a realidade da escola, pouco tem sido feita.

As secretarias de educação, apesar de virem formulando práticas formativas que não priorizam somente os cursos de nível superior (em graduação ou em pós), parecem vir elaborando programas e cursos que se propõem abranger necessidades gerais, comuns a todos docentes, em todos contextos. Esses cursos acabam por não considerarem os professores como profissionais que possuem e produzem saberes, concebendo a docência como processo de transmissão/ensino de saberes elaborados por outros. (HERNECK & MIZUMKAMI, 2002).

Pena (1999), ao analisar as percepções de professores sobre os processos formativos vivenciados, alerta para a necessidade de se repensar a forma de organização das atividades de formação e a postura dos formadores, “[...] bem como a própria concepção de construção de conhecimento que perpassa tais atividades” (p. 113).

A forma de trabalho nos cursos, relatada pelas professoras, na maioria das vezes organizados dentro do padrão escolar, não reconhece seus saberes e não os toma como ponto de partida para o trabalho de formação. Desse modo, este tipo de trabalho pode acabar reforçando a maneira tradicional de ensino, que é justamente o que se quer alterar no trabalho das professoras, já que os cursos visam promover mudanças nas práticas docentes e nas posturas de se trabalhar com os alunos (PENA, 1999, p. 113).

Pena (1999) ainda alerta, em seu estudo, para a existência, mesmo que velada, de um certo confronto entre o saber docente e o conhecimento acadêmico, afirmando a dificuldade evidente de se promover de fato, nos cursos de formação, a valorização dos saberes construídos pelos professores. Pena (1999) utiliza Nóvoa (1992) para embasar seus argumentos:

É forçoso reconhecer que a profissionalização na área das Ciências da Educação tem contribuído para desvalorizar os saberes da experiência e as práticas dos professores. A pedagogia científica tende a legitimar a razão instrumental: os esforços de racionalização do ensino não se concretizam a partir de uma valorização dos saberes de que os professores são portadores, mas sim através de um esforço para impor novos saberes ditos ‘científicos’ (PENA, 1999, p.27).

Das críticas a estes tipos de formação, que se caracterizam como propostas externas e pontuais, novas alternativas de trabalho têm sido desenhadas. Silva e Frade (1997), citadas por Pena (1999), mostram que, na medida em que se ampliaram as discussões sobre a democratização e a autonomia das instituições escolares e dos professores, uma nova forma de se trabalhar a formação continuada nas escolas pôde ser vislumbrada. Uma formação que tem como base a organização coletiva dos profissionais da educação, viabilizando a discussão sobre problemas cotidianos, a troca de experiências e a busca por alternativas de solução.

A escola como locus da formação continuada e a valorização do saber docente têm sido apontados como os pilares dessa nova concepção. Trata-se da perspectiva de formação de professores reflexivos, bastante destacada na literatura contemporânea. Uma das principais referências dessa abordagem são os trabalhos de Schön (1992), que defende como proposta de formação do professor reflexivo a necessidade de formar professores/as capazes de refletir sobre sua prática, tratando a reflexão como instrumento de desenvolvimento do pensamento e da ação.

Schön (1992) acredita que nesse tipo de formação, através de um processo coletivo de trocas de experiências, os professores constroem saberes específicos que fundamentam suas ações no trabalho pedagógico. A tentativa do autor é de contrapor- se ao modelo da racionalidade técnica, que concebe a atividade profissional como de natureza instrumental, onde a aplicação de teorias e técnicas oriundas do conhecimento científico se configura como a solução de problemas concretos. Trata-se, defende ele, de conceber a formação de modo mais amplo, no qual através da reflexão os professores podem compreender melhor o significado e as repercussões de sua prática cotidiana, tendo, com isso, mais controle sobre seu trabalho.

Estudos como esses mostram que outras dimensões da formação continuada emergem como elementos a serem considerados. É preciso colocar em análise outros espaços de formação, para além dos cursos formais. A escola como espaço de formação e os conhecimentos produzidos pelos professores também se configuram como elementos importantes nesse processo (PENA, 1999).

Garcia, (citado por HERNECK & MIZUKAMI, 2002) considera que a formação precisa ser concebida tendo como base a experiência cotidiana dos professores. Segundo o autor, os docentes se instruem graças a necessidades internas, como o gosto de aprender para resolver problemas.

Em sua pesquisa de mestrado, fazendo alusão à escola como local de formação, Pena (1999) recolhe e analisa dados sobre a importância que os professores conferem aos espaços que viabilizam a troca de experiências. As falas das professoras apontam para a valorização desses momentos como possibilidade de maior entrosamento, contato com novas formas de trabalho, dando pistas para os problemas enfrentados no cotidiano. O estudo mostra como, em situações desafiadoras, as professoras constroem competências específicas que o trabalho demanda. Isso leva a autora a concluir que esses momentos coletivos “apresentam um potencial formativo na medida em que contribuem para o desempenho do trabalho das professoras de uma forma mais segura” (p. 117).

Vale contudo, ampliar essa perspectiva afim de se evitar que os momentos de troca de experiências sejam vivenciados em sua superfície. A análise crítica das experiências vividas precisa compor os momentos coletivos, a fim de que saberes construídos no cotidiano sejam consolidados e novos saberes possam ser construídos. Trata-se do esforço de fugir da constatação e da repetição de determinadas experiências e abrir-se a novos conhecimentos, inclusive teóricos. Nascimento (1996), pesquisando, em uma escola pública no Rio de Janeiro, as ações de formação, percebeu que um dos problemas vivenciados nos processos formativos era o limitado embasamento teórico das discussões, o que as levava para o lado instrumental, insistindo na busca do “como fazer”, e questionando pouco o “porquê” e o “para quê”. A

autora ressalta a necessidade de se romper com a predominância da dimensão técnica da profissão docente, principalmente devido às limitações impostas pelo tempo.

A construção de saberes durante a atividade de trabalho docente vem ganhando destaque na literatura atual sobre a formação de professores. Nessa direção, uma das idéias, ao tratar o ensino como prática social, afirma o quanto o trabalho docente possibilita e exige dos professores a construção de conhecimentos práticos em sua atuação diária. Tardif, Lessard e Lahaye (1991) conceituam os saberes práticos, também chamados por eles de saberes da experiência:

[...] um conjunto de saberes atualizados, adquiridos e requeridos no quadro da prática da profissão docente que não provém da formação ou dos currículos. [...] Eles formam um conjunto de representações a partir do qual os professores interpretam, compreendem e orientam sua profissão e sua prática cotidiana em todas as suas dimensões. Eles constituem, poder-se-ia dizer, a cultura docente em ação (p. 127).

Por isso os autores afirmam a prática pedagógica como importante elemento da formação continuada dos professores, já que é nela e por ela que os saberes da experiência constituem-se e configuram-se como provocadores de mudanças na própria organização do trabalho pedagógico.

Além de provocar a construção de conhecimentos advindos da experiência, a prática pedagógica permite que outros saberes sejam resignificados. A experiência funcionaria como uma espécie de filtro, onde outros saberes seriam selecionados de acordo com sua utilidade no cotidiano de trabalho. (TARDIF, LESSARD e LAHAYE, 1991).

Para Tardif (2003), os professores mantêm uma relação de exterritorialidade com os saberes de sua formação profissional, cabendo aos formadores universitários o papel de produtores e legitimadores do saber, e aos professores a função de apropriação desse saber. Essa sensação de exterritorialidade faz com que os professores desvalorizem a formação, conferindo a ela um grau de abstração. Por isso, para os professores, os saberes adquiridos por meio da experiência profissional constituem os fundamentos da sua competência.

As contribuições teóricas acima apontadas vêm enriquecer nosso debate sobre a temática da formação. Mais que isso, elas nos instigam a promover outras questões sobre o objeto, avançando nas análises. A radicalidade teórico-metodológica está em colocar a atividade humana em cena. Trata-se, portanto, de atentar, conforme sinaliza Yves Clot (2006), para o real da atividade, ou seja, “[...] aquilo que não se faz, aquilo que não se pode fazer, aquilo que se busca fazer sem conseguir – os fracassos –, aquilo que se teria querido ou podido fazer, aquilo que se pensa ou se sonha poder fazer alhures” (p. 116). A variabilidade, caráter singular das situações de trabalho, aciona a recriação de atividades prescritas e invenção de novos modos de agir.