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5. Investigação nos crimes contra o patrimônio

5.2. Furto

Furtar é subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, nos termos do artigo 155 do Código Penal. A julgar pela sucinta descrição do tipo penal, é de supor tratar-se de crime de pouca complexidade, porém, na prática, a apuração das circunstâncias que o envolvem, e a identificação dos seus autores, exigem um trabalho investigativo muitas vezes demorado e difícil.

Com efeito, se por um lado, os autores de furtos quase nunca deixam vestígios e indícios peculiares, por outro, raramente se encontram testemunhas ou se consegue, mes- mo através das vítimas, informações úteis e confiáveis.

Seja como for, a investigação de qualquer crime deve partir do local em que tenha ocorrido; no caso do furto também não é diferente. Tudo o que com ele se relacio- nar, ainda que pareça à primeira vista irrelevante, deve ser objeto de cuidadoso levanta- mento.

5.2.1. Vestígios, indícios e oitiva das partes

A partir do levantamento de vestígios, i.e., de tudo o que tem relação com o crime, e de indícios, e.g., circunstâncias conhecidas e provadas, colhidos no local do furto, deve o policial incumbido das investigações passar para a etapa seguinte, ouvindo as partes envolvidas.

A primeira pessoa que deve ser ouvida, sempre que possível e conveniente, é a vítima, a maior interessada no esclarecimento do fato e que pode fornecer, com fidelida- de, os elementos necessários para que o policial possa iniciar o seu trabalho.

Igualmente importantes são os depoimentos de eventuais testemunhas. Na oitiva dessas, o investigador não deve desprezar qualquer detalhe, por mais irrelevante que, a princípio, possa parecer, uma vez que o modus operandi é de fundamental importância, tanto na investigação preliminar, quanto na formação do conjunto probatório.

Portanto, quando o furto deixar vestígios, seu levantamento torna-se imprescindí- vel, devendo ser minuciosamente feito, ainda que aparentemente não apresentem campo propício para a necessária perícia técnica.

5.2.2. Modus operandi

Modus operandi, do latim, significa modo de operar. Em Policiologia, adota-se

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Muitas são as maneiras utilizadas pelos marginais para praticar crimes, razão pela qual a Polícia Civil deve dispensar maior atenção ao modo de agir de cada malfeitor, uma vez que, quase sempre, atuam do mesmo modo quando cometem determinados delitos. Casos há em que o modus operandi é determinante para o esclarecimento do crime de furto, por força da comparação com casos anteriormente esclarecidos ou sobre os quais haja indicação segura de autoria.

Nessa linha de investigação, é de todo conveniente a utilização dos recursos de Informática na classificação e na catalogação do modo de agir de cada delinqüente ou quadrilha, bem como suas predileções por locais, horários e objetos a serem furtados, complementada sempre por outros dados, tais como, meios empregados, eventuais vestí- gios e tipos de estabelecimentos e pessoas visadas.

Conquanto sejam raros os casos de ladrões que se dedicam habitualmente a furtos simples, tal hipótese não pode ser descartada, como também merece atenção a freqüência com que ocorrem furtos continuados em estabelecimentos comerciais e industriais. No primeiro caso, os meliantes são denominados espiantadores ou descuidistas, conhecidos como ladrões de ocasião. Para o segundo, quando os furtos se sucedem, é recomendável o emprego da campana ou da infiltração como meios eficientes de investigação. 5.2.3. Rotina de atuação

Para casos de furto, como forma de ação padronizada, recomenda-se a seguinte rotina: a) levantamento completo dos eventuais vestígios e indícios encontrados no local, preservando os que oferecerem condições para serem periciados, b) oitiva da vítima e das testemunhas, quando possível, c) consignação do dia, hora e circunstâncias em que ocorreu o furto, d) descrição dos bens subtraídos e obtenção de informações sobre quem e, como, deu pela falta dos mesmos, ouvindo a pessoa que comunicou o fato à Polícia, e) arrolamento de testemunhas, de pessoas suspeitas e eventuais receptadores, f) obtenção de outras informações, inclusive quanto à existência de seguro, cobrindo os bens subtraídos etc.

Oportuno ressaltar que, dependendo do local em que ocorreu o furto, do montante e do valor dos bens subtraídos, a investigação preliminar deve se concentrar em estabele- cimento comercial ou residência.

Deve-se considerar também a existência de dispositivo no Código Penal, em seu artigo 155, § 3º, estabelecendo que se equipara à coisa móvel a energia elétrica ou qual- quer outra que tenha valor econômico.

5.2.4. Furto qualificado

Considera-se qualificado o furto cometido com destruição ou rompimento de obstá- culo à subtração da coisa, com abuso de confiança ou mediante fraude, escalada ou destreza, com emprego de chave falsa ou mediante o concurso de duas ou mais pessoas. Essas modalidades geralmente oferecem uma série de vestígios e indícios, razão pela qual, analisaremos cada uma delas separadamente, cabendo ressaltar que, em muitos casos, aplicam-se as mesmas regras válidas para o esclarecimento de furtos simples.

5.2.4.1. Furto com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa

O furto, quando qualificado pela destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa, nos termos do inciso I, do § 4º, do artigo 155 do Código Penal, revela atuação de ladrões que, no jargão policial, recebem a denominação de arrombadores, escruncha-

dores ou escrunchantes. Os que se especializam em arrombar cofres são conhecidos como marmotistas.

Esses marginais são os mais astutos. No entanto, sua atuação, de difícil dissimula- ção, geralmente deixa um bom campo para a perícia técnica, especialmente no tocante ao levantamento de impressões digitais. Utilizam-se de marretas, talhadeiras, alavancas, pés- de-cabra, furadeiras, brocas, alicates-de-pressão, explosivos e, até, maçaricos, enfim, tudo aquilo que possa romper o obstáculo que impeça o seu acesso à coisa almejada.

Penetram em qualquer tipo de edificação, veículos, máquinas, móveis, abrem cofres e rompem toda e qualquer proteção que os detenha.

Objetivando não deixar impressões digitais, utilizam-se de luvas, meias ou qualquer material que possa evitar as impressões de seus desenhos papilares sobre qualquer suporte. Contudo, outros vestígios poderão ser cuidadosamente levantados pelos policiais civis incumbidos das investigações, para confronto com eventuais instrumentos apreen- didos posteriormente, ou simplesmente abandonados no local.

Em muitos casos, os arrombadores esquecem, no local do furto, peças de roupa, objetos de uso pessoal, restos de alimentos, escritos e até documentos, que passam a constituir bons indicadores de autoria.

Outros recursos eventualmente disponíveis são as informações das vítimas e das tes- temunhas que poderão contribuir para identificar suspeitos e direcionar as investigações. O confronto dessas informações armazenadas no banco de dados de modus operandi, onde podem estar catalogados, entre outros vestígios, atos de vandalismo, restos de ali- mentos e bebidas, fezes, urina, bilhetes, sinais simbólicos, uso de máscaras e disfarces, pichação de paredes e tentativas de incêndio, é outro bom recurso de investigação.

Deve-se lembrar, ainda, a existência do chamado espólio criminoso, constituído por objetos furtados e que são indicadores de um determinado modus operandi, revelan- do a preferência que cada meliante tem por determinado tipo de coisa, influindo para essa tendência a facilidade de venda, ou do transporte da mercadoria subtraída.

5.2.4.2. Furto com abuso de confiança ou mediante fraude, escalada ou destreza

No furto cometido com abuso de confiança, o êxito das diligências dependerá sem- pre da capacidade de investigação do policial, uma vez que, em regra, inexiste campo para o levantamento pericial. Pouca diferença tem essa modalidade com o furto simples, somente tornando-se qualificada, em razão da facilidade de acesso à res furtiva por parte do autor, em virtude da confiança que lhe deposita a vítima. Assemelha-se, também, à apropriação indébita.

Os casos mais comuns de furto com abuso de confiança são aqueles que envolvem empregados domésticos ou pessoas que trabalham em estabelecimentos comerciais e industriais, em razão dos serviços que executam, visto que passam a ter acesso livre aos objetos que terminam por se assenhorear.

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Na hipótese de furto em residência, nunca se pode descartar a participação de pes- soas da própria casa, inclusive familiares, em princípio tidas como insuspeitas. Quando ocorrente em estabelecimentos comerciais ou industriais, geralmente sob a forma conti- nuada, o meio de investigação mais eficaz é a infiltração, através da qual o policial passa a conviver com os possíveis autores, facilitando sua identificação.

Ocorrendo a apreensão da coisa furtada, dependendo das circunstâncias, a confis- são por parte do autor é quase certa.

No furto mediante fraude, o autor ou autores, geralmente pessoas astutas, utilizam- se de artifícios ou manobras para distrair a vítima, agindo sorrateiramente. Recebem o nome de escamoteadores, que, por definição vernacular, são os que fazem desaparecer as coisas sem que se note, No linguajar policial são denominados espiantadores. Os que se especializam em abrir bolsas são denominados chuqueiros.

Caso típico dessa espécie de furto, que assume aspecto de conto, é o chamado

suadouro, que ocorre quando os meliantes, agindo em dupla, atraem a vítima para um

encontro íntimo. Em dado momento, simulam uma abordagem passional diante da qual a vítima para não ser envolvida, foge deixando seus pertences.

No furto qualificado pela destreza o ladrão age sozinho ou com um ou dois compar- sas e, demonstrando habilidade, subtrai os pertences da vítima sem que esta perceba. É o caso da chamada punga, que ocorre quando o ladrão saca a carteira do bolso da vítima com tal habilidade que esta não se dá conta. Vem daí o conhecido termo punguista.

O comparsa que dá cobertura corporal à ação do punguista é chamado de esparro e, geralmente, é quem recebe e esconde a carteira furtada.

Nesses casos a investigação deve começar pelo reconhecimento fotográfico, por parte das vítimas em álbuns organizados pela Polícia Civil, sendo também oportuna a descrição do modus operandi e de outros detalhes que possam identificar os autores.

5.2.4.3. Furto com emprego de chave falsa

Nesse caso o autor, conhecido no linguajar policial como micheiro, utiliza-se de chave falsa ou micha, conseguindo chegar ao seu objetivo sem qualquer vestígio aparente. Em tal hipótese, inexistindo furto, não deixa vestígios de violência para obtenção da coisa, razão pela qual deve o policial deduzir, como ocorrência mais provável, a utilização desse instrumento.

Resta assim ao investigador, além da confirmação do modus operandi, valer-se de informações prestadas pela vítima, eventuais testemunhas, informantes ou denunciantes. Os ladrões especializados em abrir gavetas, quase sempre muito hábeis, são conhe- cidos como gavioleiros. Geralmente conhecem os meandros da profissão de chaveiro, quando não a exercem efetivamente.

5.2.4.4. Furto mediante concurso de duas ou mais pessoas

Outra qualificadora desse tipo penal é a ação conjunta de duas ou mais pessoas para o seu cometimento. Na conceituação dessa forma de crime contra o patrimônio, assim como nas de roubo e de extorsão, o legislador refere-se a duas ou mais pessoas. Quando trata dos crimes contra a paz pública, tipifica o ato de “associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para fim de cometer crimes”.

Esse concurso, que nos chamados pequenos furtos é de difícil constatação, torna-se evidente quando a quantidade, o volume e o peso da res furtiva ou, ainda, a forma como foi destruído ou rompido o obstáculo à sua subtração, o denunciam.

No trabalho de investigação, pode-se aplicar a mesma rotina que orienta o esclare- cimento de qualquer outro furto, atentando-se, porém, para o modus operandi, que é dife- rente, peculiar.

5.2.4.5. Furto de coisa comum

Nesse crime, o sujeito ativo está restrito à figura do condômino, do co-herdeiro ou do sócio, que subtrai para si ou para outrem, a quem legitimamente a detém, a coisa comum. Como o tipo encontra-se no rol dos crimes em que somente se procede mediante representação, tem-se no representante, ou no documento por ele apresentado, a principal fonte indicadora da autoria. A partir daí, basta seguir as pistas indicadas e aplicar as técni- cas investigativas.

No documento Manual Operacional Do Policial Civil SP (páginas 79-83)