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CAPÍTULO 4 A pesquisa

4.1. Fundamentos teóricos do método

Utilizo como fundamento teórico deste estudo os pesquisadores Denzin e Lincoln (2006). Esse é um campo interdisciplinar, transdisciplinar e/ou contradisciplinar que circula nas ciências humanas, sociais e físicas e, ao mesmo tempo, influencia e é influenciada por múltiplas posturas éticas e políticas.

Para esta pesquisa interventiva elejo como método o estudo de caso, tal como proposto por Yin (2005) e Stake (2000). Sua questão norteadora adotada é a seguinte: como otimizar a interação intersetorial educação-saúde já existente no atendimento público municipal para melhor responder à demanda de queixas escolares, de forma não medicalizante?

Devido ao tipo de questão de pesquisa proposta, à extensão de controle do pesquisador sobre eventos atuais e ao enfoque em ocorrências contemporâneas, escolhi como método o estudo de caso descritivo e exploratório, que busca focalizar acontecimentos contemporâneos e preservar suas características holísticas e historicidade. Tal método dispensa o controle de eventos comportamentais, busca compreender fenômenos sociais complexos envolvidos no processo da pesquisa, além de estimular debates sobre o tema estudado.

Essa modalidade de estudo de caso possibilita quatro aplicações: busca explicar vínculos causais em complexas intervenções da vida real; descreve uma intervenção e o contexto no qual ocorre; explora situações em que a intervenção avaliada não apresenta um conjunto simples e claro de resultados; e ilustra alguns tópicos da avaliação.

Todo estudo de caso exploratório deve ser precedido por afirmações sobre o que será explorado, sobre o propósito da exploração e sobre os critérios adotados para avaliar se esta foi bem-sucedida.

À pergunta “o que estou estudando? ”, respondo: o diálogo intersetorial educação- saúde no atendimento público municipal à demanda de queixa escolar. Neste contexto abrangente, particularizo ocorrências em uma escola municipal do ensino fundamental do município de São Paulo a partir do Programa Saúde na Escola (2014), por meio de uma proposta intervenção Núcleo de Apoio à Saúde Educacional (NASE), um Projeto Terapêutico Singular (PTS) entre Unidade Básica de Saúde e Escola de Ensino Fundamental da região norte do Município de São Paulo, em modelo de experimental a ser aplicado no módulo II de Saúde Mental do PSE (2014).

À pergunta “Por que me proponho a realizar esse estudo? ”, respondo: pretendo descrever a estrutura e a dinâmica de interações intersetoriais de educação-saúde que compõem o universo de pesquisa e explorar possíveis formas de intensificar o diálogo a fim de levantar questionamentos e estimular o debate sobre a necessidade de políticas públicas que contribuam para um melhor atendimento à demanda de queixa escolar, de forma não medicalizante.

À pergunta “O que espero aprender com esse estudo? ”, respondo: busco entender melhor o tema aqui proposto para contribuir com subsídios a diálogos que visam a proporcionar o olhar reflexivo sobre políticas públicas futuras que possam contribuir na melhoria do atendimento à demanda de queixa escolar.

Mais do que observador participante, sou participante que observa ocorrências no trânsito diário de crianças que circulam acompanhadas de seus responsáveis pelos espaços, muitas vezes exíguos, do atendimento municipal em educação e saúde.

Minha condição de neurologista, de participante e coordenador de uma proposta de intervenção diretamente atrelada à pesquisa aqui descrita, me dá acesso a uma situação, ou fenômeno, até então inacessível à investigação científica, segundo os critérios de estudo de caso único revelador estabelecidos por Yin (2005).

Encontro em Rocha e Aguiar (2007) complementos para minha busca de referencial teórico-metodológico adequado a esta pesquisa interventiva: uma investigação é considerada participativa quando interfere na produção de micropolíticas de transformação social. Esta proposta, que busca obter uma visão micropolítica intra e interinstitucional das unidades participantes, fundamenta-se numa perspectiva macropolítica de leitura do diálogo intersetorial educação-saúde.

O objeto (sujeito?) de conhecimento - diálogo intersetorial educação-saúde -, produto de prolongadas práticas sócio históricas, é aqui observado tal como se dá a conhecer na dinâmica de relações estabelecida entre uma UBS e uma Escola Municipal de Ensino Fundamental da cidade de São Paulo, bem como no interior de cada uma dessas organizações, o que inclui, necessariamente, os usuários do sistema. Assim, os processos de intervenção e de produção de conhecimento são simultâneos, e se supõe a análise das forças presentes e das ações empreendidas.

Essas autoras alertam para o fato de que a análise de um meio social, realizada somente com base em classes de corte, pode gerar viés social. Isso porque a edificação dos modos de funcionamento social surge a partir da construção do cotidiano, ou seja, de uma realidade diária móvel, sem princípio, meio e fim, mas com múltiplas entradas para

interrogação das práticas. Assim, em um método participativo, pesquisadores e pesquisados são coautores do diagnóstico da situação-problema e juntos abrem caminhos de enfrentamento e de busca de solução.

Aguiar e Rocha (2003) e (2007) conceituam a pesquisa-intervenção como um método potencializador na organização dos espaços coletivos, em que o pesquisador é um intelectual orgânico voltado às causas populares. O avanço na produção de efeitos sociais depende de ações politizadas, por meio das quais ensinamos-aprendemos conteúdos para qualificar as pessoas da comunidade e os serviços a elas prestados, a partir de recursos de mudança que visem a conscientização e conquista da autonomia política e social da população excluída, tornando-se coparticipava e proativa no processo de transformação.

Quando a pesquisa utiliza um referencial crítico centrado na consciência do coletivo, pode ocorrer uma cisão entre o sujeito da experiência (da luta) e o sujeito do conhecimento. Este tenta superar obstáculos, habitantes da ignorância ideológica, em busca de uma transformação social que assegure a palavra em nível de trabalho coletivo, mas não interfere objetivamente na coletividade.

Os fundamentos teóricos aqui reunidos servem de sustentação a esta pesquisa interventiva, pois o verdadeiro saber e poder só se tornam cientificamente validáveis quando se despem da visão estritamente teórica da academia e são postos a serviço da busca de caminhos que viabilizem a construção do ser, seja ele individual ou coletivo, sem perder de vista que a procura do "ser social" é realizada em contextos externos e internos de ocorrência de cenas cotidianas produzidas a partir da subjetividade social, cultural e histórica desses ambientes, sendo produtos da sua causalidade (VEYNE, 1998).

Segundo Guattari e Rolnik (2005), a subjetivação, quando fundamentada em uma economia capitalista, será força motriz para a segregação, a culpabilização e a infantilização. A manutenção de uma ordem social exige a instauração, inconscientemente, de hierarquias, de sistemas de escalas e de disciplina, fatores que favorecem a sobrevivência e perpetuação das espécies graças a um controle social, em que o detentor do saber e poder elabora a ação a ser executada por integrantes das classes menos favorecidas, num clima de falsa harmonização no trabalho.

Uma vez estabelecido um controle social com base na culpabilização do coletivo menos favorecido e de sua infantilização, os indivíduos que o integram, por não saber fazer, delegam a responsabilidade civil e coletiva a outros que nem sempre atenderão aos interesses do coletivo universal, mas somente aos interesses do coletivo individual.

Fundamentado nesses conceitos, entendo que uma pesquisa-intervenção deva ser construída com uso de referenciais sócio-políticos próprios do movimento entre o que entendemos ser real e a realidade. Realidade construída a partir da historicidade e da genealogia do real, ou seja, realidade em que o pensar se constrói por meio da relação dicotomizada entre realidade externa do mundo em que se habita e o homem que a representa (MENESES,1993).

As relações entre pensamento e realidade são produzidas no interior da dialética eu- mundo. Uma pesquisa interventiva busca interrogar, diante dos processos de constituição, como são produzidos seus objetos-efeitos. Deve, pois, trazer para o campo de análise as histórias, seu caráter transitório e parcial e o modo como se dão os recortes dessa complexa trama.

Ao caráter descritivo desta investigação associa-se um caráter exploratório, dada a impossibilidade de promover repetições dos eventos. Por meio de uma proposta de intervenção - ainda em fase de construção - que visa à não medicalização de queixas escolares no Programa Saúde na Escola (2014) e por se tratar de um fenômeno ainda pouco estudado, penso que será útil poder contribuir para a identificação de categorias de observação e para a geração de hipóteses e críticas futuras, que abrirão campo a novas investigações e novas ações.

Segundo a ótica de Stake (2000), o presente estudo de caso deve ser considerado de tipo instrumental. Sob essa perspectiva, a proposta de objeto de pesquisa aqui realizada busca, com base em um estudo da micropolítica regional (UBS-Escola-Usuários dos sistemas), o entendimento da macropolítica (diálogo intersetorial educação-saúde no município de São Paulo) que propiciará a discussão de um tema mais amplo: atendimento à demanda de queixa escolar, de forma não-medicalizante - essa busca poderá gerar subsídios para buscas ulteriores, para a produção de novas teses e para contestar a generalização amplamente aceita, ao apresentar um problema-pesquisa que destoa daquilo que vem sendo naturalizado como condição ideal. E tem por foco um fenômeno original, delimitado pela estrutura setorial educação-saúde, cujas partes, organizações institucionais, estabelecem relações de vizinhança e buscam atingir objetivos semelhantes, embora nem sempre condiga dialogarem entre si.

Segundo a ótica de Yin, este estudo de caso único tem caráter revelador, descritivo e exploratório, pois focaliza fenômenos sociais complexos, preserva as características holísticas do evento e aprofunda a compreensão de um fenômeno pouco investigado, contribuindo para gerar categorias de observação e/ou hipóteses para estudos posteriores.